Se estiver de férias e for apanhado por uma cerca sanitária tem de pagar a estada?

Ao contrário do estado de emergência nacional, a calamidade não protege os utilizadores das unidades hoteleiras. Cancelamentos de reservas não são reembolsáveis. Mas ainda há dúvidas em relação à possibilidade de uma cerca sanitária.
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Imagine que tem as suas férias marcadas, com uma reserva feita num empreendimento turístico ou num alojamento local em Portugal, mas que é decretada uma cerca sanitária devido à covid-19 na zona da sua residência ou no seu destino turístico, ficando impedido de viajar. Poderá pedir o reembolso do valor já pago?

Ou então imagine que está de férias numa qualquer localidade portuguesa onde é detetado um surto de covid-19 e é decretada uma cerca sanitária, sendo por isso forçado a permanecer no local. Terá de pagar o prolongamento da sua estada?

Estas são algumas das questões que estão a preocupar os portugueses nestes meses de férias e que certamente os estão a impedir de "ir para fora cá dentro", como tanto pedem as campanhas do turismo. É normal que as pessoas tenham receio, diz ao DN Paulo Fonseca, coordenador do departamento jurídico da Deco. "Não existem respostas claras e taxativas a estas questões, são situações que terão de ser avaliados caso a caso", explica.

Atenção no momento de reservar

Antes de mais, "aconselhamos todas as pessoas que estão neste momento a fazer as suas reservas para contactarem diretamente os empreendimentos turísticos ou alojamentos locais e exponham todas as suas dúvidas e verifiquem todas as condições", diz o jurista.

Depois, no caso de não poderem usufruir plenamente da sua reserva ou dos serviços turísticos devido à covid-19, o mais sensato é tentar chegar a acordo com o empreendimento para conseguir um reagendamento, uma redução do preço ou um desconto a usar numa futura estada, por exemplo, propõe Paulo Fonseca.

O melhor é, sempre que possível, optar por uma unidade que permita o cancelamento gratuito, tal como se lê no site booking.com: "Recomendamos que tenha em consideração o risco associado ao coronavírus (covid-19), bem como as respetivas medidas governamentais. Se não reservar uma tarifa flexível, poderá não ter direito a um reembolso. O seu pedido de cancelamento será tratado pelo alojamento com base na condição que escolheu e na lei do consumidor obrigatória, sempre que aplicável. Durante os tempos de incerteza, aconselhamos que opte por uma reserva com cancelamento gratuito. Caso os seus planos se alterem, poderá cancelar gratuitamente até que o período de cancelamento gratuito termine."

Prolongamento é da responsabilidade do consumidor?

No caso de uma pessoa estar de férias e tiver de prolongar a sua estada devido à covid-19, Elidério Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), não tem dúvidas de que a responsabilidade do pagamento do prolongamento cabe ao cliente. "O pagamento corre por conta do cliente se for português ou se for estrangeiro e não tiver meios por conta da embaixada", explica ao DN.

Isso é o que está previsto no caso de uma pessoa descobrir que está infetada e tenha de ficar em isolamento, ou se tiver contactado com alguém infetado e por isso tiver que cumprir uma quarentena, ou então se estiver a acompanhar alguém que tenha de ser internado, por exemplo. Em todos estes casos, se o cliente permanecer na unidade hoteleira terá de pagar a estada. "A não ser que as autoridades de saúde optem por colocar os clientes noutro local", diz este responsável.

No caso de ser decretada uma cerca sanitária, a situação é mais complexa. Tratando-se de uma questão de saúde pública, o jurista da Deco acredita que a responsabilidade deveria ser assumida pelas autoridades de saúde. "Essa situação deveria estar prevista nos planos de contingência do turismo. O que faria sentido era as autoridades de saúde assumirem o pagamento do prolongamento da estada ou arranjarem uma outra solução", diz Paulo Fonseca. No entanto reconhece que isso é pouco provável, sobretudo se se tratar de um número elevado de pessoas afetadas.

De qualquer forma, diz Elidério Viegas, "isso não impede a unidade hoteleira de poder chegar a acordo com o cliente, oferecendo a estada ou aplicando um desconto". Como diz Paulo Fonseca, será uma situação a negociar, de forma equilibrada, idealmente para que todos fiquem satisfeitos.

Se vai de férias, preste ainda atenção a estas e outras questões:

Posso alterar ou cancelar uma reserva num empreendimento turístico devido à covid-19?

