Sapadores visitam idosos que precisam de apoio social

Leopoldina Silva, 90 anos, tem vários obstáculos que a impedem de sair de casa: a operação recente ao coração, as dificuldades de vista e quatro andares de escadas íngremes.
Publicado a
Atualizado a

Acorda muito cedo, pelas 06:00, e passa os dias sentada em frente à televisão, no seu apartamento exíguo, no Bairro Alto, com um periquito como única companhia.

"Ele dorme 12 a 15 horas de noite. Já está a pé desde as 8:30, já o limpei e já lhe pus o comerzinho", descreve, enquanto fala com o pássaro: "Lindinho, quiquinho, fala com a mamã".

A monotonia dos dias é interrompida pelas visitas de auxiliares da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que ajudam na hora do banho e na higiene da casa. Para comer, conta com almoços cedidos por um restaurante e os jantares são à base de sopa e fruta cozida, que uma filha lhe traz.

Apoios preciosos para quem recebe uma "pensão de miséria".

"Trabalhei 52 anos. Há direito de ter uma reforma de 303 euros? Já pago quase 60 euros de renda da casa e tive um aumento em janeiro", lamenta a idosa.

O seu caso é um dos identificados por bombeiros do Regimento de Sapadores de Lisboa, que desde há quatro anos tem um serviço para apoiar idosos em situação vulnerável.

Quando a equipa chega, a meio da manhã, Leopoldina Silva reclama da hora da visita, que lhe interrompeu o programa a que assistia na televisão. Mas rapidamente fica mais animada, ao relatar histórias do passado - quando era "uma lasca", garante - e ao elogiar o trabalho dos técnicos do Núcleo de Intervenção Social de Apoio ao Cidadão (NISAC).

"Os bombeiros são muito meus amigos, para mim são o Deus do céu. Tratam-me todos bem", disse à agência Lusa.

Nascida e criada no Bairro Alto, Leopoldina Silva recorda fadistas como Alfredo Marceneiro e o seu filho Duarte, e Carlos do Carmo, ou "Carlinhos", como o tratava.

A memória já não a deixa repetir a letra, mas ensaia uma cantiga e atira ao chefe Luís Pereira: "Quando é que a gente vai uma noite para o fado? Agora você aguenta comigo, que eu sou só ossos".

Arranca gargalhadas dos técnicos quando explica o segredo da sua longevidade: "Deixei-me de homens, porque os maridos dão muito trabalho".

"Eu vou fazer 91 anos, mas estou muito boa da minha cabeça", assegura. No entanto, o discurso trai a convicção da idosa: percebe-se que tem episódios de demência e por isso os Sapadores Bombeiros já fizeram um parecer a recomendar o seu internamento num lar.

Até lá, os técnicos do NISAC vão continuar a fazer visitas regulares para se assegurarem que Leopoldina Silva está bem.

Pedro Silva, um dos técnicos, despede-se: "Minha querida, agora vou de férias e volto no dia 15, está bem?". A resposta vem em jeito de dois beijos repenicados.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt