(Disney+).Um submarino chamado Nautilus, o seu capitão Nemo e o ataque de uma lula gigante. Mesmo quem não leu o famoso romance de Júlio Verne conhecerá estas referências já muito adaptadas ao grande ecrã, desde o tempo de Georges Méliès. De todas essas adaptações, a de Richard Fleischer, produzida por Walt Disney, permanece no tempo como um clássico maior, capaz de trazer ao espectador o fascínio do oceano profundo e o sentido da aventura, sem suavizar a ferida humana por trás de grandes invenções..A verdade é que Vinte Mil Léguas Submarinas (1954) não é exatamente um "filme para toda a família" - modelo ao qual associamos a Disney -, embora seja uma boa entrada na mitologia subaquática. A história começa com uma série de naufrágios que cria rumores sobre a existência de um monstro marinho, levando a uma expedição para averiguar a suspeita. A bordo seguem um naturalista, Professor Aronnax (Paul Lukas), o seu assistente Conseil (Peter Lorre) e o arpoador Ned (Kirk Douglas), três personagens que têm encontro marcado com o homem que comanda o dito "monstro": Capitão Nemo (James Mason). Afinal, a criatura é um submarino, qual milagre tecnológico, e Nemo alguém que se afastou da imperfeição humana procurando refúgio numa abastada vivência subaquática. É aí que ele vai manter reféns os três intrusos acidentais e mostrar-lhes as maravilhas dentro e fora da sua portentosa embarcação - um segredo que ele não considera digno da humanidade. Porém, ainda há uma batalha a ser travada com um monstro verdadeiro....Primeiro filme em que Walt Disney utilizou o processo Cinemascope, 20,000 Leagues Under the Sea dá-nos a visão interior de um requintado palácio dentro de água, este, por sua vez, com uma janela panorâmica redonda que revela a paisagem marinha. Não admira que tenha vencido dois Óscares: direção artística e efeitos especiais..(Disney+)."Nunca desejou conseguir respirar debaixo de água?" A pergunta de uma criança numa carta dirigida ao oceanógrafo Steve Zissou (Bill Murray) é talvez a frase que resume este belo filme de Wes Anderson, com um protagonista comicamente à imagem de Jacques-Yves Cousteau (este que, por sinal, se inspirou nas Vinte Mil Léguas Submarinas de Verne para a sua exploração dos oceanos). The Life Aquatic with Steve Zissou (2004) passa-se quase todo fora de água mas é como se as personagens estivessem sempre dentro dela, sobretudo esse grande "peixe" Zissou, o homem-anfíbio que vive praticamente no seu barco, e o mais possível rodeado de azul - veja-se o aquário com a orca que aparece no seu gabinete..Zissou tem um plano para se vingar do tubarão raríssimo que comeu o seu parceiro de aventuras, com quem fazia documentários. Mas agora junta-se à festa um admirador que pode ser seu filho (Owen Wilson) e uma jornalista grávida (Cate Blanchett), numa expedição composta por uma equipa fiel, desde a mulher interpretada por Anjelica Huston ao marinheiro Seu Jorge, que vai pontuando o filme com versões portuguesas de músicas de David Bowie: é o revestimento melancólico perfeito para uma excentricidade aquática. Já o encontro final com o "tubarão-jaguar" tem qualquer coisa de mágico..(Disney+).Foi a estreia da Pixar no verão passado e é uma das animações mais ricas do seu catálogo. Rica em referências cinematográficas, nostalgia e sabor a Itália. Aqui, dois meninos, Luca e Alberto, sonham em andar de Vespa pelas ruelas inclinadas de Portorosso, uma pequena cidade fictícia da Riviera italiana que miram ao longe nas suas brincadeiras. A distância é estabelecida pelo próprio habitat dos rapazes: eles são monstros aquáticos que ganham forma humana quando se encontram fora de água..No início do filme, passamos algum tempo nas profundezas do mar, seguindo a curiosidade natural de Luca e a sua zanga com os excessos da mãe superprotetora. Um quadro bastante familiar, que mostrará como a vivência desses temidos monstros não difere muito do mais comum dos mortais. Seja como for, à superfície, Lucas e Alberto expõem-se ao desconhecido como se estivessem a aprender a nadar, e entre novas amizades, gelato e pasta, este será o verão daquela liberdade romântica que remonta ao tempo em que os miúdos corriam pelas ruas... Enrico Casarosa, realizador italiano, soube combinar docemente a fábula, o retrato da amizade e o gosto a vida no litoral..