Reino Unido mais perto de pedir o adiamento do Brexit
O Parlamento britânico aprovou esta quarta-feira à noite a emenda de Yvette Cooper por 502 votos a favor e 20 contra. A diferença foi de 482. A emenda da deputada trabalhista cita os compromissos feitos na terça-feira por Theresa May no Parlamento em relação à possibilidade de os deputados britânicos poderem votar numa extensão do artigo 50º a 14 de março caso não haja uma maioria sobre o acordo do Brexit e depois de os deputados terem votado sobre um cenário de No Deal. O governo não se opôs a esta emenda. Mas os 20 deputados que votaram contra ela são do Partido Conservador de May, embora, segundo o Guardian, nenhum integre o think tank eurocético European Research Group.
"A câmara dos Comuns está a votar na minha emenda, que diz respeito ao que a primeira-ministra disse ontem sobre as votações que serão realizadas em caso de o Reino Unido se encontrar face a um No Deal Brexit. O governo aceitou-a. Mas o ERG decidiu votar contra. Quão desesperados estão eles para conseguirem um No Deal", escreveu Yvette Cooper, no Twitter. "A emenda ganhou por 502 contra 20. Teve um apoio forte entre todos os partidos e mostra o apoio na câmara dos Comuns a salvaguardas parlamentares em caso de um No Deal", acrescentou a deputada trabalhista na mesma rede social depois de conhecer o resultado da votação.
A emenda confirma, basicamente, o calendário apresentado na terça-feira pela primeira-ministra Theresa May no mesmo Parlamento: apresentação do acordo do Brexit eventualmente revisto no dia 12, votação sobre um No Deal no dia 13 se esse acordo for rejeitado de novo, votação sobre um pedido de extensão do artigo 50º no dia 14 se for também afastado um cenário de No Deal. O Reino Unido fica, assim, mais perto de pedir à União Europeia uma qualquer extensão do prazo para sair. Ou seja, depois de tanto debate, votação, caos e tensão, os britânicos já não sairiam da União Europeia ao final do dia 29 de março.
O Parlamento britânico também aprovou esta noite, sem necessidade de ir a votos, "through on the nod", a emenda apresentada pelo deputado conservador Alberto Costa sobre o Brexit. Esta vai no sentido de negociar à parte os direitos dos cidadãos comunitários que vivem no Reino Unido e dos cidadãos britânicos que vivem na UE27 mesmo num cenário de No Deal Brexit a 29 de março. A emenda foi a que mais consenso reuniu, tendo sido apoiada por eurocéticos, pró-europeus, toda a oposição e, ao final do dia, pelo governo.
A primeira-ministra britânica, Theresa May, já garantiu, várias vezes, que esses direitos iriam ser respeitados. Os governos dos restantes Estados da UE também desenvolveram os seu planos de contingência a confiar nisso e a acreditar no princípio da reciprocidade. Mas a verdade é que, factualmente falando, não há nada escrito, com valor jurídico, que obrigue o Reino Unido a respeitar os direitos adquiridos dos cidadãos europeus que vivem no seu território se sair da UE sem um acordo com essa mesma UE.
Alberto Costa, que é de origem italiana, fora ao início do dia demitido do governo, onde era secretário parlamentar do ministro para a Escócia. Isto depois de o ministro do Interior, Sajid Javid, ter dito numa comissão parlamentar que não havia "nada de errado" com a emenda apresentada por ele e que o governo conservador a iria apoiar. A emenda de Costa diz: "Requer-se à primeira-ministra que procure, o mais rapidamente possível, um compromisso conjunto do Reino Unido e da UE no sentido de adotar a parte 2 do Acordo de Retirada sobre os Direitos dos Cidadãos qualquer que seja o desfecho das negociações sobre outros aspetos que constam no acordo de retirada" do Reino Unido da UE.
O capítulo prevê que cerca de 3,5 milhões de cidadãos da UE no Reino Unido e mais de um milhão de cidadãos britânicos nos países da UE possam continuar a residir e a trabalhar nos respetivos países de acolhimento e detalha uma série de condições e direitos como o acesso a cuidados de saúde e apoios sociais.
Segundo um porta-voz de Downing Street, citado pelo Guardian, Costa é que se demitiu do governo. "Como sabem não se pode ser membro do governo e apresentar emendas a legislação do governo. Claramente este é um tema em relação ao qual ele está muito empenhado e por isso escolheu demitir-se". Durante a tarde, o secretário de Estado David Lidington anunciou que o governo iria apoiar a emenda de Costa, depois de May ter dado a entender, na véspera, que tal não aconteceria. No mesmo sentido falou, pouco antes da votação, o ministro do Brexit, Steve Barclay, que desde logo assumiu o compromisso de escrever à UE a fazer um pedido no sentido do estabelecido naquela emenda. Ou seja: que haja um acordo, em separado, entre o Reino Unido e a UE, para proteger os direitos dos cidadãos, mesmo num cenário de No Deal Brexit.
A primeira emenda da noite a ser votada foi, porém, a do Labour de Jeremy Corbyn, que ia no sentido de requerer ao governo de Theresa May que negoceie alterações à declaração política que estejam em linha com as cinco exigências contidas na carta que o líder da oposição enviou recentemente à primeira-ministra. Foi rejeitada por 323 votos contra e 240 a favor. Uma diferença de 83 votos. Esta emenda trabalhista não falava, porém, na ideia de um segundo referendo.
Na segunda-feira, recorde-se, Corbyn declarou numa reunião do grupo parlamentar trabalhista: "Estamos comprometidos em também apresentar ou apoiar uma emenda a favor de um voto popular para impedir que um Brexit conservador prejudicial seja imposto no país". O líder do Labour sempre resistira a apoiar publicamente a ideia de um segundo referendo. Mas teve que fazê-lo sob pena de ver mais deputados saírem do partido, depois de nove terem abandonado o Labour na semana passada para cofundarem O Grupo Independente em Westminster.
