Deco

Dos pés descalços, aos pés preciosos "O mágico" saiu de São Bernardo do Campo aos 15 anos Manteve o carácter de humildade e simplicidade mesmo frente aos preconceitos contra a sua estatura O sucesso no FC Porto e no Barcelona e a chegada à selecção portuguesa<br />
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No Brasil, desconfiaram da sua pequena estatura, primeiro, e da sua real habilidade, depois. Em Portugal arrumou esses argumentos numa gaveta, provavelmente no armário onde guarda os vários troféus que coleccionou anos mais tarde. O Benfica menosprezou o seu valor e viu-o, pouco depois, dar mais brilho aos sucessos do rival FC Porto. O escrete "pagou" a factura depois de ter assumido que " Deco há às dezenas no Brasil", como disse um dia Mario Zagallo, reserva moral e técnica da selecção canarinha. A 29 de Março de 2003, o médio estreava-se pela selecção portuguesa e marcava um dos golos (2-1) do triunfo português. A vida do Deco futebolista fez-se a pulso, dos pequenos clubes brasileiros até aos modestos emblemas portugueses, mas teve uma consolidação dourada. No FC Porto ganhou campeonatos, Taça UEFA, Liga dos Campeões, taças de Portugal; no Barcelona, desde 2004, já repetiu alguns desses feitos e promete entrar na galeria de honra do "dream team" catalão. Um craque, afinal, reconhecido.

"Queriam que eu repetisse, mas parece que eu não acertava uma". Pode ser Luis Anderson de Sousa a falar, mas nunca de futebol, que não é arte que lhe passe despercebida ou que lhe crie dificuldades de compreensão. As palavras de Deco referem-se ao início do mito, o da criação do nome de estrela. "Dé" era diminutivo de Anderson, "cuzinho" uma expressão brasileira que significa "encher o saco" - por não acertar um dos palavrões que os tios lhe tentavam ensinar.

Esta simplicidade é uma patente da personalidade de Deco , simplesmente Deco ("é o nome com o qual me identifico", conta ainda na biografia assinada por Sérgio Alves, da Gestifute, e publicada em 2003). Sérgio Alves, que é o braço direito de Jorge Mendes na empresa que representa Deco , sublinha precisamente essa "humildade", que nem o sucesso abalou - chegou a Portugal, em 1997, para ganhar 2500 euros por mês no Alverca e está hoje no topo, a ganhar cerca de 250 mil euros mensais no "dream team" do Barcelona... "É o meu melhor amigo desde essa altura [três meses após ter aterrado em Lisboa]. Temos uma amizade muito forte e não há nada, de bom e de mau, que ele não saiba da minha vida e eu da dele. Até por isso, eu sou obviamente suspeito para falar dele. Mas é um ser humano fantástico, que não sabe dizer que não a ninguém. Agora que tem dinheiro mantém a humildade de sempre e alguma timidez, que é uma das características de sempre", garante o empresário e ex-jornalista, que cimentou os laços com Deco quando o luso-brasileiro esteve sem jogar devido a um imbróglio jurídico entre o Alverca e o Salgueiros, etapa seguinte na Europa.

Mas também por estar tão próximo do "maradoninha", como era tratado no Brasil, pode traçar o perfil do médio da selecção portuguesa. "A família dele é de classe média, mas nunca passou por grandes dificuldades, por grandes privações. Vem de uma família muito forte, muito unida e muito bem formada, com grandes referências ao nível da educação, com os pais Osias e Margareth como os grandes suportes, mais as três irmãs e os dois irmãos. Dois irmãos mais pequeninos, adoptivos. Um termo que ninguém na família pronuncia, porque são sentidos por ele como se fossem irmãos filiais. Na família não gostam do termo adoptivo, apesar de de facto o serem".

Só as bases familiares tão sólidas proporcionaram a Deco a coragem e aforça para enfrentar o mundo sozinho tão precocemente. Aos 15 anos foi viver sozinho para S. Paulo, e posteriormente para Maceió, assim chegou ao Alverca (quando pensava vir para o Benfica...), embora na companhia do grande amigo Caju, e dessa forma enfrentou as adversidades da carreira, que só estabilizou no FC Porto, em finais de 1998.

Muito antes, em São Bernardo do Campo, pequena localidade do interior paulista, Deco amarrou-se à bola como muitos outros meninos conterrâneos ou de outras paragens, mais cosmopolitas ou remotas do grande esférico que é o mundo. De pequeno, a mãe, Margareth, fazia-lhe bolas de pano para evitar danos em casa, enquanto lá fora o pequeno Anderson se entretinha a fomentar a alcunha de "maradoninha" fazendo da bola quase que uma extensão do corpo. Foi assim que cresceu, contra a relutância de treinadores que torciam o nariz à sua estatura e que o obrigaram a passar pelo futebol de salão antes de brilhar nos relvados.

"Tão tímido que ainda hoje não entra só em restaurantes"

Longe dos holofotes que agora enfrenta com maior à vontade, Deco é extrovertido e brincalhão. Mas é a timidez que o marca. Lê-se no livro "O preço da Glória", biografia escrita por Sérgio Alves: "Nunca bebi tanto sumo de laranja como nesse dia"; "estive dez horas sem satisfazer as necessidades fisiológicas", diz sobre a viagem de avião que o trouxe do Brasil para Lisboa. Tudo porque vinha em classe executiva e não sabia o que dizer às hospedeiras.

Sérgio Alves enquadra-lhe essa característica. "Já ele era famoso no FC Porto e era incapaz de ir sozinho a um shopping ou a um restaurante. Mesmo hoje duvido que consiga ir a um restaurante sozinho", actualiza o amigo.

Mas na privacidade a história é diferente. "Gosta de falar em convívio com os amigos e é extrovertido", garante Sérgio Alves, que sublinha a relação com os filhos. "É muito ligado à família, é louco pelos filhos. Como pai é extremoso. Tem dois rapazes, o João Gaspar e o Pedro Henriques [da primeira ligação], que vivem com a mãe no Brasil. E isso é o que mais o tortura. Sofre calado".

Perfil

Anderson Luiz de Sousa, “Deco”, Médio do Barcelona

Nasceu a 27 de Agosto de 1977

Naturalizou-se português em 2003

Pai de três filhos, dois rapazes de um primeiro casamento e uma rapariga do segundo e actual

Adepto de jogos de luta e de cinema em casa

Campeão europeu pelo FC Porto (2004) e pelo Barcelona (2006); vice-campeão europeu pela selecção portuguesa (2004)

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