Rússia admite 498 baixas na Ucrânia antes de negociações
A segunda ronda de negociações entre a Ucrânia e a Rússia, inicialmente prevista para ontem, deverá realizar-se apenas esta manhã na região de Bialowieza (entre a Bielorrússia e a Polónia). Mas, depois de uma primeira reunião que não deu frutos, na segunda-feira, e do reforçar dos ataques russos contra as principais cidades ucranianas, há pouca esperança de que o novo encontro possa trazer resultados, nomeadamente um cessar-fogo. Nas Nações Unidas, confirmou-se o isolamento de Moscovo, com 141 países a exigirem a retirada das tropas russas da Ucrânia. Ao sétimo dia de invasão, o Kremlin admitiu quase 500 baixas entre as suas forças, com Kiev a alegar que já serão na realidade quase seis mil.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tinha posto como condição para o diálogo o fim dos ataques russos. Mas, no terreno, as forças de Moscovo continuavam ontem a avançar. Além disso, a Rússia não cede nas exigências, com Kiev a avisar que não irá responder a ultimatos. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, lembrou o que o presidente russo, Vladimir Putin, considera serem as condições chave para a paz na Ucrânia: a garantia de que os interesses legítimos de segurança da Rússia serão tidos em conta, incluindo o reconhecimento da soberania sobre a Crimeia, assim como a desmilitarização e "desnazificação" da Ucrânia, garantindo o seu estatuto de neutralidade.
A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou ontem uma resolução que "deplora nos mais fortes termos a agressão da Rússia contra a Ucrânia" e exige uma retirada imediata das suas tropas do país. Apesar de não "condenar" a invasão, como estava previsto num primeiro rascunho, "condena" a decisão de Putin de colocar as suas forças nucleares em alerta. O texto, copatrocinado por 94 países, foi aprovado por 141 dos 193 estados membros, tendo havido 35 abstenções (entre elas a China) e cinco votos contra - Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte e Eritreia. Doze países estavam ausentes.
Na semana passada, Moscovo tinha usado o seu direito de veto no Conselho de Segurança para travar uma resolução semelhante. A votação de ontem, apesar de não ser vinculativa, serve como mais uma prova do isolamento russo. Antes da votação, o embaixador ucraniano na ONU, Sergiy Kyslytsya, denunciou um "genocídio", enquanto a sua homóloga norte-americana, Linda Thomas-Greenfield, acusou a Rússia de usar bombas de fragmentação e outras armas proibidas pela Convenção de Genebra.
Apesar do resultado da votação e do apoio a Kiev, a comunidade internacional continua apostada na via diplomática para resolver o conflito. Em Paris, o presidente francês, Emmanuel Macron, condenou as mentiras de Putin sobre o nazismo na Ucrânia, mas disse que irá continuar a falar com Putin "pelo tempo que puder e que for necessário para tentar incansavelmente convencê-lo a renunciar à violência e impedir o alargar do conflito". Por seu lado, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse que os EUA vão "apoiar os esforços diplomáticos" para chegar a um cessar-fogo, "apesar de continuarmos a defender a capacidade da Ucrânia de se defender a si própria".
Blinken criticou ainda a retórica "provocativa" de Putin em relação ao nuclear, depois de o presidente russo ter posto as forças estratégicas em alerta. "É perigoso. Aumenta o risco de erro de cálculo. Precisa ser evitado", disse aos jornalistas em Washington. Blinken está convidado para o encontro de amanhã entre os chefes da diplomacia da União Europeia, que incluirá também o representante da Ucrânia, do Reino Unido, do Canadá e o secretário-geral da NATO.
Segundo o presidente ucraniano, que acusa a Rússia de querer "apagar" o seu país, quase seis mil militares russos (mais concretamente 5840) terão morrido desde o primeiro dia da invasão. Um número muito superior ao reconhecido por Moscovo. O major-general Igor Konashenkov rejeitou as "perdas incalculáveis" apontadas por Kiev, falando em "desinformação" por parte das autoridades ucranianas. O Ministério da Defesa russo admitiu apenas a morte de 498 dos seus militares, indicando também que outros 1597 ficaram feridos, naquele que foi o primeiro balanço oficial desde o início dos combates.
Do outro lado, Konashenkov disse que mais de 2870 militares ucranianos terão morrido nos últimos sete dias, além de 3700 que ficaram feridos e 572 que foram capturados. Estes números não foram confirmados pelo lado ucraniano, cujos serviços de emergência contabilizam contudo a morte de mais de dois mil civis na invasão. Além disso, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, pelo menos 875 mil ucranianos já deixaram o país.