Der acordo com o decreto-lei nº 17/2020, de 13 de abril, as reservas feitas diretamente pelo consumidor de serviços de alojamento em empreendimentos turísticos e em estabelecimentos de alojamento local situados em Portugal, para uma estada até 30 de setembro de 2020, na modalidade de não reembolso das quantias pagas, que sejam canceladas por facto relacionado com a declaração de estado de emergência decretado no país de origem ou em Portugal ou, ainda, com o encerramento de fronteiras imputável ao surto da pandemia da doença covid-19, conferem, excecional e temporariamente, aos hóspedes o direito de optar por uma das modalidades:

- emissão de um vale de igual valor ao pagamento efetuado pelo hóspede e válido até 31 de dezembro de 2021;

- reagendamento da reserva do serviço de alojamento até 31 de dezembro de 2021, por acordo entre o hóspede e o empreendimento turístico ou o estabelecimento de alojamento local;

- No caso de não utilizar o vale até 31 de dezembro de 2021 ou se não houver reagendamento, por falta de acordo entre as partes, terá direito ao reembolso do valor despendido, o qual deverá ser efetuado no prazo de 14 dias.

Mas se não houver estado de emergência, apenas de calamidade?

Portugal encontra-se atualmente, e desde 1 de julho, em Situação de Calamidade, Contingência e Alerta, dependendo do território, continuando o processo faseado de desconfinamento. Neste caso, alerta o jurista Paulo Fonseca, o decreto-lei 17/2020 já não se aplica para as reservas efetuadas diretamente entre o cliente e o empreendimento turístico ou através de uma plataforma online - apenas se aplica no caso de viagens de grupo organizadas por agências de viagem. "No caso de, após efetuada a reserva, ter sido declarado um estado de calamidade no destino de férias, os consumidores devem entrar em contacto com o empreendimento turístico para tentar encontrar uma solução - que pode passar pelo reembolso do pagamento ou não. Terá de se ver caso a caso."

E se for uma reserva reembolsável?

No caso de se tratar de uma reserva reembolsável devem aplicar-se as regras de cancelamento dos empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local.

Estou com receio da pandemia, posso cancelar a reserva?

Se depois de fazer uma reserva, mudou de ideias porque está com receio de uma nova vaga de covid-19, saiba que este não é um motivo legalmente aceite para cancelar a reserva. Portanto, deverá consultar as condições de cancelamento em vigor no empreendimento.

E se o hotel tiver a piscina ou outros serviços encerrados?

Se após a reserva feita o empreendimento turístico o informar de que, devido às novas regras de saúde pública, não terá alguns serviços a funcionar - como a piscina, o Spa ou o parque infantil, entre outros - deverá tentar chegar a acordo com o estabelecimento para encontrar uma situação equilibrada que responda às suas legítimas expectativas para a estada mas que tenha em conta o contexto da pandemia, como por exemplo uma redução dos preços, aconselha a Deco.

Os seguros de viagem cobrem estas situações?

A maioria dos seguros de viagem não cobre os problemas devidos à covid-19. Pelo contrário, a maioria dos seguros tem precisamente uma cláusula de exclusão relativamente às pandemias e os mais recentes poderão mesmo já ter cláusulas de exclusão referindo a covid-19. No entanto, há seguradoras que por um preço mais elevado poderão incluir a covid-19 na sua cobertura. "Os consumidores deverão verificar com muita atenção as coberturas e as exclusões da sua apólice", avisa Paulo Fonseca.

Para mais informações:

Se viajar em Portugal:

- O decreto-lei nº 17/2020, de 13 de abril, estabelece as "medidas excecionais e temporárias relativas ao setor do turismo, no âmbito da pandemia da doença de covid-19" que estão em vigor até 30 de setembro. Aí se definem algumas regras relativamente, por exemplo, às viagens de grupos e ao cancelamento de reservas em empreendimentos turísticos.

- A página do Turismo de Portugal tem um resumo de todas as recomendações, informação sobre cancelamento de reservas e linhas de apoio aos turistas em Portugal.

- O Guia do Turismo e Lazer em tempos de pandemia de covid-19, elaborado pela Deco, tem respostas para muitas das questões colocadas pelos turistas nacionais, relacionadas quer com as regras de utilização dos espaços (restaurantes, piscinas, parques de campismo, etc.) quer com os direitos dos consumidores.

Se viajar para o estrangeiro:

- Consulte a informação disponibilizada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros no Portal das Comunidades Portuguesas, que inclui reco​mendações sobre os cuidados a ter na preparação da viagem, os constrangimentos possíveis e como superá-los, e os apoios disponíveis.

- A Comissão Europeia lançou a plataforma Re-open EU (Reabrir a União Europeia), disponível nas 24 línguas oficiais da UE, que agrega informações em tempo real sobre as fronteiras, as restrições em matéria de viagem, e as medidas de saúde pública e de segurança em vigor nos vários países.
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