"Não devíamos ter de escolher entre um candidato que quer incendiar o partido e um candidato que quer comprar o partido." Mas parece ser exatamente entre Bernie Sanders e Michael Bloomberg que os eleitores democratas vão ter de optar para decidir quem vai ser o rival de Donald Trump nas presidenciais americanas de 3 de novembro. O lamento foi lançado no debate de quarta-feira por Pete Buttigieg, o ex-mayor de South Bend que causou surpresa ao vencer os caucus do Iowa e ficar em segundo lugar no New Hampshire. Mas com o Nevada, já hoje, a Carolina do Norte, no dia 29, e sobretudo os 14 estados a votos na Super Terça-Feira 3 de março, a batalha numas primárias democratas que começaram com mais de 20 candidatos e estão agora reduzidas a meia dúzia, deverá tornar-se um duelo entre Sanders e Bloomberg. Com o senador do Vermont, autointitulado "socialista democrático", a levar a vantagem nas sondagens sobre o milionário ex-mayor de Nova Iorque. Mas estará a América preparada para pôr um radical de esquerda na Casa Branca?.Depois do eleitorado esmagadoramente branco das duas primeiras primárias, tudo promete mudar já com o Nevada, onde o peso dos latinos (mais de 27% da população) vai ser determinante, e ainda mais com a Carolina do Sul, e o voto afro-americano (28% da população). E aqui tudo indica que Sanders vai reforçar o favoritismo. Quatro anos depois de perder a nomeação democrata para Hillary Clinton, o senador, de 78 anos, parece disposto a ter a sua vingança. Mas quatro anos de presidência Trump, que extremaram as posições políticas nos EUA, terão tornado mais aceitáveis as propostas mais radicais de Sanders? O senador quer criar um sistema nacional de saúde americano, impor uma taxa sobre as grandes fortunas (acima dos 32 milhões de dólares) e até anular todas as dívidas dos estudantes - uns impressionantes 1,6 biliões de dólares..Com uma forte base de apoio entre os jovens - segundo um estudo do Pew Research Center 40% dos eleitores com menos de 30 anos dizem votar Sanders, o senador tem apelo também nas minorias - recolhe 31% de apoio entre os negros e 41% entre os hispânicos..Olhando para os números, tudo parece estar a favor do senador do Vermont. Mas os americanos já provaram que podem ser imprevisíveis quando se trata de escolher o candidato à Casa Branca. As últimas sondagens dão-lhe uma vantagem clara no Nevada, com o estudo KLAS-TV/Emerson a colocá-lo 14 pontos à frente de Biden - 30% contra 16% - e uma sondagem Winthrop a colocá-lo apenas cinco pontos atrás do ex-vice-presidente na Carolina do Sul - 19% contra 24%..Momento de viragem: 3 de março.Podemos então dizer que Sanders está imparável? É muito cedo para se ser tão afirmativo. Até à convenção de Milwaukee, em julho, na qual o Partido Democrata vai escolher o candidato, faltam muitos meses e muitos estados votar. O primeiro momento decisivo está marcado para 3 de março. Na Super Terça-Feira vão a votos 14 estados, com 1357 delegados em jogo. Um número considerável se tivermos em conta que para garantir a nomeação um candidato precisa de 1991..Aqui é preciso ter uma particularidade em conta: se na corrida republicana o vencedor de um estado leva todos os delegados que esse estado vale, do lado democrata não é assim. Os delegados são distribuídos proporcionalmente pelos candidatos de acordo com a votação que obtiveram. E à medida que os candidatos forem desistindo da corrida, esses delegados continuam a ser "deles" - mesmo sem estarem obrigados a votar no candidato a que foram atribuídos..Isto piora. Porque além dos delegados, há os superdelegados. Figuras destacadas do partido, membros do Congresso e outros responsáveis democratas, estes superdelegados representam 15% do total de delegados à convenção. E podem escolher em quem votam - mas só a partir da segunda ronda de votações, se nenhum dos candidatos obtiver mais de 50% dos delegados na primeira. Ora em 2016, os superdelegados alinharam esmagadoramente com Hillary Clinton contra Sanders, que em 2018 conseguiu mudar as regras para que só pudessem votar na segunda ronda. Este ano irão colocar-se ao lado do senador? Nada é menos certo. E é em parte com isso que conta Michael Bloomberg..O ex-mayor de Nova Iorque pode ter participado no primeiro debate nesta semana - e ter sido o alvo de todos os ataques dos rivais democratas -, mas só na Super Terça-Feira vai mesmo entrar na corrida. O milionário - neste momento a oitava pessoa mais rica do mundo com uma fortuna avaliada pela Forbes em 63,7 mil milhões de dólares - já gastou milhões em anúncios na televisão e internet e contratou um verdadeiro exército de especialistas para trabalhar na sua campanha no Twitter. Mas só a 3 de março vai enfrentar o julgamento dos eleitores..As sondagens até lhe são favoráveis. Se na Califórnia surge em terceiro lugar com 13%, atrás de Sanders e Joe Biden, com 24% e 17% respetivamente, na Florida é dado como favorito à vitória, com 32% das intenções de voto, à frente de Biden e Sanders..Durante o debate, Bloomberg foi duramente criticado por recusar libertar várias mulheres que assinaram acordos de confidencialidade, pela defesa que fez da política de buscas da polícia de Nova Iorque, que, quando ele era mayor, tinha luz verde para parar um cidadão em plena rua e efetuar uma revista se suspeitasse que podia estar envolvido num crime e na posse de uma arma - a chamada stop and frisk (parar e revistar) -, bem como por tentar usar a fortuna para "comprar" a eleição. Agora, o ex-mayorterá de provar que isso não o impede de conquistar o voto das mulheres e das minorias, sobretudo os afro-americanos, vítimas preferenciais do stop and frisk..A próxima prova de fogo de Bloomberg é o debate de Charleston, no dia 25, o último antes das primárias da Carolina do Sul. E se o ex-mayor conseguir virar contra os rivais os ataques de que tem sido alvo, pode tornar-se um dos favoritos à nomeação..Podemos então esperar um duelo Sanders-Bloomberg nos próximos meses? Talvez. E já a pensar na hipótese de a disputa chegar sem vencedor claro até à convenção, o Politico garante que a equipa de Bloomberg já anda a fazer charme aos delegados de alguns dos candidatos que vê como tendo mais hipóteses de ficar pelo caminho. Mas se a vitória lhe escapar e mesmo que vá para "o socialista mais famoso do país que é na verdade um milionário dono de três casas", como descreveu Sanders no debate, Bloomberg já prometeu que não hesitará em usar a sua fortuna para o ajudar a tirar Trump da Casa Branca. "Os meus colegas democratas são boas pessoas. Se algum deles vencer irei apoiá-lo."