Salvar os mais velhos da covid e da doença cardíaca

É verdade que a idade é um fator de risco para a covid-19, mas a experiência de quem já passou por muito na vida também ensina que tudo passa. Temos de sair desta pandemia mais fortes, preservando ao máximo a saúde da população que tudo deu pelos mais novos.
Publicado a
Atualizado a

A presente pandemia da covid-19 - provocada pelo vírus SARS-CoV-2 - coloca a toda a sociedade desafios que nunca foram testemunhados pela esmagadora maioria da população. Uma doença nova, que a ciência está ainda a conhecer, de fácil e rápida propagação, com uma pressão inédita nos sistemas de saúde e efeitos económicos, sociológicos e psicológicos únicos.

Sendo a covid-19 uma doença com particular impacto nos mais idosos, esta parte tão importante da nossa população vê-se envolvida numa onda de receios, recomendações e informações (por vezes pouco claras ou erróneas), mas sobretudo numa situação de enorme vulnerabilidade.

De facto, o risco de contrair uma forma grave da covid-19 aumenta com a idade, em particular acima dos 65 anos. Se a pessoa infetada sofrer de outras doenças, o risco aumenta significativamente, nomeadamente em caso de doença cardiovascular, hipertensão, diabetes, problemas respiratórios ou de imunidade. Mas, por outro lado, estão a descurar o tratamento e a vigilância de doenças crónicas que também aumentam o risco de estas trazerem complicações ou tornarem o doente mais vulnerável à covid-19. Sabemos hoje que a infeção pelo vírus pode trazer complicações cardiovasculares como a infeção do músculo cardíaco, a miocardite, o enfarte do miocárdio, a insuficiência cardíaca ou as arritmias.

E como fica o idoso neste panorama assustador e complexo, privado do convívio social e familiar, com todos os desafios do dia a dia para resolver?

As recomendações relativas a mais ou menos isolamento podem variar com o período da pandemia e as condições de propagação no local onde vivemos, mas algumas regras básicas mantêm-se nas várias fases: o distanciamento físico idealmente superior a 2 metros, a utilização de máscara, a desinfeção das mãos e de algumas superfícies.

Além destas medidas, que cuidados pode o idoso tomar durante a pandemia para preservar a saúde cardiovascular e minimizar o risco relacionado com a covid-19?

Deve ser promovida a atividade física, mantida uma rotina diária com ocupações diversificadas, uma hidratação e alimentação variada, o programa de vacinação deve estar atualizado, nomeadamente a vacina da gripe e pneumonia, sendo que as doenças crónicas já existentes, como a hipertensão e diabetes, devem ser vigiadas, tentando manter os valores controlados. A vigilância de saúde não deve ser adiada, nomeadamente a realização de consultas (presenciais ou em teleconsulta), exames e tratamento.

Na minha experiência tenho contactado com alguns casos em que o receio de contrair covid-19 se sobrepõe ao receio de complicações cardiovasculares. As consultas de cardiologia, antes feitas regularmente e sem hesitação, sofreram alterações no seu funcionamento por motivos estruturais e os doentes começaram a faltar por medo de recorrer às unidades de saúde. Por outro lado, chegam-me doentes em situações mais descompensadas que adiaram a ida ao médico para esclarecimento de queixas como dor torácica, cansaço, falta de ar ou arritmias. O facto de nos procurarem mais tarde leva a que cheguem com situações mais arrastadas, mais difíceis de compensar e, por vezes, já com sequelas. Na verdade, deviam ter vindo mais cedo e não vieram... será que também foi por receio da pandemia? Então e o receio de ter complicações por doença cardiovascular?

É muito importante, se tiver sintomas de outras doenças, que não atrase a procura de ajuda por receio da pandemia. Em todas as patologias e em particular no campo das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, estão preservados circuitos seguros e próprios para os doentes não covid-19. O atraso na procura dos cuidados de saúde é o fator determinante do aumento da mortalidade não causada pelo vírus. Tratar as doenças atempadamente evita os internamentos e a fragilização adicional da saúde.

O tratamento da covid-19 tem melhorado substancialmente, a mortalidade tem diminuído em todos os grupos etários e a vacina parece estar para breve. Mas temos de conter os números porque nenhum sistema de saúde no mundo consegue manter uma assistência minimamente adequada se a propagação da doença for descontrolada. Igualmente, temos de continuar a diagnosticar e tratar todas as outras doenças que existem para além da covid-19. Não esqueçamos que a principal causa de morte em Portugal continuam a ser as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares e que os problemas de saúde do coração aumentam com o avançar da idade.

É verdade que a idade é um fator de risco para a covid-19, mas a experiência de quem já passou por muito na vida também ensina que tudo passa.

Teremos que fazer alguns sacrifícios até esta provação passar, mas não podemos sacrificar a saúde cardiovascular. Temos de sair desta pandemia mais fortes, preservando ao máximo a saúde da população que tudo deu pelos mais novos.

Lídia de Sousa, cardiologista no Centro do Coração e Vasos do Hospital CUF Tejo

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt