Foi em março do ano passado, quando o país começou a fechar, devido à pandemia, fazendo já adivinhar um cenário pós-apocalíptico de clubes e salas de espetáculos encerradas, que este original projeto surgiu. O desafio foi apresentado pela editora portuense Lovers & Lollypops e o clube lisboeta Musicbox, que convidaram sete músicos de alguns dos mais originais projetos da música portuguesa dita mais alternativa, para se reunirem numa espécie de superbanda do underground nacional. O objetivo era que, à distância e apenas recorrendo à internet, registassem este momento único, no qual, no meio do caos, emergiram novas formas de contacto e de criação, concebendo um disco colaborativo de raiz, para depois o apresentarem ao vivo - quando a realidade assim o permitir, claro está. O Septeto Interregional, como foi batizado, por integrar artistas de diferentes localizações geográficas mas igualmente de diversos universos musicais, é assim composto Ariana Casellas (Sereias), Bruno Monteiro AKA Mr. Gallini (Stone Dead), Rafael Ferreira (Glockenwise), Rodrigo Carvalho (Solar Corona), Violeta Azevedo (Savage Ohms) e Zézé Cordeiro (Equations), músicos que nalguns casos, nem sequer se conheciam.."Era talvez o único que conhecia toda a gente pessoalmente, mas nunca tínhamos feito nada em conjunto. A curadoria foi da Lovers & Lollypops, a escolha dos músicos foi deles", afirma ao DN Rafael Ferreira, guitarrista dos Glockenwise. Tudo começou com um e-mail conjunto para cada um deles, a desafiar um conjunto de artistas, em que "uns nem se conheciam e outros só de vista", como sublinha Bruno Monteiro, baterista dos Stone Dead, para fazerem um álbum à distância. "Era um desafio enorme e fomos com algum receio, do género deixa lá ver se conseguimos fazer uma única música", recorda o músico. Impossibilitados de tocarem juntos, transformaram o Google Drive numa sala de ensaios virtual, "onde cada um ia deixando as suas ideias e os outros iam acrescentando camadas por cima", explica Rafael, reconhecendo que "foi uma metodologia um pouco confusa, mas acabou por funcionar"..Uma das primeiras decisões foi realizarem uma jam session online, na plataforma Ninjam, que acabaria por resultar num dos temas do disco, com o mesmo título. "Fomos buscar algumas demos à gaveta, daquelas que não cabem nas nossas bandas e começámos a trabalhar a partir daí", conta Bruno, cujo maior receio era "o risco de tornar isto numa mera compilação com temas de cada um de nós". Mas tal não aconteceu, como também esclarece Rafael: "Nas nossas bandas há sempre ideias mais concretas, a partir das quais se trabalham. Aqui, a ideia era todos participaram no processo de criação, sem estarmos a impor nada a ninguém e isso sente-se no álbum, que vai um bocadinho a todo o lado. Aliás, a dada altura, a nossa preocupação foi mesmo a de tentar fazer algo que não fosse só um somatório de coisas aleatórias e isso foi uma boa oportunidade para sairmos da nossa zona de conforto"..YouTubeyoutubeQKEEgbjy7vM.E de facto, apesar de todas as eventuais contrariedades, fossem elas estéticas, pessoais ou meramente logísticas, a verdade é que o Septeto Regional acabou por conseguir criar uma identidade própria, como se percebe ao ouvir as sete faixas de um álbum surpreendentemente pop, cantado em inglês, português e espanhol. Como adianta Bruno "a combinação de todos resultou nesta espécie de identidade", para qual, acrescenta Rafael, "a voz da Arianna muito contribui". Para a vocalista luso-venezuelana, também colaboradora dos Sereias, todo o processo de criação do álbum "foi divertido e não muito bizarro, porque estava cada um no seu espaço seguro"..Logo, "mais que um problema, foi um desafio, sempre com muita ajuda de parte a parte ao longo do processo, porque apesar de termos todos estéticas diferentes, somos abertos a essa diferença e ninguém fechou portas. Ao mesmo tempo que criávamos, também estávamos a escutar e a descobrir", defende Arianna Casellas, para quem o maior desafio, curiosamente, até nem foi o trabalhar à distância. "O momento mais bizarro foi quando finalmente nos conhecemos pessoalmente. O confinamento abalou-me muito a nível emocional e esse encontro foi importante para me levar a sair do conforto da casa. Mesmo de uma forma simples, criámos um certo à-vontade entre nós e até já conseguimos mandar vir uns com os outros, o que nos transforma numa espécie de amigos. Foi um momento muito bonito", recorda. O encontro aconteceu à boleia de uma sessão de fotos para promoção do álbum, logo aproveitada para tocarem um bocadinho, juntos. "Foi aí que percebemos que realmente funcionamos muito bem como banda", garante Bruno..Além da criação à distância, o desafio proposto implicava também uma apresentação ao vivo, inicialmente prevista para o palco do Musicbox, mas que entretanto pode até vir a ser multiplicada noutros locais. "Queremos muito tocar, mas também nos apetece estar mais vezes juntos, porque acima de tudo ficámos amigos", admitem..dnot@dn.pt