A 27 de julho de 1953, o DN escrevia em manchete: "Acabou a guerra na Coreia." Mas apesar de ter sido assinado um acordo de armistício, que previa o fim dos combates e a criação de uma zona desmilitarizada entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, a verdade é que a guerra ainda continua oficialmente aos dias de hoje. A poucos meses das eleições presidenciais abaixo do Paralelo 38, o governo sul-coreano anunciou esta semana que já concluiu junto com Washington um esboço de declaração para pôr fim à Guerra da Coreia e trazer Pyongyang de volta às negociações. O objetivo é um acordo de paz. A bola está do lado do líder norte-coreano, Kim Jong-un, que acaba de festejar 10 no poder..O anúncio de um acordo entre Seul e a aliada Washington foi feito pelo chefe da diplomacia sul-coreano, Chung Eui-yong. "Em relação a uma declaração do fim da guerra, a Coreia do Sul e os EUA já partilharam o seu entendimento sobre a sua importância e os dois lados praticamente chegaram a acordo sobre um esboço do texto", disse numa conferência de imprensa. A expectativa de declarar o fim do conflito foi levantada pelo presidente sul-coreano, Moon Jae-in, em setembro, tendo na altura a irmã do líder norte-coreano, Kim Yo-jong, considerado a "ideia admirável". Seul quer uma reação mais concreta do Norte..Contudo, as expectativas de poder aproveitar os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, em fevereiro, para uma nova aproximação entre as duas Coreias parecem ter caído por terra. "Apesar de o governo sul-coreano ter esperança de aproveitar os Jogos de Pequim para ganhar ímpeto na normalização dos frágeis laços inter-coreanos, a realidade está a ir contra as expectativas", disse o ministro numa conferência de imprensa..Em 2018, os Jogos Olímpicos de Inverno em PyeongChang, na Coreia do Sul, abriram a porta à melhoria das relações de Pyongyang com Seul (ambos os países prometeram acabar com a guerra) e Washington. O então presidente norte-americano, Donald Trump, acabaria por ter duas cimeiras com Kim Jong-un, além de um encontro na fronteira entre as Coreias..O diálogo acabou contudo por esfriar, com os sul-coreanos a querer aproveitar o facto de os próximos Jogos se realizarem na China - o principal parceiro económico e apoiante diplomático da Coreia do Norte - para relançar as relações. Mas a pandemia de covid-19 poderá afastar os responsáveis norte-coreanos do evento e os próprios sul-coreanos estão a ser pressionados por Washington para aderirem ao boicote já declarado por vários países ocidentais, devido às violações dos direitos humanos na China..A 25 de junho de 1950, um ataque surpresa da Coreia do Norte comunista ao sul capitalista desencadeou a guerra pelo controlo da península que tinha sido dividida após o fim da ocupação japonesa na II Guerra Mundial. União Soviética e China combateram do lado de Pyongyang - os primeiros com treino e pilotos, os segundos com mais de três milhões de tropas do terreno. Já Seul contava com o apoio do Comando das Nações Unidas, que era liderado pelos EUA e incluía tropas de 22 países. Os combates, que causaram a morte a milhões de pessoas de ambos os lados, terminaram em 1953..As negociações para acabar com o conflito já tinham começado em 1951, culminando na assinatura do armistício entre as partes - a Coreia do Sul não assinou - tendo ficado claro que não era um acordo de paz. Este devia ser negociado depois, mas só em 1971 voltou a haver contactos oficiais entre Seul e Pyongyang. Vinte anos depois, ambos assinaram um acordo em que dizem que a reunificação é o objetivo final, mas a situação não melhorou com o programa nuclear norte-coreano ou a morte do líder Kim Il-sung em 1994. A primeira cimeira entre os dois países só ocorreu no ano 2000 e os avanços feitos pelos presidentes Roh Moo-hyun e Kim Jong-il em 2007 foram por água abaixo com a eleição do conservador Lee Myung-bak para chefe de Estado sul-coreano. A aproximação só voltou a ocorrer em 2018, já com Kim Jong-un no poder..Na Coreia do Sul, o mandato do "negociador" Moon Jae-in - que se ofereceu para servir de ponte entre Pyongyang e Washington - está a chegar ao fim, sem que a sua estratégia tenha dado frutos. O relançar do diálogo poderia ser um trunfo antes das eleições de 9 de março para o candidato do Partido Democrático (no poder), Lee Jae-myung, que está numa corrida renhida com o conservador Yoon Suk-yeol. Em relação à Coreia do Norte, Lee apoia a política do presidente norte-americano, Joe Biden, de dar prioridade às reuniões de trabalho e podem trazer resultados a curto prazo realísticas dentro de um plano de longo prazo..Acima do Paralelo 38, está a decorrer esta semana a quarta reunião plenária do Comité Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia, numa altura em que Kim Jong-un assinala dez anos à frente dos destinos do país. O cenário não é contudo de festa, com a crise económica agravada pelo fecho das fronteiras por causa da covid-19 e pelos desastres naturais e as sanções internacionais por causa do programa nuclear. O Ano Novo costuma ser uma ocasião para o líder norte-coreano fazer grandes anúncios políticos, com Seul a esperar que desta vez passe por dar um passo concreto para o acordo de paz..susana.f.salvador@dn.pt