Rússia diz que vai concentrar esforços no objetivo principal: "libertação" do Donbass
A Rússia disse esta sexta-feira que vai concentrar os seus esforços na libertação de Donbass, depois de ter alcançado os objetivos da primeira fase da invasão e reduzido o potencial de combate da Ucrânia. Uma declaração que parece ser uma admissão das dificuldades que Moscovo tem encontrado no terreno, com uma maior resistência do que o esperado da parte dos ucranianos e uma crescente pressão das sanções internacionais. O presidente norte-americano, Joe Biden, visitou neste dia a Polónia, encontrando-se com soldados dos Estados Unidos estacionados junto à fronteira com a Ucrânia.
"As tarefas principais da primeira fase da operação estão completas", disse Sergey Rudskoy, um responsável do exército russo. "O potencial de combate das Forças Armadas da Ucrânia foi reduzido significativamente, o que nos permite - enfatizo mais uma vez - concentrar os nossos esforços em alcançar o objetivo principal, a libertação do Donbass", acrescentou. O argumento inicial para a intervenção russa na Ucrânia era a "desnazificação" do país, o que implicaria uma mudança de regime.
Segundo o Ministério da Defesa russo, os separatistas já controlam 93% da região de Lugansk e 54% de Donetsk. Juntas formam Donbass. Além disso, alegam que após um mês de guerra já conseguiram criar um corredor terrestre que permite ligar essa zona à Crimeia, que a Rússia anexou em 2014. Tal corredor implicaria contudo o controlo total da cidade portuária de Mariupol, que tem sido alvo de alguns dos ataques mais violentos do conflito - a Ucrânia disse que podem ter morrido 300 pessoas só no ataque ao teatro que servia como abrigo antiaéreo.
Rudskoy disse, numa conferência de imprensa, que o presidente russo, Vladimir Putin, tinha duas opções para a "operação militar especial" na Ucrânia: uma ação limitada no Donbass ou uma generalizada em todo o país. Foi escolhida esta segunda opção para impedir que as forças ucranianas pudessem concentrar os seus esforços no Donbass, com o responsável a alegar que nunca foi intenção dos russos tomar de assalto Kiev. Mas também não afastou que isso possa vir ainda a acontecer, não só na capital como noutras cidades.
O Pentágono disse entretanto que os russos já não controlam totalmente Kherson, a primeira grande cidade no sul da Ucrânia a cair nas suas mãos, ainda na segunda semana da invasão. Num briefing aos jornalistas, um oficial do Pentágono explicou que Kherson é agora "território disputado", com os ucranianos a combaterem ferozmente para obrigar os russos a recuar. Uma informação que vai contra aquilo que Rudskoy alegou: que a região de Kherson estava totalmente sob controlo russo.
Moscovo revelou que já morreram 1351 militares russos na Ucrânia e outros 3825 ficaram feridos. Foi o segundo balanço oficial feito desde a invasão, a 24 de fevereiro, e fica muito aquém do número de soldados russos que os ucranianos alegam ter matado -16 100. Um número que, a confirmar-se, implicava a morte de mais soldados russos num mês da guerra na Ucrânia do que em dez anos de presença no Afeganistão.
Por seu lado, a Rússia diz ter matado 14 mil soldados ucranianos, havendo ainda 16 mil feridos. Kiev também não tem divulgado um balanço oficial de baixas militares, tendo há duas semanas o presidente Volodymyr Zelensky admitido a morte de cerca de 1300 soldados ucranianos. Num dos seus vídeos publicados nas redes sociais, Zelensky apelou aos ucranianos para que mantenham a sua resistência feroz à invasão russa, insistindo que o país está cada dia "mais próximo da vitória".
Após a maratona diplomática em Bruxelas, o presidente norte-americano esteve em Rzeszow, na Polónia, a uma hora da fronteira com a Ucrânia, comendo pizza com os soldados da 82.ª Divisão Aerotransportada dos EUA. Num discurso, Biden disse que queria ter visto com os seus próprios olhos a devastação causada pela guerra. "Eles não me deixam, compreensivelmente, atravessar a fronteira", afirmou, elogiando a resistência dos ucranianos e dizendo aos militares norte-americanos, num aparente lapso, que vão ver essa bravura "quando estiverem lá". A Casa Branca confirmou mais tarde que os EUA não têm planos de enviar tropas para a Ucrânia.
Biden encontrou-se depois com o presidente polaco, Andrzej Duda, "O mais importante que podemos fazer é manter a unidade das democracias na nossa determinação e esforços para reduzir a devastação provocada por um homem que acredito ser um criminoso de guerra", afirmou, reiterando uma acusação já feita no passado contra Putin. Ambos falaram ainda do apoio aos refugiados. Na quinta-feira, o presidente norte-americano anunciou que os EUA estão preparados para receber até cem mil ucranianos. Segundo as Nações Unidas, pelo menos 3,7 milhões de pessoas já deixaram a Ucrânia, sendo que 2,2 milhões fugiram pela Polónia (não se sabe o número dos que ainda lá estão, uma vez que há liberdade de circulação no espaço Schengen). Portugal já concedeu mais de 21 500 pedidos de proteção.
Biden anunciou ainda, no rescaldo dos encontros diplomáticos, um acordo para fornecer à União Europeia (UE) mais 15 mil milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito. Uma medida que visa reduzir a dependência europeia da energia russa. A UE importa 90% do gás que consome, 45% do qual tem origem na Rússia. Bruxelas rejeitou na quinta-feira a ideia de pagar o gás russo com rublos, como exige o presidente Vladimir Putin, alegando que isso é uma quebra dos contratos existentes.
O centro de comando da Força Aérea ucraniana em Vinnytsia, no centro do país, foi atingido por seis mísseis de cruzeiro que causaram "danos significativos", segundo as autoridades de Kiev. Já em Kharkiv, um ataque russo contra um centro médico terá causado a morte a pelo menos quatro civis. O presidente da câmara, Ihor Terekhov, acusou Moscovo de ataques "indiscriminados" contra a cidade, indicando que quase dois terços dos 1,5 milhões de habitantes já fugiram.
Do outro lado, um capelão militar russo, Oleg Artyomov, terá morrido num ataque com rockets ucraniano na aldeia de Zhuravlyovka, na região russa de Belgorod. O anúncio foi feito pela Igreja Ortodoxa, sendo a primeira morte relatada em solo russo desde a invasão da Ucrânia. Esta semana, os rockets ucranianos já tinham caído nesta aldeia, a dois quilómetros da fronteira ucraniana, e na aldeia vizinha de Nekhoteevka, destruindo casas e carros sem causar vítimas. Segundo a agência de notícias russa TASS, os ataques obrigaram à retirada de 196 habitantes.