"Fiz 40 anos e nesta idade toda a gente sente uma necessidade de fazer um balanço, refletir um pouco no que é que já fizemos até aqui e o que é que vamos fazer com o resto da nossa vida. Eu também fiz isso mas decidi fazê-lo em forma de concerto", explica Rogério Charraz. Foi assim que no dia 27 de janeiro de 2018 subiu ao palco do Cinema São Jorge, em Lisboa, para um concerto em volta do número 4. Olhando para trás, escolheu quatro canções dos discos anteriores. Olhando para a frente, apresentou quatro temas inéditos. E também teve quatro convidados com ele no palco. A noite correu bem e o concerto está agora também disponível em CD, com o título 4.0..O concerto desta sexta-feira no Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Carnaxide, marca o lançamento do disco e será também uma maneira de iniciar um novo ciclo: "Este espetáculo fecha o ciclo deste ano com o lançamento do disco. Mas é também uma celebração, com os músicos todos que me costumam acompanhar, os Irrevogáveis, e, além disso, temos algumas surpresas ao nível das canções, estamos sempre a trabalhar e a modificar, as canções já não estão iguais ao que estavam em janeiro", explica o músico..À falta de melhor palavra, pode dizer-se que Rogério Charraz é um cantautor: compõe, escreve, toca e canta. Mas ele prefere dizer que é "um fazedor de canções". "É o que eu faço. Gosto de fazer as minhas canções e depois interpretá-las. E até faço mais do que isso, porque sou um músico independente: também edito discos, vendo espetáculos, faço tudo. Sou o self-made musician", ri-se. Aprendeu que se quer alguma coisa tem de fazer que ela aconteça: "Como a indústria musical não me liga muito, ou eu fico à espera de que nada aconteça ou faço pela vida. E eu nunca fui de ficar parado à espera..." Nos últimos seis anos editou quatro discos. Uma aventura, tendo em conta que não tem contrato com nenhuma editora. Para fazer o último álbum de originais, Não Tenhas Medo do Escuro, em 2016, recorreu ao crowdfunding..A "loucura" de querer fazer música."Aprendi a tocar guitarra numa igreja evangélica que a minha mãe frequentava, depois vim para a rua tocar com os amigos, versões dos Resistência e essas coisas", recorda. "Nos bancos do liceu de Queluz encontrei outro Rogério. Percebemos que tínhamos gostos musicais muito parecidos e fizemos uma banda de garagem que começou por se chamar União de Loucos, mas depois cansámo-nos de explicar às pessoas que não era uma banda de heavy metal, que era uma banda acústica, e mudámos para Boémia. E foi assim durante 12 anos. Foi essa a minha escola", conta..Durante muitos anos, Rogério andou a "lutar contra uma carreira na música". Na sua cabeça tinha a voz dos pais a dizer-lhe que a música era boa só como hobby e que ele tinha era de arranjar um emprego "a sério" para ganhar dinheiro. E foi isso que fez, até que chegou uma altura em que percebeu que não conseguia continuar a conciliar um emprego na área financeira e uma carreira musical. "Já não fazia bem nem uma coisa nem outra, tinha de optar. E nessa altura a música venceu. Já há dez anos que cometi essa loucura.".Ninguém disse que ia ser fácil, mas ele não se arrepende. Faz o que gosta e vai juntando a isso o prazer de trabalhar com muitas pessoas que admira. "Música para mim é partilha. Tanto pode ser partilha entre o músico e quem ouve, como entre o compositor e outros músicos. Tenho um enorme prazer em trabalhar com outros, porque vêm com um ADN diferente do meu, com outras capacidades, e a canção cresce", explica. Fausto, Rui Pregal da Cunha, Ricardo Carriço, Katia Guerreiro, Marta Pereira da Costa, são muitos os músicos com quem já trabalhou..Para o concerto no São Jorge, por exemplo, contou com Júlio Resende, Ricardo Ribeiro, Jorge Benvinda e António Caixeiro. "O primeiro critério para escolher um convidado é que tenho de gostar muito do que essa pessoa faz, depois queria que viessem de áreas musicais diferentes. Essa é sempre a pergunta mais difícil que me fazem: que estilo de música é que faz? Eu não tenho um estilo, vou passeando por vários estilos, dou-me essa liberdade de poder fazer uma música que é mais reggae, outra que é mais popular, outra que é mais fado. Eu ando um pouco por todo o lado. E queria que os convidados refletissem isso. Gosto que num espetáculo as pessoas vejam várias cores e sintam várias coisas. Há momentos mais introspetivos e outros para dançar.".Há mais discos a caminho.Neste momento, Rogério Charraz está já a preparar o próximo disco de originais, que vai ser todo feito em parceria com o letrista José Fialho Gouveia. Esta foi uma parceria que começou no disco de 2016 e correu tão bem que, dos 11 temas de Não Tenhas Medo do Escuro, cinco foram da sua autoria. Para o concerto de janeiro passado, Fialho Gouveia fez duas das quatro canções novas. E agora também fizeram juntos uma canção de Natal que se vai ouvir em breve na rádio.."O próximo vai ser um disco conceptual", explica Rogério Charraz. "Vai contar uma história através das várias canções, com duas personagens. Esta história está ligada a um outro disco conceptual da música portuguesa, com muito sucesso, feito há uns anos. Não é bem uma continuação mas há uma ligação", diz, sem querer revelar mais pormenores. José Fialho Gouveia já escreveu as letras todas e grande parte das músicas também já estão feitas..Resta saber como arranjar dinheiro para gravar e editar. Mas isso é algo que neste momento não o preocupa. "Não me faz muito sentido andar a mendigar. Tenho muito trabalho apresentado. Fiz quatro discos em seis anos. Tenho nove canções em novelas da TVI, tenho parcerias com o Rui Veloso, com o Rui Pregal da Cunha, com a Katia Guerreiro. Não me apetece estar a bater à porta de uma editora para explicar isto tudo e também não estou disposto a vender o meu trabalho a qualquer preço", diz..Veremos o que acontece. Para já há esta certeza de que quer continuar a fazer discos - "um disco são umas quantas canções que fazem parte da mesma família, partilham um universo, e eu gosto disso" - e a apresentá-los ao público.