Sérgio Marques? "Todos nós, na nossa vida, temos uma hora de burro e estava na hora dele"
Obras inventadas? "Sim", disse Miguel Sousa que teve a coordenação económica do governo de 1988 a 1992. "A partir de 2000 foi assim (...) [os do governo de Jardim] fizeram tudo o que era pensável e impensável, o necessário e o desnecessário, o que nunca vai ser preciso, o que nunca ficou pronto nem vai ficar pronto, foi um esbanjar de recursos financeiros que não tínhamos (...) eles pegam em 15 mil milhões de euros - 15 mil milhões de euros! -, e quase metade foi dívida, e gastam-no em 10 anos! Ninguém fazia contas, toda a gente autorizava tudo, ninguém se opunha a isso (...) E pronto, a Madeira foi à bancarrota. E ainda hoje temos essa dívida".
Sérgio Marques, ex-deputado, secretário regional, entre 2015 e 2017, no primeiro governo de Miguel Albuquerque diz que depois de 2000 "começaram a inventar-se obras (...) Obras sem necessidade, aquela lógica das sociedades de desenvolvimento, todo aquele investimento louco que foi feito pelas sociedades de desenvolvimento (...) o problema é que esta governação social-democrata acabou por levar a que se afirmassem quatro ou cinco grupos económicos, que acabaram por acumular muito poder: Sousa, Avelino, Pestana, Trindade e Trindade/Blandy. E principalmente dois grupos [...], o Luís Miguel [Sousa], com quem eu trabalhei oito anos, e o Avelino [Farinha] acho que foram os mais beneficiados da governação regional".
Mais ainda: "Quando houve a remodelação do governo, quando eu deixo o governo, houve ali muito dedo do Jardim. O Jardim jogou as suas peças e pôs o Avelino [grupo AFA] e o Sousa [grupo Sousa] em campo. O [Luís Miguel] Sousa consegue afastar o Eduardo Jesus porque o Eduardo Jesus [secretário regional] tinha uma agenda para reformular o porto. O Avelino [Farinha] não estava satisfeito com o meu desempenho nas obras públicas, porque eu é que era o secretário das Obras Públicas, e ele sempre se habituou a ter um secretário que o servisse. Comigo isso não acontecia [...], o Avelino depois consegue afastar-me das obras públicas. Ele não queria que eu saísse do governo, ele queria era só afastar-me das obras públicas".
Estas declarações, em particular as de Sérgio Marques, motivaram uma comissão de inquérito na Assembleia Legislativa da Madeira, constituída a pedido do PS e que teve inicio na terça-feira, para investigar o "favorecimento dos grupos económicos pelo Governo Regional, pelo presidente do Governo Regional e secretários regionais e obras inventadas, em face da confissão do ex-secretário regional Sérgio Marques, em declarações ao Diário de Notícias, suscetível de configurar a prática de diversos crimes".
Luís Miguel Sousa, presidente do conselho de administração do Grupo Sousa, assegura que nunca exerceu "pressões sobre seja quem for no exercício das suas funções [...] mas, neste caso, não se ache que as declarações que o ex-deputado Sérgio Marques fez são declarações insuspeitas".
"O papel de vítima é um papel muito fácil" sublinha o empresário que recorda que Sérgio Marques "teve problemas no Parlamento Europeu porque pediu reembolsos de passagem [de viagens] que não tinha feito (...) E agora, de repente, é a pessoa mais impoluta, é a pessoa que diz que saiu [do Governo Regional] empurrado por um empresário (...) nunca se lhe perguntou se ele saiu porque não trabalhava, porque não aparecia?"
Luís Miguel Sousa, questionado pelos deputados do PS e PCP, e que admitiu ter sido membro da Flama, organização independentista madeirense já extinta, e da JSD, recusou qualquer responsabilidade no afastamento do secretário da Economia Eduardo Jesus, em 2017, quando este avançou com uma resolução para retirar a licença ao Grupo Sousa ao nível da operação portuária e promover uma solução de concessão.
"O doutor Eduardo Jesus tomou uma decisão em relação à operação portuária, o Grupo reagiu como se reage num Estado de direito: metemos uma ação em tribunal para anular aquela decisão", explicou.
Explicando aos deputados como "funciona o mercado", o empresário deixou um desafio: "Onde e quando é que fui favorecido? Desafio quem quer que seja (...) nunca comprei nem vendi nada ao governo, mas de suspeição em suspeição vão criando 'verdades'".
Avelino Farinha, líder do Grupo AFA, afirma que Sérgio Marques "tem que justificar o que disse" destacando a ideia negativa de que "aqui na Madeira, um madeirense com sucesso é um ladrão".
"Todos nós, na nossa vida, temos uma hora de burro e nessa entrevista estava na hora dele [de Sérgio Marques]", afirmou.
O empresário considera que as afirmações do antigo governante "revelam muito da [sua] personalidade" até porque, acentua, "espanta-me que com a amizade que tínhamos... nunca me foi posto esse assunto que tanto o incomodava".
Avelino Farinha que também recusou quaisquer tipos de pressões sobre o governo regional, e que lembra que Sérgio Marques "não percebia nada de obras", explicou o critério que existiu "desde sempre" para as obras.
"Na realidade, sempre foi assim, desde todos os mandatos do Alberto João Jardim: o primeiro ano a seguir às eleições era para acabar as obras que tinham ficado por fazer, o segundo ano era para fazer projetos, o terceiro ano era para arrancar as obras e o quarto ano era para meter gás e inaugurar. Sempre foi assim", explicou.
Porque mudou o o governo de Albuquerque de estratégia e "voltou às obras"?
O empresário entende que "se calhar, [o governo] percebeu o desastre eleitoral" causado pelo "parar das obras".
E até explicou, dando o exemplo do seu grupo, que "quando se mexe (...) está-se a mexer com três mil e tal pessoas mais as respetivas famílias. É lógico que o governo perceba este tipo de coisas".