Rússia culpa Ocidente pelo falhanço da invasão, mas diz que vai vencer

Putin apresenta raro pedido de desculpa, no caso a Israel, e garante trégua aos civis de Mariupol. Zelensky ultrapassa desinteligências com presidente alemão e vê tropas avançarem para leste de Kharkiv.
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A Rússia imputou ao Ocidente a responsabilidade pelo falhanço da primeira fase da sua "operação especial militar", mas garante que vai alcançar os objetivos, no mesmo dia em que o seu líder efetuou um raro pedido de desculpas a Israel pelas declarações sobre Hitler e sobre "os piores antissemitas serem judeus" do chefe da diplomacia russa. Também Kiev e Berlim resolveram os mal-entendidos recentes. Quem não dá mostras de se entender são o invasor e o invadido, inclusive na siderurgia de Mariupol, onde uma trégua anunciada por Moscovo não estará a ser respeitada.

"Estados Unidos, Reino Unido, e a NATO no seu conjunto partilham em permanência informações com as Forças Armadas ucranianas. Isto é bem sabido e junto com a entrega constante de armas estas ações não permitem acabar rapidamente a operação", lamentou o porta-voz do Kremlin. Dmitri Peskov comentava a notícia do The New York Times sobre a troca de informações dos Estados Unidos com o exército ucraniano que permitiram localizar vários generais russos perto da linha de frente (ver pág. 21). O porta-voz disse, no entanto, que a assistência ocidental "não tem capacidade para impedir o cumprimento dos objetivos" da ofensiva russa na Ucrânia. Na véspera, o ministro da Defesa Sergei Shoigu disse que as caravanas com armamento da NATO eram um "alvo legítimo".

Peskov negou os relatos de véspera do comandante do batalhão Azov de que as forças russas tinham tentado entrar nas instalações da siderurgia Azovstal, em Mariupol, onde resiste a última bolsa de soldados ucranianos, em conjunto com civis. Horas mais tarde, o vice-comandante Svyatoslav Palamar disse que pelo terceiro dia consecutivo o exército russo tentou entrar nas instalações e que este não respeita a trégua, registando-se "combates sangrentos". Num tom pessimista, exortou a comunidade internacional a retirar civis e apelou "pessoalmente ao comandante supremo para que tome conta dos soldados feridos que estão a morrer em terrível agonia devido a tratamento inadequado".

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Apesar deste cenário, na quarta-feira foram retiradas 344 pessoas de Mariupol, tendo como destino Zaporijía, informou o presidente ucraniano. E a ONU anunciou que está a preparar a retirada de mais mulheres e crianças. "Uma caravana está a avançar para Azovstal na esperança de receber os civis que permanecem naquele inferno sombrio e levá-los de volta para um lugar seguro", disse o coordenador dos serviços de emergência das Nações Unidas Martin Griffiths.

Por sua vez, o presidente russo Vladimir Putin garantiu ao chefe do governo israelita Naftali Bennett que o seu exército "continua pronto" para dar passagem segura aos civis presos no complexo industrial. "Quanto aos militantes que permanecem em Azovstal, as autoridades de Kiev devem dar-lhes uma ordem para deporem as armas", afirmou o líder russo, segundo o Kremlin.

DestaquedestaqueO pedido de desculpas de Putin foi evidenciado num comunicado do gabinete do primeiro-ministro israelita. O texto do Kremlin sobre a conversa telefónica ignora essa passagem.

Estas declarações deram-se a meio do telefonema no qual Putin apresentou um pedido de desculpas a Israel pelos comentários antissemitas do seu ministro dos Negócios Estrangeiros. Em mais do que uma ocasião, Sergei Lavrov pôs em dúvida o judaísmo de Zelensky e alegou que "Hitler também tinha sangue judeu", uma afirmação antissemita e sem crédito. "O primeiro-ministro aceitou as desculpas do presidente Putin pelas observações de Lavrov e agradeceu-lhe por esclarecer a atitude do presidente em relação ao povo judeu e à memória do Holocausto", lê-se no comunicado do gabinete de Bennett, uma vez que no comunicado do Kremlin o assunto foi ignorado. O pedido de desculpas foi apresentado depois de Zelensky , em entrevista à Fox News, ter acusado a Rússia de usar as táticas nazis de propaganda e temas antissemitas para justificar a invasão da Ucrânia.

O presidente ucraniano chegou por fim a um entendimento com o homólogo alemão, Frank-Walter Steinmeier, e "as irritações do passado foram eliminadas". O chefe de Estado germânico e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros foi um defensor da política de aproximação a Moscovo. Como tal, Steinmeier tinha sido aconselhado a não tomar a iniciativa de viajar à capital ucraniana, mas agora, demonstrado seu "respeito, solidariedade e apoio" recebeu o convite para ir a Kiev, tal como o chanceler Olaf Scholz, criticado por sua vez pela demora em fornecer apoio militar. Para já nem um nem outro, mas a presidente do Bundestag Bärbel Bas e a chefe da diplomacia Annalena Baerbock quem tem viagem reservada.

O comandante das forças armadas da Ucrânia falou com o homólogo norte-americano sobre a escalada das batalhas com as forças russas no leste para enfatizar a importância de proteger as rotas de abastecimento. O general Valerii Zaluzhnyi disse numa mensagem no Telegram que relatou ao general Mark Milley os ataques de mísseis russos em "rotas logísticas". "Por conseguinte, a questão de fornecer à Ucrânia sistemas múltiplos de lançamento de mísseis é crucial", disse Zaluzhnyi.

O chefe do exército ucraniano falou sobre as condições da linha da frente em Lugansk, onde "os combates pesados estão em curso". Nas últimas horas, o exército ucraniano avançou cerca de 40 quilómetros para leste na região de Kharkiv, tendo retomado a vila de Staryi Saltiv. Segundo o governador da região Oleh Sinegubov, os combates mais intensos acontecem a leste, em particular perto da cidade de Barvinkove, onde as forças russas estariam a sofrer perdas significativas. A sul, as forças ucranianas avançaram nas regiões de Mykolaiv e Kherson, tendo retomado algumas povoações. Em sentido inverso, na semana passada, as tropas russas capturaram várias aldeias a oeste de Izium.

Cerca de 6 mil milhões de euros em ajuda à Ucrânia é o resultado da angariação numa conferência de doadores que decorreu em Varsóvia, organizada pelos primeiros-ministros da Polónia e Suécia. Aos participantes em videoconferência, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky apelou à planificação de "um análogo moderno do Plano Marshall", programa que ajudou a reconstruir os países da Europa Ocidental após a II Guerra Mundial. Zelensky sugeriu que os países aliados deveriam patrocinar a reparação de áreas destruídas pela guerra. A ONU disse que mais de 15 milhões de ucranianos necessitam de assistência, e lançou na semana passada um apelo para angariar 2,1 mil milhões de euros nos próximos meses.

cesar.avo@dn.pt

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