De óculos escuros redondos e amparado pelo braço da mulher, Nydia, Roger Stone entrou quarta-feira para o primeiro dia do julgamento no qual está acusado de obstrução à justiça, manipulação de testemunhas e de mentir na Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes. Um pequeno grupo cantava "Roger Stone não fez nada de mal", mas também ouviu gritar "Vais ver o [Paul] Manafort", uma alusão ao homem que foi diretor da campanha de Donald Trump, a cumprir pena de prisão de sete anos e meio por fraude fiscal, conspiração para defraudar os EUA e manipulação de testemunhas..O homem que fez imagem de marca a cultura do seu corpo (e de uma tatuagem de Richard Nixon, o político com quem começou uma longa carreira de "agente provocador" e de "trapaceiro", como o próprio admite), juntamente com o seu estilo exuberante, mostrou debilidade em tribunal..O primeiro dia de julgamento - que se resumiu ao processo de seleção dos jurados - ficou marcado pela indisposição de Roger Stone. O homem de 67 anos começou a suar e, depois de ter ido aos lavabos, pediu escusa à juíza Amy Jackson, tendo alegado uma intoxicação alimentar. "Quero pedir desculpas ao tribunal. Não quero desperdiçar o tempo do tribunal", disse Stone. "Espero estar melhor amanhã.".Bannon a testemunhar, extrema-direita na assistência.A seleção do júri (12 efetivos e dois suplentes) ficou marcada pela lentidão, graças aos advogados de defesa, que pediam a exclusão dos jurados, com receio de serem tendenciosos contra Stone. Mas a juíza indeferiu a maioria dos pedidos. Num caso, um potencial jurado referiu-se a Stone como "trapaceiro", o que levou a juíza a dispensá-lo..As declarações iniciais podem começar nesta quarta-feira e o julgamento pode durar pelo menos duas semanas. Os procuradores esperam poder encerrar o processo contra Stone na próxima terça ou quarta-feira. Durante o julgamento são esperadas testemunhas como Steve Bannon, antigo estratega de Trump, ou o vice-diretor da campanha Rick Gates, que podem trazer colorido e revelações ao caso. E na assistência estão elementos do grupo de extrema-direita Proud Boys, que têm servido de segurança pessoal para o homem que, com Paul Manafort, fundou nos anos 1980 uma empresa de lobbying que teve como cliente o empresário Donald Trump..Mas Stone é suspeito de quê?.Em 2016, Stone e alguns conhecidos seus podem ter sido a ligação entre o candidato Donald Trump e Julian Assange, fundador da WikiLeaks, já então em asilo na Embaixada do Equador em Londres..Assange, por sua vez, terá estado em contacto com a agência de serviços militar da Rússia, GRU, que é suspeita de ter roubado um conjunto de material de alvos políticos nos Estados Unidos, começando pelo Comité Nacional Democrata, passando pelo e-mail do diretor de campanha de Hillary Clinton, John Podesta, e concluindo na própria candidata democrata..A WikiLeaks divulgou muitos desses e-mails e outros documentos tendo influenciado o clima político norte-americano. Essa divulgação foi bem recebida em público por Trump e pela sua campanha. A primeira série de e-mails do presidente da campanha de Clinton foi divulgada em outubro de 2016, no mesmo dia em que foi revelada uma gravação de Trump a gabar-se em termos sexistas sobre o seu poder em relação às mulheres..Os investigadores nunca estabeleceram se houve alguma relação entre esses dois acontecimentos..Embora os diretores de campanha de Trump tenham elogiado Stone no momento da divulgação da WikiLeaks, o próprio começou a dizer mais tarde que não teve nenhuma ação e que simplesmente deixou os interlocutores acreditarem que estava a gerir os acontecimentos, quando não o fazia..O intermediário.Na Comissão de Serviços Secretos da Câmara sobre o escândalo russo, Stone afirmou que tinha um "intermediário" para Assange, que o informou sobre o que a WikiLeaks tinha reservado para atormentar a campanha