Senadores brasileiros aprovam relatório e pedem punição de Bolsonaro
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigou no Senado brasileiro a gestão da covid-19, aprovou na terça-feira o relatório final e pediu 80 indiciamentos por crimes durante a pandemia, entre eles do Presidente, Jair Bolsonaro.
Por sete votos contra quatro, o relatório final elaborado pelo relator Renan Calheiros foi aprovado, concluindo assim os trabalhos da CPI, que ao longo de seis meses ouviu dezenas de pessoas e investigou indícios de inúmeras irregularidades, que vão desde a defesa de fármacos ineficazes contra a doença por parte do Governo, até possíveis casos de corrupção na negociação de vacinas.
A versão final do relatório, com 1279 páginas, recomenda o indiciamento de Jair Bolsonaro pela prática de nove crimes.
Ao chefe de Estado foram atribuídos os crimes de prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
De acordo com o relatório final, Bolsonaro "incentivou de forma reiterada a população a violar o distanciamento social, opôs-se ao uso de máscaras, promoveu aglomerações e tentou desqualificar as vacinas".
No documento foi ainda incluído um pedido para que o Bolsonaro seja "suspenso" indefinidamente nas redes sociais, uma das principais ferramentas de comunicação do mandatário e que tem utilizado para divulgar desinformação sobre a pandemia, como uma relação falsa entre as vacinas contra a covid-19 e o desenvolvimento de SIDA.
Entre as figuras políticas que não foram poupadas pelo relator da CPI estão três filhos do Presidente - o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro -, que foram acusados da prática de incitação ao crime.
Entre os 80 indiciamentos pedidos, dois foram contra empresas que firmaram contratos com o Ministério da Saúde (a Precisa Medicamentos e a VTCLog) e 78 foram contra pessoas, entre o próprio chefe de Estado, ministros e ex-ministros do atual Governo, deputados, empresários, médicos, funcionários públicos, um governador -- o do Amazonas, Wilson Lima - entre outros.
O parecer da CPI será agora encaminhado a diferentes órgãos públicos, como Câmara dos Deputados, Polícia Federal, Superior Tribunal de Justiça (STJ), Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Contas da União (TCU), a Ministérios Públicos estaduais, à Procuradoria-Geral da República (PGR), à Defensoria Pública da União (DPU) e ao Tribunal Penal Internacional (TPI), neste último caso devido aos alegados crimes contra a humanidade.
"A CPI, depois de seis meses de trabalho, encerra os seus trabalhos com o relatório aprovado pelo colegiado e agora é uma nova etapa, é a gente encaminhar para os órgãos competentes para que a possamos fazer justiça ao povo brasileiro", despediu-se o senador Omar Aziz, presidente da CPI.
Aziz apontou ainda que a CPI da Pandemia conseguiu contrapor-se ao negacionismo do Governo e trazer o debate político aos brasileiros.
O senador argumentou também que a CPI descobriu que Jair Bolsonaro nunca teve a intenção de vacinar a população brasileira e disse que "não houve uma única palavra de acalento e solidariedade pelo chefe maior da nação" face às mais 600 mil mortes causadas pela covid-19.
Já os senadores aliados do Presidente refutaram a tese de que Bolsonaro foi responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil e apresentaram votos em separado nos quais pediram a investigação sobre a atuação de governadores e prefeitos.
Após proclamar o resultado da votação do relatório, Omar Aziz atendeu a um pedido da senadora Eliziane Gama e pediu um minuto de silêncio pelas vítimas da pandemia.
A oposição ao Governo brasileiro celebrou a aprovação do relatório final da CPI e pediu a destituição do Presidente.
"Urgente! O relatório da CPI acaba de ser aprovado. 'Impeachment' e cadeia para Bolsonaro! É obrigação dos deputados darem continuidade ao corajoso trabalho dos senadores e colocarem toda a pressão para votar o 'impeachment' de Bolsonaro. Os crimes de responsabilidade do Presidente mataram centenas de milhares de brasileiros e a Câmara não pode seguir omissa", defendeu na rede social Twitter o parlamentar Marcelo Freixo (Partido Socialista Brasileiro).
Também Ciro Gomes, que disputou a eleição presidencial de 2018 contra Jair Bolsonaro e que deverá concorrer novamente em 2022, pediu a destituição imediata do atual mandatário.
Já o Partido dos Trabalhadores (PT), formação política do ex-presidente Lula da Silva, que é apontado pelas sondagens como vencedor das próximas presidenciais (2022) contra Bolsonaro, considerou "histórica" a sessão que resultou na aprovação do relatório da CPI e exigiu que o chefe de Estado "responda" pelos crimes de que é acusado.
A líder da bancada do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) na Câmara dos Deputados, Talíria Petrone, também se manifestou sobre o parecer da comissão: "Que todos os culpados sejam responsabilizados".
Já o deputado federal Ivan Valente (PSOL) pediu que o PGR "não prevarique" e aceite os pedidos de indiciamento feito pelos senadores.
"Relatório aprovado! 80 indiciados, inclusive Bolsonaro e três filhos, ministros e ex-ministros, parlamentares 'governistas', médicos do gabinete paralelo, 'bloggers' e empresários que espalharam 'fake news'. A PGR não pode ignorar as graves denúncias", apelou Valente no Twitter.
"Não foi a omissão que nos levou a 605 884 mortos. Foi a ação dolosa de quem dirigia o Brasil nesse período que levou a essa marca terrível, que fica marcada, que fica registada na história como um dos momentos mais macabros da vida deste jovem país chamado Brasil", defendeu, por sua vez, o senador Rogério Carvalho (PT).
Com mais de 606 246 mortes e 21,7 milhões de infetados pelo covid-19, o Brasil é, em números absolutos, um dos três países mais afetados pela pandemia no mundo, juntamente com os Estados Unidos e com a Índia.
A covid-19 provocou pelo menos 4 952 390 mortes em todo o mundo, entre mais de 243,97 milhões infeções pelo novo coronavírus registadas desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência AFP.