(Netflix).Sendo, precisamente, um dos filmes que inspirou Luca, Ponyo à Beira-Mar (2008) é ele próprio resultado de uma ideia que Miyazaki teve depois de ver A Pequena Sereia da Disney. Nesta história, uma princesa peixinho-vermelho é resgatada por um menino de cinco anos através do qual criará um vínculo com o mundo humano, desafiando a vontade do pai, um poderoso feiticeiro, que a quer de volta ao seu reino no fundo do mar..Como qualquer animação do mago japonês, Ponyo põe o plano narrativo ao serviço de uma encantadora dimensão visual, em que a matéria do quotidiano e a fantasia se fundem dando azo a imagens deslumbrantes. Impossível esquecer a cena da tempestade no mar, com as ondas a ganharem formas de peixes gigantes, enquanto Ponyo corre e saltita sobre elas ao som de um tributo musical à Cavalgada das Valquírias de Wagner. Essas ondas têm algo que ver com uma das mais conhecidas xilogravuras de Hokusai - A Grande Onda de Kanagawa - e, de resto, Miyazaki plantou diversas citações da referida tetralogia de óperas de Wagner, O Anel do Nibelungo, a começar pelo facto de o verdadeiro nome de Ponyo ser Brunhilde (a personagem dita sobrenatural que se apaixona por um humano, Siegfried)..(Filmin).De outra japonesa, Naomi Kawase, A Quietude da Água (2014) é um gentil conto de amadurecimento, que cruza a poesia dos ritmos da natureza com a linguagem da intimidade. Na ilha subtropical de Amami Oshima, um adolescente encontra um cadáver que emerge de um mar revolto: terá sido acidente ou crime? Com a ajuda da namorada, que por sua vez está a lidar com a iminência da morte da própria mãe, o rapaz inicia uma secreta investigação, sem qualquer caráter policial... A descoberta que os espera é de outro domínio: trata-se de uma revelação interior dos mecanismos da existência, da vida e da morte. Este é o momento da sua passagem à idade adulta..Kawase regista essa transição com uma câmara imbuída de serenidade e sabedoria oriental, ora à sombra das árvores ora debaixo de água, onde estes corpos (primeiro o dela, mesmo vestida com a farda da escola) se confundem com uma imensa tranquilidade azul. No fim de contas, o mar é a grande testemunha do ritual de passagem. E há ainda as canções tradicionais da ilha, shima-uta, que restabelecem o apaziguamento dos espíritos..(Filmin).As emoções aquáticas deste filme do alemão Christian Petzold começam no título. Undine, ou Ondina, é a ninfa das águas cujo amor por um homem lhe garante uma alma e forma humanas, tendo como condição não poder ser traída por ele, sob pena de ter de o matar. Assim diz o mito. É por isso que, logo no início, somos surpreendidos com as palavras abruptas da protagonista - "Se me deixares, tens de morrer" - dirigidas ao homem que está prestes a abandoná-la numa mesa de café. Maldição suspensa minutos depois, quando ela, subitamente apaixonada por um escafandrista, e entre os destroços de um aquário partido, renova o seu voto e resiste ao chamamento do lago..Fabuloso mistério romântico contemporâneo, com a dupla Paula Beer e Franz Rogowski, Undine (2020) mantém-nos no interlúdio subaquático, mesmo que quase tudo pareça estar a acontecer à superfície. De facto, enquanto historiadora do departamento de desenvolvimento urbano de Berlim, Undine faz pequenas palestras sobre as etapas da construção e reconstrução da cidade ao longo dos séculos, revelando como os edifícios berlinenses se ergueram sobre terrenos pantanosos, impregnados pelo rio Spree. Uma informação que sublinha a mitologia trabalhada por Petzold, a partir de um conto de Ingeborg Bachmann, e alimenta a indefinição entre o sobrenatural e o mundano..(Prime Video).Voltando às histórias de submarinos, Caça ao Outubro Vermelho (1990) é um excelente exemplo de thriller político debaixo de água. Baseado no best-seller de Tom Clancy, que marca a primeira aparição da personagem Jack Ryan, conta-se aqui a manobra arriscada de um capitão, Marko Ramius, no comando de um submarino nuclear soviético (o Outubro Vermelho), que desobedece a ordens superiores e se dirige para a costa americana. As suas intenções são interpretadas como uma forte possibilidade de ataque, pondo em alerta outros submarinos soviéticos e o próprio governo norte-americano. Mas a teoria de um analista da CIA, Jack, é de que Ramius pretende desertar - algo que terá de ser provado em pouco tempo para impedir uma ação precipitada..Com um nome que homenageia a Revolução de Outubro de 1917, o submarino em causa é um engenho de tecnologia superior e deslocação silenciosa condizente com a figura do seu capitão. Poucos atores encaixariam tão bem na nobreza e moral turva de Ramius como o faz Sean Connery, seguido de perto por um jovem Alec Baldwin, na pele de Jack Ryan. Mas é ao realizador John McTiernan que se atribui a cadência majestosa desta narrativa de espionagem, que navega nas águas profundas com o porte robusto desse submergível.