Ronaldo, a superlua, um braço-de-ferro e o perigo que não desapareceu

Plano de desconfinamento vai acelerar, após o país conseguir controlar os contágios de covid-19. Mas o perigo não desapareceu.
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Sábado, 27 de março

O golo limpo anulado a Ronaldo em Belgrado é um erro crasso. Mas só o tempo ditará a sua verdadeira dimensão. Para já, custou uma vitória a Portugal sobre a Sérvia, que é o adversário mais complicado da Seleção nacional rumo ao Mundial 2022. Custou também um golo a Ronaldo e um gesto feio e desnecessário do capitão, que reagiu a quente atirando a braçadeira ao chão. Custou ainda ao árbitro um pedido de desculpa, atitude que lhe fica bem mas que de nada serve para corrigir a asneira. A 14 de novembro se verá se a fatura é ainda maior. Nesse dia joga-se um Portugal-Sérvia, na última jornada do apuramento, que pode muito bem vir a decidir quem disputa o mais importante torneio do mundo. E se estes dois pontos perdidos em Belgrado afastarem Portugal da prova, o que vai fazer a UEFA? Nada. O mesmo que fez quando, a bem da verdade desportiva, devia ter imposto e criado condições para implementar, pelo menos, a tecnologia da linha de golo em todos os jogos de qualificação, em vez de deixar isso ao critério das federações. A pandemia não pode servir de desculpa para tudo.

Domingo, 28 de março

Dia 28 de março. A DGS reporta 365 novos casos de covid-19, mais 10 mortes e 633 pessoas hospitalizadas (142 em UCI). A semana fechou com uma média de 411 casos por dia e 9,85 óbitos. Recuemos agora a 28 de fevereiro, também um domingo, em que já se sentia o efeito do segundo confinamento: 718 novos casos (semana fechou com média diária de 1005), 41 mortes (média semanal de 50,7), 2165 internados (484 em UCI). E olhemos ainda para os números de 28 de janeiro, o dia mais negro da pandemia, pouco tempo depois de as escolas terem voltado a fechar: 16 432 novos casos e 303 mortes (ambos recorde), 6565 internados (782 em UCI). Os números destes dois meses mostram que Portugal fez, sem dúvida, em contraciclo com a Europa, um caminho extraordinário na redução do contágio de covid-19 e no alívio do SNS. O reverso da medalha é a pesada fatura económica, social e psicológica que muitos portugueses estão a pagar, ainda sem fim à vista. Mas era inevitável. A alternativa seria fechar os olhos ao perigo e aceitar a mortandade.


Segunda-feira, 29 de março

Um navio do tamanho de um arranha-céus encalhou no canal do Suez, provocando um enorme engarrafamento na 'autoestrada marítima' que liga a Ásia (mar Vermelho) à Europa (mar Mediterrâneo), parando centenas de navios com muitos milhões em mercadoria a bordo. Ao cabo de seis dias de trabalho árduo, já com vários setores da economia a roer as unhas de preocupação (ou não passasse por ali 10% do comércio mundial), foi preciso a influência decisiva de uma superlua (que causou uma maré 46 centímetros acima do normal) para o navio voltar a flutuar. Se a humanidade teve engenho para construir uma obra como o Canal do Suez no século XIX, numa era em que não tinha toda a tecnologia e maquinaria que hoje está ao seu dispor, também tem de ser capaz agora de encontrar uma solução para minimizar o risco de acontecerem mais situações como a do Ever Given. E assim, em pleno século XXI, não ficar tão dependente do calendário astronómico.


Terça-feira, 29 de março

No mesmo dia em que o país registou um novo recorde de mortos por covid-19 (pelo menos 3780 em 24 horas), foi também conhecida a demissão em bloco dos comandantes das três forças militares, em choque com Jair Bolsonaro após este ter substituído Fernando Azevedo e Silva à frente da Defesa (numa reforma ministerial que se estendeu a mais cinco pastas). O general, tido como moderado, terá recusado a ideia de se avançar para o estado de sítio, dando plenos poderes ao Presidente para contrariar, se necessário com apoio militar, as regras de confinamento definidas pelos governadores estaduais. O escolhido para liderar a Defesa foi Braga Netto. Este, tal como Bolsonaro, considera que o golpe de 1964 (que instalou uma ditadura militar no país durante 21 anos) deve ser festejado. A oposição reagiu em peso à nomeação, considerando que está em curso uma "bolsonarização" das Forças Armadas. A tensão aumenta num país há muito dividido politicamente e, agora, a viver o momento mais crítico da pandemia.


Quarta-feira, 31 de março

Contra a vontade do governo e o voto do PS, o Parlamento aprovou no início de março três decretos que alargam os apoios sociais em tempos de pandemia, o que inevitavelmente significa mais despesa para o Estado. Menos de um mês depois, Marcelo promulgou-os, dizendo que os decretos podem ser aplicados desde que "respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado", mas não reconhecendo que os mesmos violam a lei-travão que estabelece que só o governo em funções (e não o Parlamento) pode acrescentar despesa ao OE ou reduzir receita - como é o entendimento da maioria dos constitucionalistas. António Costa recusou a existência de uma crise política. Mas pediu a fiscalização dos diplomas ao Constitucional, lembrando ao Presidente da República: "Lei é lei e a Constituição é a lei suprema." Tudo espremido, por muito que invoque a Constituição, o governo surge na fotografia a recusar subir os apoios, contra o que defendem Marcelo e o Parlamento (com exceção do PS). Será este o caso que vai mudar o clima de paz entre Belém e São Bento?

Quinta-feira, 1 de abril

A evolução positiva da pandemia permitiu, como esperado, avançar para a segunda fase do plano de desconfinamento. Já na próxima segunda-feira, de uma assentada, acabam as restrições de circulação entre concelhos, voltam às escolas os alunos dos 2.º e 3.º ciclos, reabrem os ATL, centros de dia, lojas, esplanadas, ginásios, museus, monumentos, e por aí fora. É certo que regressam ainda sob algumas condições, mas ninguém duvida de que o aumento na mobilidade dos portugueses será notório, o que, como se sabe, pode abrir a porta a novos contágios. Antes da reabertura, há a Páscoa. A data festiva mereceu especial atenção do governo, reforçando que evitar "os convívios é absolutamente fundamental", depois do descalabro que foi o Natal. Nos próximos 15 dias se verá o impacto que a Páscoa e o aumento da mobilidade, coincidentes no tempo, terão no R(t) e na incidência cumulativa. O risco de se regredir no desconfinamento existe (veja-se, por exemplo, o caso de França, que acaba de fechar as suas escolas) e há que evitar isso a todo o custo. Coletivamente, urge o dever de continuar a agir com prudência. Por respeito ao próximo e ao país.

Sexta-feira, 2 de abril

Mais de uma semana depois do ataque armado a Palma, no Norte de Moçambique, reclamado por grupos jihadistas associados ao Estado Islâmico, a chegada de milhares de deslocados a Pemba continua a gerar preocupação. Margarida Loureiro, chefe do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Cabo Delgado, descreveu à agência Lusa que as pessoas que chegam, a partir do momento em que percebem que estão a salvo, começam "a mostrar as suas emoções", sendo notório que "estão altamente traumatizadas" e ainda "em estado de choque". "Quem sai da sua terra de forma forçada, sofre de extrema violência e vê os seus entes queridos serem mortos da forma mais violenta é impossível estar bem", resume. As forças militares moçambicanas continuam sem conseguir retomar o controlo da região e as Nações Unidas já não têm dúvidas em prever uma crise humanitária "prolongada".

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