Qual foi o objetivo da viagem a Portugal [na segunda e na terça-feira]? Vimos sempre numa missão oficial a Portugal e tínhamos de o fazer neste ano. Considerámos que era um momento propício antes da reunião de ministros de Negócios Estrangeiros, que terá lugar a 30 de novembro, de forma virtual. A caminho da cimeira de Andorra, dos chefes de Estado e de Governo do espaço ibero-americano..Com a pandemia de covid-19, será possível que a cimeira de abril seja presencial? A cimeira passou de novembro deste ano para abril de 2021 para tentar que houvesse uma cimeira presencial, teremos de analisar a situação no início do próximo ano, mas neste momento Andorra mantém uma cimeira presencial a 22 de abril..E o que podemos esperar dessa cimeira? Vamos levar muito trabalho feito. Tivemos 11 reuniões a nível ministerial e todas estas reuniões tiveram uma declaração por consenso, nos vários temas. Saúde, desenvolvimento social, educação, ensino superior, meio ambiente, administração pública, turismo sustentável... Há realmente uma grande riqueza de propostas para levar aos chefes de Estado e de Governo. Mas, além disso, numa proposta do Equador, fizeram-se cinco grupos de trabalho sobre os temas da reativação pós-covid. E são temas muito importantes para a região. Estamos a falar de digitalização, de pequenas e médias empresas, da nova economia, como reativar o turismo sustentável ou a economia verde, as novas fontes para a economia. Temos também o tema da informalidade e emprego e o financiamento externo. São todos temas fundamentais para a região e aos quais acredito que o espaço ibero-americano dará uma contribuição, porque todos os grupos de trabalho conseguiram, também por consenso, a sua agenda para levar aos chefes de Estado e de Governo..Em tempos de covid-19, quando cada país está focado em responder à pandemia a nível interno, ainda há espaço para cooperação nestes organismos regionais como a Secretaria-Geral Ibero-Americana[SEGIB]? Há disponibilidade dos países para continuar a trabalhar?.Eu acredito que sim. Aconteceram duas coisas. Uma é que a covid-19 pôs em destaque a importância do Público. E Público com maiúscula. Por um lado as instituições públicas, a saúde pública, as instituições de solidariedade pública, de garantias públicas, as capacidades do Estado para poder fazer frente à pandemia. Mas também pôs em destaque o público como a ação coletiva de todos os atores. Porque não é só o Estado. Se os cidadãos não forem responsáveis, também não sairemos da crise. Se as empresas não mostram a sua cara mais social e o compromisso com as comunidades e os trabalhadores, também não haverá saída. Eu acho que foi revelado o valor do público como construção coletiva. Mas isso sucedeu também no âmbito internacional. Porque a conduta que vimos inicialmente diante da pandemia, uma conduta não apenas nacional, mas em muitos casos nacionalista, foi disruptiva. Os países deram-se conta da disfuncionalidade de não atuarem em conjunto e atuar cada um individualmente. E isso manifestou-se no espaço ibero-americano. Os países veem o espaço ibero-americano como um espaço que tem valor, que pode resolver e abordar problemas concretos e foi isso que fizemos durante a pandemia..CitaçãocitacaoA conduta que vimos inicialmente diante da pandemia, uma conduta não apenas nacional, mas em muitos casos nacionalista, foi disruptiva..Neste momento Portugal e Espanha estão na segunda vaga, e com números ainda piores do que na primeira. A América Latina teve uma situação muito grave na primeira vaga, está a preparar-se para a segunda?.A América Latina ainda não saiu da primeira vaga. Começa a sair. E tem de aprender. Como a Europa vai adiantada na evolução, então estamos a tentar aprender com o que se passou para tentar que essa experiência, esse conhecimento, sirva para os países latino-americanos. Acho que na reunião de ministros de Negócios Estrangeiros isto será discutido. Nós pusemos em funcionamento as nossas redes de saúde, as autoridades de medicamentos e tratamentos, a rede de aprendizagem em investigação. Assim que isto passe, convocaremos todos muito rapidamente para aprender com o que passou na Europa na segunda vaga e tentar preparar a região latino-americana para o que aí vem..Falou no serviço público. Tanto Portugal como Espanha têm um serviço público mais forte do que a América Latina. Que serviço público há na região? Um dos problemas mais sérios que encontrámos é a alta informalidade da América Latina. 