A deriva extremista do islão em França foi mais uma vez posta a descoberto numa controvérsia desencadeada a tempo de entrar nos temas da campanha eleitoral das eleições presidenciais, cuja primeira volta se disputa daqui por dois meses. No dia 23 de janeiro a reportagem intitulada "Perante o perigo do Islão radical, as respostas do Estado" foi transmitida no canal M6, mas antes de o ser já recebia apelos ao boicote por parte de "irmãos muçulmanos" bem como de dirigentes da França Insubmissa, o partido de extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon, candidato às presidenciais de 2012, 2017 e 2022. Depois da emissão, a apresentadora do programa Zone Interdite Ophélie Meunier e o entrevistado Amine Elbahi receberam ameaças de morte, pelo que passaram a receber proteção policial..A reportagem incluía imagens de uma loja em Roubaix, no norte de França, que vendia bonecas com o rosto removido, com o lojista a explicar que o islão proíbe mostrar a imagem de rostos; também mostrava uma escola privada em Marselha onde meninas a quem era imposto o véu estavam separadas dos rapazes "para se prepararem para o futuro"; e mostrou mesquitas onde se doutrina o salafismo, a corrente extremista do islão patrocinada quer pelo Qatar e pela Turquia (via Irmandade Muçulmana), quer pela Arábia Saudita. Tudo à margem das leis de uma república orgulhosa na sua laicidade, mas cada vez mais porosa às influências islamistas. "O islamismo é a doença do islão", disse na reportagem o imã Hassen Chalgoumi, também ele sob proteção policial..Twittertwitter1484487617722916864.Para Alain Chouet, antigo espião e ex-chefe dos serviços de informações da secreta exterior, DGSE, a França está a pagar a fatura de quatro décadas de equívocos políticos. "Temos um adversário tremendo, que não é o islão, mas que se chama salafismo. Dizem-nos: não devemos estigmatizar. Eu respondo que sim, devemos apontar o dedo ao adversário, em especial ao dinheiro que permite difundir a sua mensagem separatista", diz Chouet em entrevista ao Le Figaro..E em especial aponta o dedo à Arábia Saudita, que apoia o jihadismo "por pragmatismo, para pôr os Saud a salvo do olhar crítico do Ocidente, a salvo da concorrência imperial do Irão, a salvo da contestação democrática ou social", diz o autor do livro Sept Pas vers l"Enfer..Na segunda-feira, os procuradores de Nanterre, nos arredores de Paris, anunciaram a abertura de uma investigação às centenas de ameaças a que Meunier e Elbahi foram sujeitos, sendo que o jovem jurista foi ameaçado de decapitação. Amine Elbahi explica na reportagem que em 2020 denunciou uma associação, a AAIR, por suspeitas de ministrar cursos corânicos com subsídios do município da sua cidade, Roubaix. Em consequência, o presidente da Câmara Guillaume Delbar é suspeito de desvio de fundos e três membros da referida associação respondem em tribunal por abuso de confiança. Delbar já foi condenado por fraude fiscal noutro processo..A reportagem sobre a crescente influência dos extremistas apanhou uma sociedade anestesiada depois de uma fiada de atentados, o último dos quais ao professor Samuel Paty. Só dias depois da transmissão, perante o espanto do silêncio generalizado, começaram a surgir condenações às ameaças e alguma solidariedade para com as vítimas. Um editorial do Le Monde e sobretudo um abaixo-assinado com 160 signatários, entre jornalistas, professores universitários e intelectuais, exigiam "medidas céleres para garantir uma liberdade de expressão total em França"..Extrema-esquerda e extrema-direita tentaram mobilizar os seus eleitorados. O porta-voz da juventude da França Insubmissa David Guiraud foi dias depois a um comício em Roubaix. Antes tinha criticado o jornalismo do M6 e, por exemplo, posto em causa a existência de uma livraria islamista naquela cidade, quando a reportagem de Zone Interdite mostrava livros de ensinamentos radicais, por exemplo, como fazer a jihad ou como a mulher muçulmana nunca pode recusar-se sexualmente ao marido (um abuso em qualquer estado de direito)..Do outro lado da barricada, o candidato Éric Zemmour. "Não pode haver duas civilizações no mesmo território", já afirmara o polemista de extrema-direita. Após a emissão da reportagem, propôs a proibição do véu islâmico no espaço público, a construção de minaretes e de "mesquitas imponentes", banir todas as organizações ligadas à Irmandade Muçulmana e impedir o doutrinamento, com um controlo apertado dos imãs e do financiamento estrangeiro..cesar.avo@dn.pt
