Ricardo Pereira e Nuno Pardal - um golpe de entrevista

Chega hoje aos cinemas<em> Golpe de Sol,</em> de Vicente Alves do Ó, onde brilham Ricardo Pereira e Nuno Pardal. Uma história de amores do passado que insistem em aparecer. Pedimos a Ricardo Pereira para entrevistar o seu colega Nuno Pardal. Dois atores portugueses em discurso direto.
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Quatro vezes cinco dá muito desejo. É isto que se passa num verão da Comporta onde quatro amigos de 40 anos passam algum tempo numa casa com piscina à espera de alguém que mexeu com a vida de todos. David é o homem que todos ainda amam. Esteve fora durante anos e agora há quem sonhe em recuperar o amor de uma vida. Enquanto esperam, os amigos de David, tal e qual os amigos de Alex de Lawrence Kasdan, falam da sua vida, dos seus segredos, das mentiras e dos traumas. Entre um brinde e um mergulho, o sexo vem sempre à tona.

Este é o ponto de partida de Golpe de Sol, aquele que poderá ser o melhor filme de Vicente Alves do Ó, cineasta que tem filmado a um ritmo considerável - num curto espaço de tempo deu-nos Alberto e Quero-te Tanto e tem para estrear Amadeo, biopic, de Amadeo de Souza-Cardoso. Mas Golpe de Sol, entre outros méritos, é sobretudo um filme de atores, neste caso do seu quarteto composto por Nuno Pardal, Oceana Basílio, Ricardo Pereira e Ricardo Barbosa. E porque foi uma filmagem intensa num décor único, o DN propôs a Ricardo Pereira, um dos mais internacionais atores portugueses, entrevistar Nuno Pardal. O resultado foi uma conversa à piscina no deslumbrante Dona Graça Apartments para desenterrar as memórias destas personagens viciadas na sedução, respetivamente o Vasco e o Francisco.

Ricardo Pereira (R.P.)- Foi uma grande aventura este Golpe de Sol. Nós, os atores, e o realizador, Vicente Alves do Ó, não nos largámos. Creio que o processo de termos ido antes para uma herdade ajudou. Como é que conseguimos toda essa união?

Nuno Pardal (N.P.) - Sim, ajudou imenso e isso é tão raro acontecer! Trata-se de uma oportunidade para os atores ficarem a conhecer-se mesmo! Mas neste filme tivemos uma vantagem: estávamos mesmo a dormir no plateau e ficámos juntos 24 sobre 24 horas. Ou se gosta ou se odeia! Cada um tinha o seu espaço mas depois fomos começando a juntar e a juntar, enfim, foi natural! Trabalhávamos, continuávamos juntos e depois íamos para a piscina e continuávamos a trabalhar. Íamos ao ponto de começar a trabalhar as cenas no local. A casa ficou realmente nossa e ficámos amigos com a intensidade que a história pedia. Por exemplo, a cena do pequeno-almoço tem silêncios de amigos de longa data que as pessoas não estão habituadas a ver.

R.P. - Pois, aqui tivemos tempo para ver mesmo todo o texto e mudar aquilo que eventualmente não entra na cena. Tens razão, criámos um grupo muito próximo, o grupo dos cinco. Mas agora pergunto-te, achas que a personagem do David, o tal homem que todos esperam, era mais de quem? Pergunto isso porque sinto que todas as pessoas facilmente se identificam com muitas das situações e emoções deste filme...

N.P. - Nós só podemos imaginar isso pelo o que as personagens falam em relação a ele, mas devo confessar que imaginei para a minha personagem algumas coisas. Há muita coisa que está justificada e até sou eu quem diz: "És só meu ou de ninguém - preciso de ir viver a minha vida." Mas continuo a achar que ele era mais da minha personagem, sobretudo porque se conheciam há muito. É preciso não esquecer que este meu Francisco rezava aos santos para o David voltar cada vez que entrava numa igreja.

R.P. - O que era engraçado é que o David nunca aparece e todos nós pensámos num rosto, num ator para ele. Até ao último minuto ainda chegámos a duvidar se não apareceria mesmo um ator a fazer dele...O Vicente disse que eventualmente no Golpe de Sol 2 ele pode aparecer.

N.P. - Deve ser Golpe de Sol 2- o Jantar [risos]! Isso era mesmo fixe desenvolver a história para um lado a que ninguém está à espera.

R.P. - Pensámos em milhentos nomes!

N.P. - Michael Fassbender?! Acho que sim....

R.P. - Mas o filme acaba muito bem. Como é que foi teres sempre ao teu lado e com abertura de diálogo o Vicente Alves do Ó, sobretudo quando se sabe que muito do filme é autobiográfico?

