"Se Sánchez negar tudo o que os independentistas querem vai cair"

A contestação social contra o governo socialista de Pedro Sánchez aumentou. E para este domingo está convocada uma manifestação. A gota de água foi o anúncio feito - e entretanto retirado - sobre a intenção de criar a figura de um relator para as negociações entre o Estado espanhol e a Generalitat da Catalunha. Luis Arroyo, analista e assessor político, comenta, em entrevista ao DN, os últimos acontecimentos políticos em Espanha.
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O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, está cada vez mais frágil. O socialista chegou ao poder em junho, depois de derrubar do poder o Partido Popular de Mariano Rajoy através de uma moção de censura. E, desde então, as complicações não têm cessado. Da derrota na Andaluzia, à chantagem dos independentistas, passando pelas dificuldades para fazer aprovar o Orçamento do Estado e pela urgência de liderar a resposta dos países europeus à crise da Venezuela.

A direita, PP, Ciudadanos e Vox, chamou os espanhóis a protestar na rua contra ele. Este domingo de manhã. O protesto está previsto para as 11.00, hora de Espanha, que em Lisboa serão 10.00.

Luis Arroyo, analista político e assessor de vários líderes políticos - trabalhou na Moncloa e com altos cargos do governo - analisa em entrevista ao DN os últimos acontecimentos políticos em Espanha.

Teve sentido a criação da figura de um relator para dialogar com os independentistas da Catalunha?
Uma das linhas estratégicas dos independentistas tem sido pedir uma figura internacional no diálogo com o Estado espanhol. É uma forma simbólica de elevar o conflito entre dois Estados, um que já existe e outro que quer ser. Do ponto de vista operacional, se ninguém estivesse a reparar, seria alguém que toma notas. Mas quando a luta tem um grande conteúdo simbólico uma simples figura como um relator é objeto de controvérsia. Penso que é um erro do governo e um pequeno sucesso para os independentistas. É mais um motivo para que a direita espanhola e a oposição ao governo de Pedro Sánchez possa fazer sangue em torno deste assunto.

Dentro do PSOE, a decisão também foi criticada, por exemplo pelo ex-primeiro-ministro Felipe González.
Sánchez devia ter evitado o problema do relator mas o problema da Catalunha existe e quando chegas ao governo deves tratar de resolvê-lo. Criar divisão dentro do próprio partido não é bom e ainda menos quando tens uma minoria parlamentar e estás frágil. O mínimo que podes fazer é manter os teus unidos. E isso começa a falhar. Sempre houve discrepância no PSOE em relação à posição de Sánchez sobre a Catalunha. Mas agora tornou-se mais visível. É mais uma dificuldade para Sánchez.

Sánchez fez isto para ter o apoio dos independentistas e tentar aprovar o Orçamento do Estado?
Não tinha outra saída. Os independentistas foram claros e disseram que não vão apoiar o Orçamento do Estado se ele não fizer determinadas coisas que não sabemos quais são. Se estás débil, as tuas concessões são maiores, a oposição sente-o e vai pegar por aí. Se Sánchez negar tudo o que os independentistas querem vai cair. Sánchez está a fazer mal as coisas do ponto de vista estratégico. Se ele se mostrar mais humilde, mais tranquilo e explicar o que está a fazer, provavelmente os seus iriam perceber tudo melhor.

Na mesma semana em que surgiu a notícia sobre a ideia do relator, também se ficou a saber que Sánchez vai publicar um livro, intitulado "Manual de Resistência".
Uma semana fatídica. Imagino que devia existir um acordo editorial para ser anunciado agora. Nem o livro nem a ideia do relator têm suficiente força, em separado, para pôr em questão a sua liderança. Mas tudo coincide ao mesmo tempo.

E não se sabe se vai ganhar ou não dinheiro pelo livro...
Seria o cúmulo se fosse receber dinheiro. Seria um debate interessante. Mas, neste momento, não vai ao fundo da verdadeira questão: até que ponto está frágil e depende dos independentistas.

Este domingo enfrenta uma manifestação organizada pela direita.
A manifestação já estava a ser organizada antes do anúncio da figura do relator [entretanto retirada]. Precisamente nesse contexto exasperado onde a direita está muito unida, pelo menos no inimigo, muitos partidos, grupos, associações que estão desiludidas com o governo, vão juntar milhares de pessoas nas ruas. Dar motivos adicionais para que as pessoas tenham argumentos para sair para a rua não é bom sinal para o governo.

O PP deve avançar com uma moção de censura contra Sánchez?
Fala-se nisso, mas temos que pensar que Pablo Casado [sucessor de Rajoy na liderança do PP] dependeria da decisão dos mesmos grupos que apoiaram Sánchez [contra Rajoy]. E penso que nenhum deles está interessado em ter Pablo como primeiro-ministro. Mas eu também não imaginava Pedro Sánchez como primeiro-ministro e é isso que ele agora é... Casado iria ter exatamente os mesmos problemas que tem Sánchez para resolver.

Se calhar está à espera para ver o que que acontece com o Orçamento do Estado?
Se Sánchez conseguir aprovar o OE evidentemente será um sucesso para ele. Se não conseguir vai ter mais um problema.

Acha viável a aprovação?
Penso que sim. Há ameaças dos grupos que disseram que não iam aprovar. Mas faz parte da política. Já houve concessões económicas, agora políticas, tudo indica que estão a estudar uma aprovação.

Pedro Sánchez está a perder popularidade?
O último barómetro fala de 38% de aprovação da opinião pública em relação a Pedro Sánchez. Para um líder não está mal. Mas ultimamente sinto que está a haver uma deterioração.

Tendo em conta a fragilidade de Sánchez, devia ele ter liderado o apoio ao presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, contra Nicolás Maduro?
O PSOE demorou muito a reconhecer a decadência do chavismo. Mas Pedro Sánchez predispôs-se a fazê-lo. Esperou para ter uma posição da UE e, nesse sentido, penso que a sua posição é compreensível... Fez um bom trabalho ao procurar uma posição comum entre os europeus.

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