A deriva extremista do islão em França foi mais uma vez posta a descoberto numa controvérsia desencadeada a tempo de entrar nos temas da campanha eleitoral das eleições presidenciais, cuja primeira volta se disputa daqui por dois meses. No dia 23 de janeiro a reportagem intitulada "Perante o perigo do Islão radical, as respostas do Estado" foi transmitida no canal M6, mas antes de o ser já recebia apelos ao boicote por parte de "irmãos muçulmanos" bem como de dirigentes da França Insubmissa, o partido de extrema-esquerda de Jean-Luc Mélenchon, candidato às presidenciais de 2012, 2017 e 2022. Depois da emissão, a apresentadora do programa Zone Interdite Ophélie Meunier e o entrevistado Amine Elbahi receberam ameaças de morte, pelo que passaram a receber proteção policial..A reportagem incluía imagens de uma loja em Roubaix, no norte de França, que vendia bonecas com o rosto removido, com o lojista a explicar que o islão proíbe mostrar a imagem de rostos; também mostrava uma escola privada em Marselha onde meninas a quem era imposto o véu estavam separadas dos rapazes "para se prepararem para o futuro"; e mostrou mesquitas onde se doutrina o salafismo, a corrente extremista do islão patrocinada quer pelo Qatar e pela Turquia (via Irmandade Muçulmana), quer pela Arábia Saudita. Tudo à margem das leis de uma república orgulhosa na sua laicidade, mas cada vez mais porosa às influências islamistas. "O islamismo é a doença do islão", disse na reportagem o imã Hassen Chalgoumi, também ele sob proteção policial..Twittertwitter1484487617722916864.Para Alain Chouet, antigo espião e ex-chefe dos serviços de informações da secreta exterior, DGSE, a França está a pagar a fatura de quatro décadas de equívocos políticos. "Temos um adversário tremendo, que não é o islão, mas que se chama salafismo. Dizem-nos: não devemos estigmatizar. Eu respondo que sim, devemos apontar o dedo ao adversário, em especial ao dinheiro que permite difundir a sua mensagem separatista", diz Chouet em entrevista ao Le Figaro..E em especial aponta o dedo à Arábia Saudita, que apoia o jihadismo "por pragmatismo, para pôr os Saud a salvo do olhar crítico do Ocidente, a salvo da concorrência imperial do Irão, a salvo da contestação democrática ou social", diz o autor do livro Sept Pas vers l"Enfer..Na segunda-feira, os procuradores de Nanterre, nos arredores de Paris, anunciaram a abertura de uma investigação às centenas de ameaças a que Meunier e Elbahi foram sujeitos, sendo que o jovem jurista foi ameaçado de decapitação. Amine Elbahi explica na reportagem que em 2020 denunciou uma associação, a AAIR, por suspeitas de ministrar cursos corânicos com subsídios do município da sua cidade, Roubaix. Em consequência, o presidente da Câmara Guillaume Delbar é suspeito de desvio de fundos e três membros da referida associação respondem em tribunal por abuso de confiança. Delbar já foi condenado por fraude fiscal noutro processo..A reportagem sobre a crescente influência dos extremistas apanhou uma sociedade anestesiada depois de uma fiada de atentados, o último dos quais ao professor Samuel Paty. Só dias depois da transmissão, perante o espanto do silêncio generalizado, começaram a surgir condenações às ameaças e alguma solidariedade para com as vítimas. Um editorial do Le Monde e sobretudo um abaixo-assinado com 160 signatários, entre jornalistas, professores universitários e intelectuais, exigiam "medidas céleres para garantir uma liberdade de expressão total em França"..Extrema-esquerda e extrema-direita tentaram mobilizar os seus eleitorados. O porta-voz da juventude da França Insubmissa David Guiraud foi dias depois a um comício em Roubaix. Antes tinha criticado o jornalismo do M6 e, por exemplo, posto em causa a existência de uma livraria islamista naquela cidade, quando a reportagem de Zone Interdite mostrava livros de ensinamentos radicais, por exemplo, como fazer a jihad ou como a mulher muçulmana nunca pode recusar-se sexualmente ao marido (um abuso em qualquer estado de direito)..Do outro lado da barricada, o candidato Éric Zemmour. "Não pode haver duas civilizações no mesmo território", já afirmara o polemista de extrema-direita. Após a emissão da reportagem, propôs a proibição do véu islâmico no espaço público, a construção de minaretes e de "mesquitas imponentes", banir todas as organizações ligadas à Irmandade Muçulmana e impedir o doutrinamento, com um controlo apertado dos imãs e do financiamento estrangeiro..cesar.avo@dn.pt