Seis obras a ler do escritor que encolheu os ombros à hostilidade
O escritor norte-americano Philip Roth morreu esta terça-feira, aos 85 anos, em Nova Iorque. Eterno favorito ao Prémio Nobel da Literatura, não ganhou porque, na opinião do crítico literário Pedro Mexia, nunca se enquadrou "naquela ideia de um espírito humanista". Aliás, Roth fez exatamente o contrário, "nunca desviou a cara ao lado mais pulsional e sórdido". Sem ânsias de ser amado, fez um retrato da América e um autorretrato muito perto da sombra. Mexia escolheu as seis obras incontornáveis do autor.
1. O Complexo de Portnoy (1969)
"É um livro inevitável, não é o meu livro favorito", diz Pedro Mexia ao DN. "É um daqueles livros muito epocais, tem a ver com o escândalo que provocou na altura, com a franqueza cómica com que fala de temas sexuais", explica, acrescentando que "hoje em dia talvez não seja o livro mais interessante para um leitor atual, mas é uma obra absolutamente marcante".
2. Zuckerman Bound - A Trilogy and Epilogue (1979-1985)
The Ghost Writer - O Escritor Fantasma (1979)
Zuckerman Unbound (1981)
The Anatomy Lesson - A Lição de Anatomia (1983)
The Prague Orgy (1985)
"Há vários livros em que o autor cria um alter ego: o Nathan Zuckerman que começa em 1979 com o Ghost Writer e acaba no Exit Ghost em 2007". Para Pedro Mexia, a personagem é uma das grandes invenções de Philip Roth. Foi a forma do escritor ser "violentamente autobiográfico criando ali uma ficção". "É ele e não é ele, é ele no fundamental, mas Roth joga muito ao longo desses romances com a própria ideia da ficcionalidade das personagens, do jogo da autobiografia, são romances muito importantes".
3. O Teatro de Sabbath (1995)
Na obra de Roth é o livro favorito de Pedro Mexia, "pela violência". "Philip Roth não ganhou o Nobel por várias razões, uma da quais foi certamente a de que ele dificilmente, pelo menos em alguns dos romances, se enquadra naquela ideia de um espírito humanista, antes pelo contrário, ele não desvia a cara ao lado mais pulsional e sórdido". "É um livro por um lado obsceno e por outro lado absolutamente virtuoso sobre dois dos temas de Roth desde sempre: o sexo e a morte".
Mexia explica porquê. "Está a descrever uma cena ou uma situação e nós pensamos, 'não, ele não vai escrever isto. E ele escreve mesmo'". Para o crítico, é a partir deste ponto de vista que a obra " é um dos romances mais corajosos de Roth, porque é muito fácil não gostar da pessoa que o escritor é através dos seus personagens - não sabemos, porque não o conhecemos -, mas ele não vira a cara a essa hostilidade".
Dos romances mais recentes, Pedro Mexia escolhe três:
4. A Pastoral Americana (1997)
"Foi um romance muito marcante e premiado e que liga de uma forma particularmente interessante a História Americana e o radicalismo político dos anos 60 às suas memórias pessoais", numa ligação que Pedro Mexia considera "muito bem feita".
5. A Mancha Humana
"Neste livro abordou um assunto que na América já estava na ordem do dia e que é um certo clima de caça às bruxas", começa por dizer o crítico. A história é a de um professor universitário que é acusado de racismo por causa de uma palavra que diz e que é ambígua: "ao falar de um aluno que falta [às aulas] usa o termo spook - que pode significar fantasma mas também pode ser uma palavra com um cunho racista -, e as pessoas acham que é a segunda. O professor é perseguido por causa disto", descreve Pedro Mexia. "Há um clima sobre o qual Roth escreveu e que hoje vivemos: sobre o pretexto de não ofender as pessoas começa-se a vigiar a linguagem a um ponto maníaco e inventam-se ofensas onde elas não existem".
6. A Conspiração contra a América (2004)
Pedro Mexia considera este romance "um livro um pouco diferente dos outros", na medida em que é uma história alternativa. "Seria a eleição de Charles Lindbergh como Presidente dos EUA. O Lindbergh era simpatizante do nazismo - ou pelo menos de Hitler -, era um herói na Alemanha e de certa forma este é um livro sobre os demónios da América que estão sempre ali à espera de aparecer".
O crítico recorda que a obra surge muito antes da era de Donald Trump, mas avança que "não seria impensável que Lindbergh tivesse sido Presidente, uma vez que era uma figura muito popular. O que o Roth faz é especulativo, mas é essa a ideia, a de que alguém que foi heroico na sua atividade como aviador pode ter ali um lado sombrio, um lado que na América parece estar sempre pronto a manifestar-se e que na imaginação de Roth se teria mesmo manifestado nos anos 40, o que felizmente não aconteceu".