Sérgio Martins: o animador português que compete com os da Disney e DreamWorks
Neste momento, Sérgio Martins já deve estar em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde no sábado, vestido a rigor e com os nervos em franja, vai estar na plateia da 47.ª cerimónia dos prémios Annie. É que o português está nomeado para os prémios atribuídos anualmente pela Sociedade Internacional de Cinema de Animação pelo seu trabalho em Klaus - um filme de Natal escrito e realizado pelo espanhol Sergio Pablos, que está disponível na Netflix desde novembro do ano passado, e que além das sete nomeações para os Annie, incluindo o de Melhor Filme, conseguiu a proeza de estar também nomeado para os BAFTA e para os Óscares na categoria de Melhor Filme de Animação.
"Se há um ou dois anos, alguém me dissesse que eu ia estar nomeado para Melhor Animador de Personagem ao lado de animadores da Disney e da DreamWorks eu simplesmente não acreditaria e, honestamente, ainda me parece surreal", comenta Sérgio Martins, respondendo por e-mail, entre um avião e outro, às perguntas do DN. "Não tenho expectativas de ganhar, esta foi a minha primeira experiência como supervisor ou animador num filme de longa-metragem, ainda tenho muito que crescer como artista, mas a nomeação em si, e poder estar presente numa cerimónia recheada dos maiores talentos internacionais, é já uma vitória fantástica", confessa.
"Não é de todo uma cerimónia do conhecimento do público geral, mas ser nomeado para os prémios Annie é das maiores, se não a maior honra no mundo da animação internacional", explica o animador português que está nomeado na categoria de Melhor Animação de uma Personagem pelo seu trabalho com a professora Alva do filme Klaus.
Além de Sérgio Martins, há duas curtas-metragens portuguesas nomeadas para os prémios Annie: Tio Tomás, a Contabilidade dos Dias, de Regina Pessoa, e Purpleboy, de Alexandre Siqueira.
Os vencedores serão conhecidos a partir das 19.00 de sábado em Los Angeles, ou seja, já depois das 03.00 da manhã de domingo em Lisboa.
Sérgio Martins tem 34 anos, nasceu em Alcabideche, Cascais, e viveu a maior parte da infância e juventude em Caxias, Oeiras. "Sempre gostei de filmes de animação e tinha muita curiosidade em perceber como eram feitos", conta. "Lembro-me de que todas as crianças na escola primária sonhavam em visitar a Disneyland e eu pensava que bem melhor seria visitar os estúdios onde eles animavam os filmes. Desenhar era sem dúvida dos meus passatempos preferidos, mas a ideia mais específica de ser animador como profissão só começou por volta dos 8 anos, quando houve uma aula em que a professora perguntou aos alunos que profissão gostariam de ter quando crescessem. Um dos colegas mencionou que gostava de ser cartoonista. Assim que ele explicou o que significava fazer banda desenhada ou desenhos animados, fez-se um clique e percebi que, talvez, também eu pudesse vir a ser um animador. Desde então nunca mais mudei de ideias."
Na ETIC, em Lisboa, fez um Curso Tecnológico de Animação, depois, na altura de ir para a universidade, como "não havia em Portugal nenhum curso de Animação que justificasse frequentar, e ir para o estrangeiro era demasiado dispendioso", decidiu começar a trabalhar em animação. Tinha 17 anos.
Desde então, Sérgio Martins já executou várias tarefas - de assistente de animação a desenhador do storyboard ou do layout, argumentista, realizador, montador. No entanto, o que lhe dá mais prazer é mesmo o papel de animador, ou seja: "Dar movimento e vida aos desenhos, especialmente a parte de explorar e criar personalidades únicas e ricas em cada atuação da personagem, que é dos aspetos mais criativos na profissão de animador. Ao fim de uns bons anos como animador, ainda sinto algum fascínio quando vejo um personagem que animei desenho a desenho, ganhar vida quando pressiono play."
"Sempre imaginámos histórias ou personagens quando desenhávamos juntos desde crianças. Fomos juntos para o mesmo Curso Técnico de Animação e começámos a vida profissional nos mesmos estúdios ao mesmo tempo. Desde então, embora trabalhemos em departamentos diferentes, sempre que alguém nos chama para um projeto, vamos sempre os dois", conta Sérgio sobre o seu irmão gémeo, Edgar Martins.
Juntos, os dois irmãos começaram por fazer, ainda na ETIC, a curta-metragem Consumir Antes De (2003), um filme de quatro minutos sobre a pressão da sociedade de consumo.
Em 2014, também fizeram juntos o filme Poet Anderson: The Dream Walker, que foi "provavelmente o mais importante" do percurso profissional de ambos, antes de Klaus. "Na altura estávamos até um pouco desiludidos com os projetos em que trabalhávamos e com a animação em geral. Decidimos, então, tentar trabalhar exclusivamente com pessoas ou projetos que considerássemos interessantes. Como éramos fãs da banda Blink 182, contactámos o vocalista Tom Delonge com um pequeno teste de animação. Por sorte, ele tinha já ideias de fazer uma curta de animação, e como gostou do teste que enviámos, decidiu investir no projeto", recorda.
"Foi um curta-metragem feita por um grupo de amigos apenas, um grupo muito talentoso, mas com condições precárias. Quando a curta foi finalmente partilhada online, tivemos várias propostas para trabalhar no estrangeiro, incluindo a proposta de trabalhar no Klaus", conta Sérgio Martins. E conclui: "É um grande privilégio poder trabalhar com o meu irmão gémeo, entendemo-nos perfeitamente. Acima de tudo, como somos tão próximos, não temos problemas nenhuns em ser frontais e em dar feedbacks extremamente honestos, o que nos ajuda imenso a melhorar como artistas. Certamente não estaria onde estou, profissional e artisticamente, se não fosse o meu irmão gémeo Edgar."
Foi o espanhol Sergio Pablos, animador experiente que trabalhou na Disney em filmes como O Corcunda de Notre Dame (1996), Hércules (1997) e Tarzan (1999), e mais recentemente em Rio (2011) e Smurfs: A Lenda do Cavaleiro sem Cabeça (2013), que, depois de ver Poet Anderson, convidou os irmãos Martins para se juntarem à equipa de Klaus, o seu primeiro filme como realizador principal. "Foi uma surpresa fantástica, visto que sempre fui grande fã do seu trabalho e não esperava que ele pudesse sequer saber da nossa existência", comenta o português.
Klaus conta a história de um jovem carteiro, Jesper, que é enviado pelo pai para uma remota ilha no Ártico para se tornar um bom profissional (e um bom homem também). Só que nessa cidade triste e fria as pessoas passam o tempo todo zangadas e não têm qualquer interesse em escrever cartas. Felizmente, Jesper conhece Klaus, um misterioso carpinteiro que mora sozinho numa casa repleta de brinquedos feitos à mão, e também fica amigo de Alva, a professora da escola primária.
Em Klaus, Edgar foi supervisor da equipa de storyboard (ou seja, a primeira fase de exploração do argumento em desenhos) e Sérgio foi supervisor de animação, responsável pela personagem da professora Alva. "Para além de assegurar que as personagens estão bem desenhadas e consistentes do ponto de vista técnico, o papel da Supervisão de Animação é definir as personagens e as suas personalidades de uma forma mais específica, muito próximo do que faz um ator em imagem real", explica. "É uma fase da produção onde respondemos a questões como, que maneirismos fazem desta personagem uma personalidade única? O que a torna interessante? Quem era esta personagem antes de ela aparecer no ecrã? E outras perguntas com o objetivo de criar personagens com várias camadas de profundidade, para que a audiência as tome como credíveis ao ponto de rirem e chorarem com elas, como se houvesse uma personalidade verdadeira por detrás dos desenhos."
Uma das características diferenciadoras deste filme é que é feito em 2D, que é um estilo de animação clássico, mas juntando-lhe um toque inovador, como explica Sérgio Martins: "A ideia do Sérgio Pablos era de trazer um elemento refrescante ao 2D de filmes comerciais, algo que fosse buscar ao 2D que era feito na Disney nos anos 90 e o transpusesse para o futuro. E Klaus, sendo um filme de Natal, encaixava precisamente num estilo de animação em que cada frame tinha o potencial de ser uma ilustração de um livro ou postal natalício. Para se atingir esse resultado desenvolveu-se nos estúdios SPA uma tecnologia e metodologia, que tornou possível pela primeira vez em longa-metragem, iluminar os desenhos bidimensionais com luz e sombra como se estes tivessem volume. Criando assim o desejado efeito de ilustração em movimento."
Há um vídeo a circular nas redes sociais que mostra a equipa do filme Klaus a assistir ao anúncio dos nomeados para o Óscar de Melhor Filme de Animação. Estão todos sentados, a fazer figas, os nervos à flor da pele e, de repente, levantam-se num salto de alegria tão espontânea que é impossível ficarmos indiferentes.
Klaus vai competir com gigantes como Como Treinares o Teu Dragão: O Mundo Secreto, Toy Story 4, Mr. Link e I Lost My Body.
Os vencedores serão conhecidos a 9 de fevereiro. Sérgio Martins não irá novamente a Los Angeles, apenas o realizador e os dois produtores são convidados para a cerimónia dos Óscares visto que a nomeação é para a categoria de Melhor Filme de Animação, e não uma categoria mais específica.
Ganhar seria bom, os prémios são importantes mas o que, ao fim de tantos anos de trabalho, continua a ser fascinante, diz, é o facto de "cada novo projeto ser uma tela em branco, com literalmente infinitas possibilidades, onde todos os aspetos, desde gigantes a formigas, são criados do zero". E, depois, claro, "há uma grande recompensa em ver o público reagir emocionalmente a personagens fictícias criadas por nós, personagens que muitas vezes se tornam intemporais e ganham vida própria para além dos artistas que as criaram".
Por gostar tanto do que faz, Sérgio não se surpreende por os filmes de animação serem, ano após ano, dos mais vistos em todo o mundo. "Um elemento fundamental dos filmes de animação mais vistos é a sua universalidade. Qualquer pessoa de qualquer idade ou nação pode assistir e tirar prazer de um filme de animação", explica. "Outro aspecto é caricatura, em que se disseca e exagera o mais interessante, cómico, emocional, etc. da vida real sem barreiras algumas. E por fim o elemento de truque, de magia, onde no fundo estamos apenas a assistir a desenhos que por momentos parecem pensar e ter emoções reais. Deixamo-nos levar pela ilusão."
Para já, Sérgio Martins vai continuar pelos estúdios SPA (Sergio Pablo Animation Studios), em Madrid, onde já se estão a desenvolver novos projetos: "Não posso falar mais especificamente por agora, mas posso dizer que estamos mais motivados do que nunca."