50% da força laboral é informal e não tem acesso às garantias dos serviços públicos. A muitos nem sequer lhes cobre o serviço de saúde. Com a covid, os estados tentaram rapidamente implementar medidas de distanciamento físico, mas também aprovar subsídios e transferências de recursos. Mas como chegamos às pessoas que não temos registadas, que não estão no sistema? Isso converteu-se num problema muito sério, porque quando há atrasos na chegada dos apoios, as pessoas têm de ir trabalhar. Isso foi um problema sério na região e por isso, juntamente com a organização ibero-americana de segurança social, falámos de levar o que aprendemos na primeira vaga para não repetir os mesmos erros ou estar mais bem preparados para o que aí vem..CitaçãocitacaoSegundo as projeções da CEPAL, em 2021 vamos ter o PIB per capita que tínhamos em 2010, vamos ter a pobreza que tínhamos em 2005 e vamos ter a pobreza extrema que tínhamos em 1990..Acha que será outra década perdida para a América Latina? Se não fizermos algo rapidamente e se não houver ajuda internacional, será outra década perdida para a América Latina, Infelizmente. Mas ainda vamos a tempo de fazer algo, de evitar. Segundo as projeções da CEPAL [Comissão Económica para a América Latina e as Caraíbas], em 2021vamos ter o PIB per capita que tínhamos em 2010, vamos ter a pobreza que tínhamos em 2005 e vamos ter a pobreza extrema que tínhamos em 1990. Recuamos muitos anos. A pergunta agora é: podemos recuperar rapidamente? Sim, se tivermos ajuda externa, porque com os nossos próprios recursos não vamos poder fazê-lo. E esta é uma das coisas de que falámos com Portugal e Espanha, que são vozes de apoio na comunidade europeia e nos organismos multilaterais..Estamos a falar do Banco Mundial... Sim, precisamos da recapitalização dos bancos de desenvolvimento, precisamos de uma nova emissão de direitos de saques especiais do Fundo Monetário Internacional e precisamos que o Banco Europeu de Investimentos e a cooperação europeia incluam os países de rendimento médio no desenvolvimento dos instrumentos de apoio. Por exemplo, os EUA têm mecanismos de swap de moeda com o Brasil e o México. A Europa não tem com a América Latina. São coisas que podemos planear para diminuir o impacto económico de uma pandemia que não tem culpados. Não é que nos tenhamos portado mal. E além disso apanha-nos num mau momento. A América Latina leva sete anos de crescimento baixo e hoje temos menos espaço fiscal do que em 2008, quando foi a crise financeira. Necessitamos de apoio e de uma conduta responsável dos países, mas uma conduta responsável sem apoio não vai dar resultados..CitaçãocitacaoNecessitamos de apoio e de uma conduta responsável dos países, mas uma conduta responsável sem apoio não vai dar resultados..Falou do consenso que tem havido nas declarações das várias reuniões, mas a verdade é que não existe consenso no espaço ibero-americano sobre a situação na Venezuela. Uns reconhecem Nicolás Maduro como presidente, outros Juan Guaidó. Quem é o interlocutor? Nós convidamos os países, não os governos. São os países que são membros da conferência ibero-americana, não os governos. Obviamente que este é um tema de discussão. Mas o que eu digo à região é que seja um tema de discussão e debate, não de fratura. Porque há muitas coisas sobre as quais podemos pôr-nos de acordo sem tocar no assunto. Para haver acordo sobre os problemas de educação, sobre o tema das alterações climáticas ou da erosão dos sistemas ecológicos. Há tantas coisas que temos de fazer pelos cidadãos..Mas tem de haver um interlocutor na Venezuela? O interlocutor é o governo da Venezuela, não o presidente. O reconhecimento de muitos países de Guaidó não inclui um conselho de governo. É preciso ter presente que quem pode tomar uma decisão diferente em relação à Venezuela são os países, não é a Secretaria-Geral Ibero-Americana. Somos um organismo intergovernamental, não supranacional. E por isso, qualquer decisão diferente com respeito à Venezuela, terão de tomar o conjunto de países que fazem parte da comunidade ibero-americana. Nós estamos abertos ao que decidam os países, mas têm de ser os países, não pode ser a secretaria-geral..Mas quem será o chefe de Estado convidado a ir a Andorra? Provavelmente Maduro..Tivemos o referendo no Chile, as eleições na Bolívia, para o ano haverá várias eleições na região. As mudanças do governo alteram de alguma forma o trabalho da Secretaria-Geral Ibero-Americana? Não o fizeram até agora. Estivemos com governos que mudaram muitas vezes e o compromisso dos governos continua firme com o espaço ibero-americano..Durante a sua visita, aproveitou para ter contactos com a Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa. Ambas as instituições querem ser observadoras uma da outra. Porquê?.Somos duas instituições irmãs. Então em vez de irmos atrás dos países lusófonos, para que cada um deles seja observador da SEGIB, parece-nos muito melhor que seja a CPLP que represente a lusofonia na SEGIB, além de Portugal e do Brasil, que são membros plenos. E fizemos a mesma coisa. Propusemos à CPLP que eles sejam observadores e nós sejamos observadores deles. Eles estão a discutir temas de mobilidade, de saúde e das redes, e estão a conversar sobre cooperação. São três coisas em que a SEGIB também tem uma ação muito firme e portanto podemos aprender uns com os outros.