De Stranger Things (Netflix) a Euphoria (HBO Max), de Cruel Summer (Prime Video) a Yellowjackets (HBO Max), são vários os títulos espalhados pelo streaming que evocam aquela fase marcante da vida cujas experiências, mais ou menos intensas, moldam personalidades. Para além destas séries, recentemente têm chegado às plataformas outras bastante diversas na abordagem desses anos referenciais: os anos da adolescência. Aferindo a tendência, reunimos cinco sugestões (já disponíveis ou prestes a estrear) para todos os gostos, entre o drama, a aventura, a ficção-científica, o mistério e uma pitada de terror. Histórias protagonizadas por raparigas, e quase sempre escritas ou realizadas por mulheres. Caso para dizer que há uma vaga feminina a despontar por trás do pequeno ecrã....(Filmin) .De entre todos os retratos da adolescência alinhados nestas escolhas, In My Skin é o topo de gama da escrita de qualidade. O tipo de série britânica que consegue combinar humor e drama sombrio com uma impressionante afinação de tom. Seguimos aqui a narrativa coming-of-age de Bethan (extraordinária Gabrielle Creevy), uma jovem de 16 anos, a viver em Cardiff, com um talento natural para a mentira: na escola, aos seus dois melhores amigos, ela dá pormenores de uma vivência familiar confortável e ligeiramente extravagante, com o único objetivo de esconder a duríssima realidade doméstica. Debaixo do tapete dessa fantasia criada para se sentir uma adolescente "normal" perante os seus pares, Bethan cuida de uma mãe com transtorno bipolar e lida com um pai alcoólico abusivo - o pior cenário que se pode imaginar para o dia a dia de uma filha única, com a existência básica sempre na vertigem da violência..Em episódios de 30 minutos, In My Skin, concentra uma comovente, e por vezes agitada, crónica das alegrias e tristezas da amizade, das pequenas tragédias íntimas e, enfim, desse passo redentor que é sair de casa e considerar o futuro. Tudo com um toque de ironia e agudeza de espírito garantidas pela assinatura de Kayleigh Llewellyn (claramente uma argumentista do mesmo campeonato de Phoebe Waller-Bridge), premiada na última edição dos BAFTA, inclusive na categoria de melhor série dramática. As duas temporadas, disponíveis em exclusivo no catálogo da Filmin, são uma viagem preciosa, mais do que recomendável, com uma enorme carga de autenticidade a pulsar no ecrã. Como diz o título, estamos sempre na pele da protagonista, a apurar os sentimentos genuínos de quem sofre um segredo "em tempo real"..(Filmin) .Eis a primeira produção televisiva taiwanesa centrada no amor romântico entre duas mulheres. Composta por seis episódios curtos, A Fragrância da Primeira Flor é uma delicada incursão nas memórias proibidas (embora cândidas) dessas protagonistas que, separadas na adolescência pelo medo e preconceito, se reencontram enquanto adultas numa Taiwan moderna, pouco depois da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, em 2019..Justamente, logo no primeiro episódio, uma delas, Yi-Ming, quase entra por engano numa festa de casamento de duas mulheres, revelando um misto de choque e fascínio quando dá conta do seu erro. Este é apenas o prenúncio do dito reencontro com Ting-Ting, a jovem de olhos meigos que no liceu se apaixonou por ela e nunca a esqueceu. Entre flashbacks e fragmentos do presente, vamos conhecendo a história da relação delas, o tremor subtil dos primeiros sinais de atração mútua, e o fantasma de uma sociedade, nessa altura, pouco aberta. A realizadora Angel Teng leva-nos, com um movimento suave, neste despertar de um amor puro recalcado pelo tempo, que agora colide com a circunstância de vida de Yi-Ming, casada e mãe de um menino autista. Com extrema sensibilidade e doçura, A Fragrância da Primeira Flor alcança as notas mais profundas através de um "simples" abraço ou toque de pele entre adolescentes à descoberta da intimidade..