Vista do alto, a baía de São Martinho do Porto faz lembrar um postal da Riviera francesa. A praia que tem pergaminhos desde há um século já não é o bidé das marquesas - como ficou conhecida nos meios de veraneio - mas guarda muita da traça desses tempos. Era porto de abrigo para a nobreza e alta burguesia de Lisboa, desde que no final do século XIX os mais endinheirados foram ganhando o hábito de desfrutar do "ar da praia", como conta Ramalho Ortigão no livro "As Praias de Portugal - guia do banhista e do viajante"..São Martinho vive, ainda hoje, os resquícios desse tempo: uma boa parte dos proprietários são famílias da classe média-alta de Lisboa, que se resguardam na pacatez da vila do bulício da cidade. A partir da marginal, percebe-se bem a razão de não abdicarem desse tesouro: o mar calmo, ideal para as crianças, meia dúzia de barcos a enfeitar a baía, barraquinhas alinhadas. É assim no verão, quando a vila vive apinhada. Chegado o outono, a terra volta a ser apenas dos menos de três mil habitantes que povoam aquela freguesia do concelho de Alcobaça..O dia de São Martinho passa tão em claro como a luz da baía nas manhãs sem nevoeiro. Os historiadores da região têm dificuldade em encontrar elementos que atestem a origem do nome. Já a Junta de Freguesia arrisca uma tese: "a povoação teve origem, provavelmente, numa póvoa de pescadores. A Granja de São Martinho foi fundada neste sítio pela Ordem de Cister que veio a fixar a população e dar o nome à terra. Mais tarde foi acrescentado a designação "do Porto"", descreve a autarquia..Mas como sempre, para uma boa história há sempre versões diversas. "Em 1150 há um ermita devoto de São Martinho [de Dume] que chega à região oeste. E que, inspirado pelo santo, se ocupa a fazer o bem", conta ao DN Rui Rasquilho, antigo diretor do Mosteiro de Alcobaça e historiador. Mesmo sabendo que "há todo um rebuscar lendário aqui nesta região, como acontece muitos nestas lendas", conta o que ouviu: "era um homem que apoiava muito os pobres e que dividia o seu manto com um pobre, se preciso fosse"..São Martinho do Porto recebe o primeiro foral em 1257, através do Mosteiro de Alcobaça. Porém, a primeira paróquia só viria a ser ali criada em 1287. "O segundo foral é de D. Manuel, em 1567. Convém lembrar que entre os séculos XIV a XVII, São Martinho do Porto tem um estaleiro naval ao qual a coroa encomenda navios", embora não seja aparentemente tão importante quanto o estaleiro da Pederneira, "que hoje é o areal das Nazaré", acrescenta Rui Rasquilho..É preciso recuar vários séculos para encontrar os primeiros registos da povoação. Afinal, é também de séculos que falamos quando se pensa no recuo das águas do mar, que chegava a Alfeizerão. De resto, ainda existem (numa propriedade privada) as ruínas de um castelo que era residência de verão do Abade do Convento de Alcobaça. "D. Dinis dormiu lá com a mulher quando veio a uma visita a Alcobaça, no século XIV. Os reis ali ficaram uns dias antes de irem para Alcobaça", conta o antigo diretor do Mosteiro..Já a Junta de Freguesia exibe na sua página outros estandartes: "São Martinho do Porto foi um dos portos de mar dos Coutos de Alcobaça, tendo sido doado à Ordem de Cister em 1153, por D. Afonso Henriques. Em 1834 dá-se a extinção das ordens religiosas em Portugal. Foi no reinado de El-Rei D. Afonso III, em Junho de 1257, que Frei Estevão Martins, 12º abade do convento de Alcobaça, concedeu o primeiro foral a São Martinho do Porto..As terras que estavam votadas ao abandono, durante a reconquista, são aproveitadas e transformadas, pela Ordem de Cister, numa região agrícola rica. As charnecas, as serras e os pântanos são transformados em campos férteis de cultivo. A essa benesse não é alheia a presença do mar. "As ruínas de vários moinhos, situados nos cabeços junto à costa dentro da freguesia de São Martinho, comprovam a existência de searas e de terras de semeadura".."Há séculos havia a lagoa da Pederneira que se juntava à lagoa de Alfeizerão. Depois o mar começa a recuar, vai recuando durante séculos. Tanto que aquela zona é hoje dos terrenos melhores para a agricultura", confirma Rui Rasquilho, convicto de que nos séculos VIII e IX "quando os vikings vêm para o mediterrâneo muito provavelmente entraram na lagoa da Pederneira"..É na Igreja Matriz de São Martinho do Porto que aparece a homenagem ao santo caridoso. Construída no século XVIII, ostenta no seu interior por detrás do altar-mor, uma tela de grandes dimensões, pintada a óleo, ocupada pela imagem do milagre de São Martinho. "O painel não significa nada no que respeita à origem da toponímia. É posterior. Tudo o que sejam pinturas nas igrejas é depois do concílio de 30, portanto, depois do século XVI", enfatiza o historiador de Alcobaça.