N.P. - Correu tudo bem. Claro que isso tem um lado positivo e um bocadinho negativo. Negativo por exemplo naquela cena contigo à mesa... Não foi bem castrar mas disse algo como "não é assim, eu vivi isso e sei como foi". Não foi desta maneira que o Vicente disse mas foi um bocado como eu senti. Fiquei estimulado com isso, pois tinha a minha maneira de imaginar a situação - é uma cena superimportante. Mas devo confessar que gostei de todo este processo, sobretudo a semana antes da rodagem em que passámos juntos, isso foi tão importante...

R.P. - Lembras-te como ficaste a seguir? Essa cena foi verdadeiramente intensa.

N.P. - Sim.

R.P. - Foi tocante porque estávamos no ponto de rebuçado e na energia que o filme tem.

N.P. - Ok...mas sem loucuras!!!

R.P. - Nuno, estávamos todos muito vulneráveis e emocionalmente extremamente sensíveis. Antes das filmagens, na preparação no monte alentejano estivemos sempre, mas mesmo sempre, com o Vicente e, depois, saímos para a casa do filme onde fomos cada um de nós viver para um quarto. Aliás, os quartos de cada personagem eram os quartos de cada ator. E estávamos tão juntos que a casa tinha quatro sofás e todos se sentavam no mesmo sofá entre os takes.

N.P. - Era um estado mesmo fixe...

R.P. - Isso levou-nos para uma zona da criação com zero fronteiras e sempre com vontade de ir em frente.

N.P. - Estávamos no modo do "vale tudo".

R.P. - Em algumas cenas íamos a buracos do nosso passado, história e vida. A rodagem teve momentos especiais... A história deste filme cruza-se na vida de todos nós, lá está! Isso independentemente do género ou da orientação sexual.

N.P. - Nem tem que ver com ser gay ou não. É sobre pessoas.

R.P. - E sobre relações e as marcas que elas deixam. Tentámos levar isso ao limite e, às vezes, extrapolar esse limite. Muita gente não consegue separar-se das barreiras que a sociedade impõe.

N.P. - Para ti também deve ter sido difícil. Não sei se alguma vez já tiveste uma cena assim tão sexual com um homem...

R.P. - Não, não... no Brasil fiz uma cena homossexual na série Liberdade Liberdade e ainda era maior, sobretudo na demonstração desse afeto. Mas em Golpe de Sol era importante mostrar que há pessoas que não conseguem ultrapassar esses parâmetros que a sociedade impõe. Nesse sentido, o filme aborda certas escolhas e questões sobre o que queremos para a nossa vida.

N.P. - Pois, a tua personagem não assume bem o que é. A tua cena gay é apenas pela net.

R.P. - Isso existe muito, Nuno...

N.P. - Curiosamente não é um filme em que se fala sobre ser gay ou bissexual.

R.P. - O realizador não queria que houvesse género. Esta história não deve ser catalogada como de parceiro de determinado sexo. Trata-se apenas de uma história de amor.

N.P. - Se as pessoas pensam que vão ver um filme sobre gays já o vão ver com outros olhos e não é por aí. É por isso que não gosto de ver trailers.

R.P. - Não gostas de ficar condicionado no cinema?

N.P. - Gosto de entrar num filme sem expectativas. Quero acreditar que quem vai ao cinema já não tem o preconceito homofóbico.

R.P. - Isso nem se coloca! Quem quiser ver algo novo e assistir a uma história que acompanha a vida destas personagens nem vai estar com essa questão na cabeça... Nem se trata de defender o filme... O Vicente quis contar uma história de amor. Nós como espectadores e pessoas presenciamos histórias como estas permanentemente. Aliás, isto é uma história de vida e muitos de nós já passámos por isto. As pessoas vão realmente sentir uma identificação forte com o filme.

N.P. - Há uma pergunta incrível que quem for ao cinema ver Golpe de Sol vai ter de responder: e se o seu amor de há dez anos voltar? Ou aparecer a pessoa que julgamos que o caso nunca ficou resolvido?

R.P. - No outro dia, num jantar do filme falávamos sobre se tivéssemos escolhido outro amor para a nossa vida... Mas o filme fala também de amizade, de intimidade...E o Vicente Alves do Ó é sagaz com o seu olhar muito humano. Todos nós temos uma vontade enorme de trabalhar de novo com ele. Seja Golpe de Sol 2 ou não - temos é de estar os quatro! Cada vez que vejo estes atores fico com saudades deles. Até parece que todos tínhamos uma história em comum antes desta rodagem.

N.P. - Já te conhecia mas nunca tínhamos lidado diariamente e as coisas até poderiam não ter resultado...

R.P. - Mas porque não gostas de ver realmente trailers? Como convidas o público a ver Golpe de Sol sem ver o trailer?

NP - É um filme sobre frustrações, sobre desencontros e com muita dor. É a verdade nua e crua sobre cinco pessoas.

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