(Amazon Prime Video).Num registo bem diferente, mas também a cruzar as linhas da adolescência e da idade adulta, Paper Girls reveste-se das cores da ficção científica para contar a aventura de quatro distribuidoras de jornais, raparigas de 12 anos que, na madrugada após o Halloween de 1988, são apanhadas num estranho fenómeno de céu cor-de-rosa que as faz aterrar em... 2019. Entre a loucura de um Regresso ao Futuro e o espírito fraternal de um Conta Comigo, esta série americana de Stephany Folsom, baseada na novela gráfica de Brian K. Vaughan, é um pote de nostalgia que rapidamente se converte em algo mais do que ação e viagens no tempo..No decorrer dos oito episódios da primeira temporada (com estreia a 29 de julho na Prime Video), as adolescentes que acederam acidentalmente a outras linhas do tempo, e que só querem voltar para casa, vão-se zangando, fazendo as pazes entre elas, e confrontado, uma de cada vez, o seu "eu" do futuro; isto enquanto fogem das forças vilanescas que proíbem tais viagens. E no confronto com essas versões adultas das personagens, a série explora a beleza do inesperado ou o quebrar das expectativas que a adolescência alimenta. Numa das cenas mais conseguidas, a maria-rapaz do grupo - que em 1988 tinha uma vida suburbana pouco invejável - vai ao encontro do irmão mais velho, em 2019, e ao descobrir, com espanto, que este se tornou médico, acaba o processo de prova de identidade dentro do carro dele, a ouvirem juntos o tema metaleiro Mother, dos Danzig, em nome dos "velhos tempos". Um momento digno (porque não?) do efeito Running Up That Hill, de Kate Bush, em Stranger Things. .(HBO Max) .A entrar pelo campo do terror, Pretty Little Liars: Original Sin propõe um conjunto renovado de "pequenas mentirosas" (muito diferentes da Bethan de In My Skin...). Depois da série de sucesso homónima, que durou sete temporadas, entre 2010 e 2017, o novo título surge como um spin-off dessa adaptação dos livros best-seller de Sara Shepard, tornando o melodrama adolescente ainda mais negro. Nesta versão de 10 episódios, criada por Roberto Aguirre-Sacasa, um grupo de raparigas volta a ser perseguido pelo assassino A, uma figura com um plano bíblico traçado (tal como se sugere no subtítulo "Pecado Original"), que implica a punição de cada uma dessas adolescentes pelos pecados das suas mães. Já não estamos em Rosewood, a pequena cidade onde tivera lugar a primeira série, mas o esquema é praticamente o mesmo, apresentando uma nova geração de personagens e passando a ação para Millwood, uma cidade operária que terá testemunhado acontecimentos trágicos duas décadas antes - precisamente a data a que remontam os tais pecados secretos..Pretty Little Liars, a série original, teve outras derivações (Ravenswood, The Perfectionists), mas nenhuma atingiu os níveis de suspense da primeira produção. A proposta que chega no dia 28 à HBO Max é a mais promissora para os fãs que ainda se perguntam "quem é A?"..(Disney+) .Em matéria de super-heróis, neste caso, super-heroína, Ms. Marvel é talvez a mais cultural das séries produzidas por este universo, apresentando Kamala Khan, uma adolescente muçulmana de Jersey City, que descobre superpoderes numa bracelete de um antepassado....O ambiente acolhedor da sua casa, sempre fiel aos costumes paquistaneses da família de imigrantes, é parte do interesse da história, que tanto passa pelo habitual contexto escolar como pela mesquita frequentada pela comunidade que aqui se faz representar. E é por aí, por uma ideia de herança - a certa altura remetendo para o trauma histórico da Partição da Índia britânica -, que a série se revela mais complexa do que dá a entender a sua feição divertida e leve, com todo um dispositivo visual animado. De resto, Iman Vellani, a atriz estreante, é uma protagonista mais do que convincente no seu timing humorístico e expressão de entusiasmo, que torna bastante credível a passagem desta fã de super-heróis a verdadeiro membro do clube que venera. Criada por Bisha K. Ali, Ms. Marvel não inventa uma nova receita de origin stories, mas consegue fazer com que a já conhecida fórmula americana se aventure por outros caminhos culturais. Acima de tudo, este é o retrato das dores rápidas de crescimento de uma adolescente de 16 anos a descobrir que tem o poder de se tornar "visível", quando o seu relatório quotidiano apontava para o contrário..dnot@dn.pt