A Ucrânia disse também ter capturado dezenas de militares russos, tendo convidado as suas mães a irem buscá-los - alega que muitos são recrutas, algo que Moscovo nega dizendo que todos são soldados profissionais. "Foi tomada uma decisão de entregar as tropas russas capturadas às suas mães se elas vierem buscá-los à Ucrânia, a Kiev", disse o Ministério da Defesa num comunicado. Já foi também criada uma linha de apoio para que os russos possam descobrir se os seus parentes estão entre os mortos ou capturados, numa tentativa de descredibilizar Moscovo. A Rússia não fala em guerra ou invasão, mas numa "ofensiva militar" contra a Ucrânia para proteger as repúblicas separatistas de Donestsk e Lugansk (que reconheceu como independentes). E esconde o verdadeiro impacto do conflito.
A Rússia alegava ontem de manhã ter conquistado Kherson, no Mar Negro, mas o presidente da câmara local, Igor Kolykhayev, indicava que isso não era verdade e que as forças russas só terão o controlo da estação de comboios e do porto. Contudo, admitia que cidade estava "completamente cercada" e ao final do dia confirmava-se que tinha caído nas mãos russas.
Em Mariupol (oeste da Ucrânia, na região de Donetsk), o autarca local, Vadym Boichenko, disse que a cidade estava a ser alvo de "ataques contínuos" da Rússia desde a noite de terça-feira e que havia "muitas baixas". Alegou ainda que as forças russas estariam a "impedir ativamente" a retirada dos civis das zonas atacadas. "Nem podemos tirar os feridos das ruas, dos apartamentos, porque os ataques não param."
Pelo segundo dia consecutivo, os ataques concentravam-se em Kharkiv (Carcóvia), no nordeste, junto à fronteira com a Rússia. Pelo menos 25 pessoas morreram e 112 ficaram feridas nos dois últimos dias na cidade, tendo ontem sido atacados o edifício da polícia regional e a sede dos serviços de informação. Paraquedistas russos terão aterrado, sendo que um conselheiro do Ministério do Interior ucraniano, Anton Gerashchenko, disse à AFP que "não há um sítio em Kharkiv que não tenha sido atingido pelos projéteis russos".
O presidente da câmara, Ihor Terekhov, lembrou que a cidade tem uma forte ligação à Rússia. "Uma em cada quatro pessoas em Kharkiv tem familiares na Federação Russa", indicou, explicando que lá se fala russo. "Mas a atitude da cidade para com a Rússia hoje é completamente diferente do que era. Nunca esperámos que isto pudesse acontecer: destruição total, aniquilação, genocídio contra os ucranianos. Isto é imperdoável", referiu num vídeo publicado online e citado pela agência Reuters.
Mais para leste, em Kiev, a coluna de veículos militares russa que algumas fontes alegam ter mais de 60 quilómetros de comprimento está cada vez mais perto, com o presidente da câmara da capital, Vitali Klitschko, a alegar que se encontra a 25 quilómetros. "O inimigo está a juntar as suas forças perto da capital", disse o antigo campeão de boxe. "Kiev está a aguentar e vai aguentar. Vamos lutar", acrescentou. Ao princípio da noite em Lisboa, os projéteis russos terão atingido uma zona próxima da estação de comboios, danificando uma estação de aquecimento da cidade.
O opositor russo Alexei Navalny apelou entretanto aos seus apoiantes para que saiam à rua em protesto contra a invasão da Ucrânia, descrevendo Putin como um "czar louco" no Twitter. "Putin não é a Rússia. E se há algo agora na Rússia do qual nos podemos orgulhar são essas 6824 pessoas que foram detidas porque, espontaneamente, saíram às ruas com cartazes a dizer: "Não à guerra"", declarou o opositor, que está ele próprio preso, mencionando o número de detidos dos últimos dias.
Em Moscovo, crianças foram levadas para as celas junto com os pais, depois de terem depositado flores na embaixada ucraniana com mensagens de paz. De acordo com o jornal Novaya Gazeta (do Nobel da Paz Dmitry Muratov) foram libertadas quando chegaram os advogados. Depois do apelo de Navalny, dezenas de pessoas foram detidas em protestos contra a invasão da Ucrânia, em Moscovo e em São Petersburgo. "Não podia continuar em casa, porque é preciso parar esta guerra", disse à AFP o estudante Anton Kislov, de 21 anos, na terra natal de Putin.