Residentes não habituais custam mais de 600 milhões em benefícios fiscais
O eldorado fiscal criado para atrair os chamados "cérebros" e pensionistas com elevada capacidade financeira através de uma taxa de IRS mais baixa gerou um benefício para esses contribuintes de 620 milhões de euros em 2019, de acordo com o parecer do Tribunal de Contas (TdC) à Conta Geral do Estado.
Os dados referentes ao ano passado mostram que a despesa fiscal - receita de impostos que o Estado opta por não cobrar ou por devolver aos contribuintes - ascendeu 1153 milhões de euros, só para o IRS, representando um acréscimo de 10,2% face a 2018. Com este aumento, o benefício fiscal mantém-se com um peso de mais de metade para este imposto.
"A despesa fiscal em IRS (1153 milhões de euros) aumentou 107 milhões de euros, sendo que a referente ao benefício fiscal dos residentes não habituais [RNH] teve um incremento de 72 milhões de euros (13,1%), passando a constituir 53,7% da despesa fiscal do imposto e a mais elevada de 2019 (excluindo a despesa em sede de IVA)", lê-se no relatório da instituição que controla as contas públicas.
Criado em 2009 (e reformulado em 2012), o regime do RNH dá aos trabalhadores com profissões consideradas de elevado valor acrescentado a possibilidade de beneficiarem de uma taxa especial de IRS de 20% e aos reformados com pensões pagas por outro país a possibilidade de gozarem de isenção do pagamento de IRS. Desde o Orçamento do Estado para este ano que os pensionistas que adquiram este estatuto passam a pagar uma taxa de 10%.
Cada residente não habitual pode beneficiar deste regime fiscal durante um período máximo de dez anos.
O TdC não especifica quantas pessoas beneficiaram deste regime especial de tributação, mas os últimos dados da Autoridade Tributária (AT) indicam que há mais de 45.200 pessoas abrangidas.
Com a informação da AT, "foram instaurados 7976 processos e que, apesar de terem ocorrido correções em 2919, não foram quantificados os resultados em termos de imposto arrecadado".
No contraditório, o fisco referiu que "quando estiver implementada a medida do Simplex "Atestado Médico Multiuso Digital", a AT passará a dispor de informação que lhe permitirá efetuar um controlo mais rigoroso desta situação".
O montante de que o Estado optou por abdicar ou devolver aos contribuintes ascendeu a 13,1 mil milhões de euros, em 2019, mas falta contabilizar muitos dos benefícios fiscais atribuídos.
"A informação da Conta Geral do Estado de 2019 sobre a despesa fiscal continua a não evidenciar todos os benefícios fiscais em vigor", começa por assinalar a instituição. "Dos 383 benefícios fiscais identificados pela AT, apenas quantifica a despesa relativa a 179 e que totaliza 13 171 milhões de euros, mais 1806 milhões de euros (15,9%) face a 2018 e mais 1470 milhões (11,2%) do que o valor estimado no Orçamento do Estado", aponta o TdC.
A instituição liderada por José Tavares nota que "esta tendência crescente contraria o objetivo assumido pelo governo no Programa de Estabilidade 2019-2023, de redução progressiva da despesa fiscal".
Mas o Ministério das Finanças tem uma explicação para este acréscimo que "resulta do crescimento da economia, dado que o maior contributo tem origem na despesa fiscal de IVA (+1708 milhões de euros face a 2018), crescimento apenas parcialmente justificado por medidas de política", sublinha o gabinete de João Leão.
"Para o aumento da despesa contribuíram, essencialmente, os aumentos em sede do IVA (1708 milhões de euros), do IRS (107 milhões de euros) e do ISP (101 milhões de euros)", lê-se no parecer do TdC.
Paulo Ribeiro Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo