Sem o livro Portugal e o Futuro de António de Spínola, o regime não estaria desacreditado o suficiente para que milhões de portugueses aceitassem o golpe militar do MFA da noite para o dia. O general tinha afirmado dois meses antes que a guerra colonial não tinha futuro e que era necessária uma negociação política para as províncias ultramarinas. Uma verdadeira bomba do militar mais experiente no conflito ultramarino e que determinou e acelerou o fim de Marcello Caetano e de um regime caduco a grande velocidade, mesmo que o livro fosse pouco mais do que medíocre..Entre as centenas de livros que a Revolução já fez nascer, a maioria não vai ao fundo da nova realidade, não passam de autojustificações dos protagonistas militares e civis, nem fixam em definitivo o resultado do pronunciamento do Movimento das Forças Armadas. Mas já existem muitos bons livros para se compreender o que se passou e clarificar um pouco mais a Revolução de Abril. Seguem-se sete bons exemplos...Portugal e o Futuro.de António de Spínola: o livro que virou mesmo a página.Se houve um livro que fez a Revolução do 25 de Abril foi Portugal e o Futuro de António de Spínola. O general escreveu -ou escreveram por ele - uma série de textos e publicou a 22 de fevereiro de 1974 esse livro que colocou completamente a nu o estado desesperado e de desmando total do regime salazarista herdado por Marcello Caetano. Este passou para o seu ministro da Defesa a decisão de autorizar ou não a publicação do "ensaio" de Spínola, recebeu o sim e a Editora Arcádia teve o seu maior êxito nas mãos. Nos dias que se seguiram à chegada às livrarias, os portugueses compraram milhares de exemplares. Ao lerem o que lá estava escrito, perceberam definitivamente que o Chefe de estado Maior das Forças Armadas portuguesas era contra a manutenção da guerra no Ultramar. Estava aberta a porta para a vitória do Movimento das Forças Armadas e o fim de um herdeiro de Salazar que foi incapaz de inovar e evitar que na madrugada de 25 de Abril segurar o regime desrespeitado pelos pares europeus, caduco e atrasado em toda a linha..Portugal Amordaçado.de Mário Soares: onde os democratas mostram a cara.Começou por se chamar LePortugal Baillonné o depoimento que Mário Soares escreveu no exílio em Itália e França no ano de 1971 e publicado no ano seguinte em abril pelo editora francesa Calmann-Levy. O político pretendia dissecar o regime e explicar o que eram os anos de fascismo que se vivia em Portugal. Entre os vários temas que eram tratados em Portugal Amordaçado, foi esse o título em português, estava o país feito à medida de Salazar, a oposição ao regime pelos portugueses, a ação de Humberto Delgado, a primavera marcelista e o herdeiro do ditador, a guerra colonial e a agonia do regime. A pressão do editor foi fundamental para que Soares escrevesse o livro, cuja principal intenção era servir de testemunho junto da opinião pública internacional para o que e estava a passar em Portugal e, segundo o autor, com a intenção de contribuir para a luta geral que então se travava contra a ditadura Caetanista. Também servia para mostrar aos leitores portugueses que conseguiam comprar exemplares no seu país para mostrar que a oposição não estava de braços cruzados e ao mesmo tempo que além do partido Comunista Português existiam outras forças políticas na oposição..Capitão de Abril.de Salgueiro Maia: as intenções e o equívoco do MFA.Entre os que derrubaram o regime de Salazar e Caetano estão militares como Otelo Saraiva de carvalho e Salgueiro Maia. O primeiro, o estratega do movimento escreveu a sua história em Alvorada em Abril, o segundo morreu prematuramente, mas teve algumas das suas reflexões reunidas no livro Capitão de Abril que a editora Âncora publicou. Nesses textos pode-se perceber em primeira mão aquilo que levou centenas de militares a contestarem a política ultramarina mantida por Marcello Caetano, de onde decorre todo o golpe de estado de 1974. Além de episódios anteriores, é a partir da tentativa fracassada do 16 de Março de 1974 protagonizada pelo Regimento de Infantaria das Caldas que o relato de Salgueiro Maia percorre os passos que levam ao fim do sistema, um grande capítulo a relatar o dia da Revolução e outro com o 11 de Março. É, no entanto, em poucas páginas que o capitão explica tudo: o MFA unia os interesses individuais, a crescente componente política, a preparação do pronunciamento e o facto do 25 de Abril "ficar a meio" e o equívoco do MFA entrar ideologicamente na Revolução sem a imensa maioria dos militares terem capacidade intelectual para se tornarem políticos..Capitão de Abril, Capitão de Novembro.de Sousa e Castro: a vaidade de Spínola.Existem várias memórias dos capitães de