Seguros comprados com equipamentos e bilhetes revelam-se pouco úteis
Muitos consumidores compram equipamentos eletrónicos ou bilhetes e acabam por sair da loja também com um seguro, são os chamados "seguros vendidos acessoriamente". O comprador não entrou para subscrever um seguro e, provavelmente, nunca tinha pensado nisso, mas o vendedor dá-lhe a possibilidade de ser compensado se tiver algum problema, sofrer danos acidentalmente ou um roubo.
No caso dos bilhetes para espetáculos, o seguro é de 1,50 euros e são poucas as reclamações, já no caso de telemóveis, computadores, tablets ou outras máquinas o valor do seguro é considerável. São muitas as queixas na Deco. E no Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros (CIMPAS) surgiram neste ano os primeiros casos, uma vez que as seguradoras passaram a ser obrigadas a comparecer em conflitos que envolvem menos de cinco mil euros (lei n.º 63/2019, de 16 de agosto).
"O problema comum é o incumprimento dos especiais deveres de comunicação e informação a que o vendedor está sujeito quando vende um seguro. Acabam por vender uma cobertura que na realidade não existe. Uma pessoa compra um telemóvel de elevado valor, dizem-lhe que faça um seguro para o caso de o deixar cair ou o partir ter direito a um equipamento novo e, depois, escudam-se nas cláusulas das seguradoras. Por exemplo, em caso de roubo, o telemóvel tem de estar num compartimento com fechadura e haver evidência do uso da força para a pessoa receber outro equipamento. Quem é que tem um telemóvel num compartimento fechado?" Pergunta Margarida Moura, jurista da Deco.
Uma das muitas queixas que a associação recebeu diz respeito à compra de um iPhone por 854 euros, a que juntou mais um seguro no valor de 109 euros. A consumidora justifica a compra do seguro por lhe terem dito que "cobria qualquer acidente que tivesse durante o primeiro ano, fazendo a substituição do equipamento, ou devolvendo praticamente o valor da compra". Sublinha: "Até nem estava para fazer, mas perante o cenário e o custo do telemóvel, poderia arrepender-me se algo acontecesse nesse primeiro ano."
Aconteceu. Tinha o telemóvel no bolso do casaco e bateu num poste, rachando o ecrã. Deslocou-se à MediaMarkt, onde o tinha comprado. "Informaram-me que não era nada com eles e que teria de contactar a Domestic & General", uma seguradora que está localizada em Espanha.
Acionou o seguro, mas não lhe deram um equipamento novo. Substituíram o ecrã numa loja não autorizada pela Apple e por um acessório não original, o que inviabilizou qualquer reparação na marca quando, passados uns meses, o ecrã começou a ficar com folgas. Voltou a contactar a seguradora, que não admitiu erro no arranjo e acabou por encerrar o processo por ter passado um ano do seguro.
Foi esta a resposta: "Permita-nos apresentar as nossas desculpas se a informação disponibilizada no ato de subscrição da apólice a induziu em erro, não obstante não temos a possibilidade de confirmar essa situação e temos de considerar os termos e condições disponibilizados no certificado de apólice, os quais não indicam que a reparação do equipamento segurado tenha de ser efetuada no contexto que V/Exa. nos indica (...) Face ao exposto e analisada toda a documentação da qual dispomos, lamentamos informar que a Domestic & General mantém a decisão anterior, uma vez que a vigência da apólice em apreço terminou, não sendo aplicável a cobertura por dano acidental."
"As apólices não são claras e o vendedor não dá as informações que devia. Dizem: "Tem crianças, olhe que é melhor fazer um seguro para o caso de o computador cair no chão", ilustra Rute Santos, diretora-geral do CIMPAS.
A lei que obriga as seguradoras a comparecerem nos centros de arbitragem em conflitos de consumo de valor reduzido funciona desde setembro de 2019 e, neste ano, é atípico em termos de circulação das pessoas e de transações comerciais. Ainda assim, registam duas dezenas de reclamações envolvendo os seguros adquiridos na compra de equipamentos eletrónicos, maioritariamente telemóveis e computadores.
"São equipamentos com valores entre os 800 e os mil euros", diz Rute Santos, especificando: "Normalmente, é o ecrã do telemóvel ou do computador que se parte, as pessoas estão convencidas de que está seguro mas não está. Há uma série de exclusões, desde negligência, descuido e maus-tratos do equipamento. É muito difícil ao reclamante provar em que circunstância se deu o dano e receber um equipamento novo, como dizem quando venderam o seguro."
No Portal da Queixa, uma consumidora diz ter comprado um smartphone na Worten, acabando por gastar 520 euros pelo equipamento e um seguro por dois anos. Um tipo de seguro que costuma subscrever, mas que teve de acionar pela primeira vez e, só então, reparou nas exceções. Havia uma franquia de 10% sobre o valor do telemóvel, ou seja, a seguradora só paga os danos no valor superior a 10% do seu custo. Descobriu, ainda, que, se o artigo for trocado em vez de reparado, o seguro é automaticamente cancelado porque o equipamento passa a ser outro. Além de que lhe podem dar um artigo usado em caso de substituição.
Margarida Moura adverte: "Os valores desses seguros são elevados e, muitas vezes, a situação em concreto poderá já estar coberta pela garantia, que tem uma duração de dois anos. O consumidor deverá procurar quais são as cláusulas do seguro antes de o adquirir. No caso dos bilhetes, 1,50 euros por bilhete não é muito dinheiro e a pessoa até poderia estar disposta a pagar mais se a cobertura fosse maior." O valor não é muito para um consumidor, mas é boa receita se multiplicado pelos milhares de bilhetes vendidos.
Duas consumidoras compraram bilhetes para um festival no Porto, no verão do ano passado, com o seguro da Fnac. Uma delas ficou impedida de ir por motivos profissionais, o que teve de ser provado documentalmente. Reembolsaram o seu bilhete mas não o da amiga, dado que o motivo para não comparecer "não é extensível ao acompanhante".
Outra cliente comprou dois bilhetes para um musical infantil no final de 2016, com os respetivos seguros. O filho da amiga adoeceu e não puderam ir, o que ficou comprovado por um atestado médico, que deveria servir para a creche e para o reembolso dos bilhetes.
Encaminhada a documentação para a seguradora, pediram-lhe que enviasse o atestado médico da criança assinado e com o selo médico. Reenviou a cópia do atestado no mesmo dia. Um mês depois, ainda não tinha recebido a resposta e pediu explicações. Ao que lhe responderam: "Aguardamos o envio do atestado assinado com a vinheta médica, caso contrário teremos de proceder ao encerramento do processo sem direito a reembolso."
A consumidora questionou a Deco para saber da validade do argumento, tendo em conta que em nenhum lado referem as "condições" para aceitar um atestado médico.
Também não têm por hábito dizer que o reembolso tem um valor limite de 120 euros. E que situações como o impedimento profissional devem ser comunicadas até 72 horas antes do espetáculo. Está escrito nas apólices do seguro que juntam ao bilhete segurado, mas não informam o cliente antes de comprar o seguro.
Há cinco anos, a Deco emitiu um comunicado sobre estes seguros e, segundo Margarida Moura, a situação não melhorou.