Clinton. Stone, primeiro, identificou a sua fonte secreta como um "jornalista" não identificado. Mais tarde, à comissão, identificou a fonte como Randy Credico, um comediante que tinha um programa de rádio em Nova Iorque e que, um mês antes, havia entrevistado Assange por telefone. Dois meses depois, Credico enviou uma mensagem de texto a Stone: Assange tem "kryptonite contra Hillary.".Mais tarde, Credico desloca-se a Londres, mas, segundo os registos da embaixada equatoriana, não foi visita de Assange. No dia 1 de outubro, Credico enviou uma mensagem a Stone: "Grandes notícias quarta-feira... agora finge que não me conheces... a campanha de Hillary vai morrer nesta semana.".Mais tarde, quando o papel da Rússia estava a ser investigado na interferência das eleições, o homem que trabalhou nas campanhas de Nixon e Reagan, entre outros republicanos, insultou Credico: "És um rato, um bufo. Apunhalas os teus amigos", e ameaçou Credico de matar o seu cão, como conta o coautor de Roleta Russa, Michael Isikoff, na Yahoo News..Não se sabe, porém, se Stone de facto tinha informação privilegiada. Assange anunciara em junho que tinha material incriminatório sobre Clinton. E Stone tentou chegar ao ativista australiano..Da investigação de Mueller ficou a saber-se que o próprio Donald Trump recebeu um telefonema de alguém (cujo nome está rasurado na versão publicada) que lhe dizia que nas próximas semanas chegariam mais revelações. Depois, segundo o que o vice-diretor da campanha Rick Gates disse às autoridades, uma das figuras de topo da campanha contactou Stone para que este partilhasse o que sabia..Na investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a influência russa nas eleições, foi revelado o quanto Trump e os colaboradores trabalharam para conseguir mais material que pudesse fragilizar a ex-secretária de Estado..Processo de destituição prossegue.Nas próximas duas a três semanas está montado o circo no tribunal federal de Washington, a menos de um quilómetro do Capitólio, onde a Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes prossegue as diligências no processo de destituição do presidente Donald Trump..A comissão presidida pelo democrata Adam Schiff começou a publicar as transcrições das audições à porta fechada de testemunhas. Primeiro, as da ex-embaixadora em Kiev Marie Yovanovich e do ex-conselheiro do secretário de Estado Mike Pompeo, Michael McKinley. E na terça-feira foi a vez do ex-enviado especial à Ucrânia Kurt Volker e do embaixador dos EUA na UE Gordon Sondland. Este empresário e apoiante de Trump atualizou o testemunho ao Congresso e agora recorda-se de ter entregado uma mensagem a um funcionário ucraniano no qual indicava que Kiev só receberia ajuda militar se se comprometesse a investigar o filho de Joe Biden, que foi administrador de uma empresa de energia ucraniana..Sondland confirmou a pressão do presidente do EUA sobre o homólogo ucraniano, que disse ser "insidiosa"..A comissão viu quatro funcionários da Casa Branca chamados a comparecer a desrespeitarem a intimação. O mais recente a ser intimado foi o chefe de gabinete da Casa Branca, Mick Mulvaney. "Especificamente, a investigação revelou que você pode ter estado diretamente envolvido num plano orquestrado pelo presidente Trump, o seu representante pessoal, Rudolph Giuliani, e outros para reter uma desejada reunião na Casa Branca e quase 400 milhões de dólares em assistência de segurança para pressionar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a prosseguir investigações que beneficiariam os interesses políticos pessoais do presidente Trump, e comprometeram a nossa segurança nacional ao tentar fazê-Io", dizia a carta enviada a Mulvaney pela comissão, que o chama a depor no dia 9..Donald Trump diz que a investigação é "uma farsa" e uma tentativa de golpe de Estado, pelo que as ordens são para que os funcionários da Casa Branca não colaborem.