Abril publicadas após os tempos de grande conflito ideológico no Verão Quente de 1975. Muitas para chorar o leite derramado em desvios de uma deriva militar dos capitães seduzidos por partidos e organizações políticas não representativas dos portugueses, e outras para fazerem a História já possível entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro de 1975. A tese de que o 25 de Abril só começou 20 meses mais tarde já está presente num importante relato do coronel Sousa e Castro, da Editora Guerra & Paz, e colocou em 2009 algumas verdades sobre a Revolução. Ao utilizar um bom truque literário, o autor dá início com o ambiente do dia 25 de Novembro para depois voltar ao princípio de tudo: Angola, maio de 1967. Pelas mais de 400 páginas passam todas as vaidades de Kaulza e Spínola que geram golpezinhos que encostam o país à extrema-esquerda, e uma lista de "heróis", onde pontuam Otelo, Vasco Gonçalves, Melo Antunes, Jaime Neves, e muitos outros personagens - nunca protagonistas - de um processo feito de interesses. A sinceridade do autor fica espelhada logo às primeiras linhas: "O autor confessa ter chegado ao 25 de abril sem saber que Cunhal era líder do PCP.".Os Cinco Pilares da PIDE.de Irene Flunser Pimentel: os piores portugueses do antigamente.A historiadora IreneFlunser Pimentel tem publicado várias investigações sobre a polícia política que Salazar montou para se manter no poder à custa do pior sentimento: o medo. Milhares de portugueses denunciavam os vizinhos e aqueles de quem não gostavam e acusavam-nos de atividades atentatórias ao país; a PIDE ouvia e investigava a maioria, prendia bastantes, deportavam alguns, e, principalmente, eliminava qualquer hipótese para o fim da ditadura. A historiadora fez em Os Cinco Pilares da PIDE, editora Esfera dos Livros, um dos melhores retratos dos cinco inspetores que mais torturaram e tornaram indigno moralmente o regime do Estado Novo, uma estrutura também responsável pela censura e que nem Marcello Caetano extinguiu. Este relato chama a cada um as responsabilidades dos seus atos, entre os quais o assassinato do general Humberto Delgado, e da radiografia a esse quinteto compreende-se a logica da repressão. O retrato é feito com base em como chegaram a estes postos, nas suas convicções, o modo de subir na hierarquia e atuaram a todos os níveis e sob todos os portugueses..Carlucci vs. Kissinger.de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá: os enviados americanos à revolução.A investigação universitária e profissional sobre o 25 de abril de 1974 tem vindo a dar frutos nos anos mais recentes, mas até 2008 não era assim tanta. Uma das exceções é o trabalho de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá, intitulado Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa, que abre o horizonte para perceber o papel diplomático - e de força - dos Estados Unidos durante a transição democrática em Portugal. Ver o nome Carlucci na capa arrepia muita gente, mas é deste modo que se irá compreender que não eram só as facções em que os militares de Abril estavam divididos que levavam o país para um ou outro extremo, mas que a diplomacia externa estava de olhos bem postos em Portugal para evitar uma nova Cuba em plena Europa. O papel do embaixador na História desses tempos, o apoio dado a Mário Soares e a teimosia contra as diretivas do secretário de Estado Henry Kissinger estão nestas páginas, que abriram a porta a outra visão sobre a Revolução dos Cravos e os meses de Verão Quente que se seguiram. Um dos primeiros trabalhos diretamente interessados no que existia além da vida política nacional..Revolução sem Sangue.de Fábio Monteiro: o fim do mito do "dia inicial inteiro e limpo".Um dos poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen com inspiração política trata da beleza da Revolução e da ausência de violência: "Este é o dia inicial, inteiro e limpo". Demorou tempo, mas no ano passado Fábio Monteiro recupera a tragédia que acompanhou a Revolução de Abril, a das seis mortes que aconteceram nas primeiras horas do golpe, sendo que quatro deles assassinados pela PIDE. Em Esquecidos Em abril, da editora Horizonte, são finalmente contadas as histórias dessas vítimas e, principalmente, eliminado o epíteto de revolução sem sangue. O autor considera que o que foi instituído historicamente e ensinado nas escolas é falso: "Revolução dos Cravos pacífica, sem sangue e sem mortos é uma delas. Contaram-nos isso na escola; escreveram-nos isso nos jornais e revistas; dizem-nos isso a cada celebração e discurso oficial sobre o aniversário do 25 de Abril de 1974. Só que é mentira." Há um João, um José, dois Fernando, um António e um Manuel que, finalmente, fazem parte de Abril.