A derrota da emenda do Labour esta quarta-feira à noite deixa o partido com poucas opções que não sejam apoiar um segundo referendo. "Quero sublinhar o compromisso que fizemos na segunda-feira. Se a emenda for derrotada e a primeira-ministra continuar a recusar negociar uma relação económica mais próxima [entre Reino Unido e UE], o Labour irá apoiar ou submeter uma emenda no sentido de haver um voto do público. Esse voto incluiria uma escolha entre uma saída credível ou uma permanência [na UE]", disse, horas antes, durante o debate, o trabalhista Keir Starmer. Pelo meio, o Labour suspendeu o deputado Chris Williamson, acusado de antissemitismo.
Também a emenda do Partido Nacionalista Escocês (SNP) foi rejeitada por 324 votos contra e 288 votos a favor. A diferença foi de 36 votos. Esta dizia simplesmente que o Reino Unido não deve sair da UE sem um acordo em nenhuma circunstância. Se, a nível nacional, o resultado do referendo de 23 de junho de 2016 sobre o Brexit foi de 52% a favor da saída e de 48% contra, na Irlanda do Norte e na Escócia a maioria dos eleitores votou a favor da permanência do Reino Unido na UE. Inglaterra e País de Gales votaram contra. O SNP já ameaçou em diversas ocasiões que, em caso de Brexit, sobretudo de No Deal Brexit, a Escócia poderia reavivar a ideia de repetir o seu próprio referendo sobre a independência da Escócia do Reino Unido.
Este foi o quarto debate sobre o Brexit na câmara dos Comuns desde o início deste ano. No primeiro debate e votação, a 15 de janeiro, os deputados rejeitaram o acordo fechado em novembro entre a primeira-ministra britânica Theresa May e a UE27. A margem foi de 230 votos e tratou-se de uma derrota histórica para a líder do Partido Conservador. Mesmo assim, no dia seguinte, May sobreviveu a uma moção de censura.
O segundo debate e votação ocorreu a 29 de janeiro e resultou num mandato para Theresa May, no sentido de a chefe do governo voltar a renegociar com a UE27 o acordo do Brexit, procurando soluções alternativas para o backstop, ou seja, mecanismo de salvaguarda destinado a impedir o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Apesar disso, os líderes das instituições europeias e dos restantes Estados membros da UE reafirmaram que o acordo está fechado e não é sujeito a renegociação.
A 14 de fevereiro, no Dia de São Valentim, no terceiro debate e votação, a câmara dos Comuns recusou continuar a apoiar a estratégia de Theresa May face ao Brexit, ou seja, tentar obter concessões da UE27 sobre o ponto do backstop. Nesse dia, a chefe do governo nem sequer esteve presente na votação e foi, por isso, criticada pelo líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn. A derrota foi, em parte, causada pela abstenção dos deputados conservadores eurocéticos, com o líder do think tank European Research Group, Jacob Rees-Mogg, à cabeça.
Fazendo algumas concessões à ala mais moderada do Partido Conservador, sob pena de sofrer novas fugas de deputados, como as que aconteceram na semana passada quando três eleitas desertaram para O Grupo Independente, May comprometeu-se a regressar à câmara dos Comuns com um acordo do Brexit revisto até 12 de março. Nomeadamente no que toca à questão do backstop.
Caso este não seja aprovado, no dia 13 os deputados votam sobre um No Deal Brexit. Se esta hipótese também for derrotada, no dia seguinte, dia 14, será aprovada uma moção no sentido de perguntar se os deputados querem uma extensão do artigo 50.º Se estes votarem sim, May voltará à UE27 para pedir a extensão, in extremis.
"Se o governo não conseguir o apoio para o seu plano no próximo dia 12 de março, apresentaremos no dia seguinte uma nova moção perguntando aos deputados se estão dispostos a sair da UE sem um acordo. Se recusarem esta possibilidade, apresentaremos no dia 14 uma nova moção a perguntar à Câmara se devemos solicitar uma extensão breve e limitada do artigo 50.º", declarou Theresa May, na esperança de, com esta promessa, evitar mais demissões no seu governo.
Entretanto, os líderes da UE27 começaram a reagir à ideia de uma extensão do artigo 50.º O primeiro-ministro de Portugal foi dos primeiros. Na segunda-feira, em Sharm el-Sheikh, no Egito, à margem da cimeira UE-Liga Árabe, António Costa mostrou-se favorável a uma extensão do artigo 50.º por considerar que um No Deal é o pior dos cenários. No mesmo sentido falou esta quarta-feira a chanceler alemã, Angela Merkel, dizendo que o seu governo não se oporá a uma extensão.
Já o presidente de França, Emmanuel Macron, manteve o tom de intransigência que o tem caracterizado quando toca a este assunto. "Concordaríamos com uma extensão do artigo 50.º apenas se ela for justificada por uma nova escolha dos britânicos. E não, de forma alguma, uma extensão sem ter um objetivo claro". Uma extensão ao artigo 50º terá que ser aprovada por unanimidade pela UE27.
Também o primeiro-ministro de Espanha, Pedro Sánchez, que está demissionário, ameaçou bloquear uma extensão do artigo 50º feita a qualquer preço. "Prolongar a incerteza, simplesmente atrasando a data limite, não é uma alternativa razoável ou desejável. Espanha não se vai opor à concessão de uma eventual extensão, mas essa tem quer ser feita tendo em vista uma perspetiva de resolução", declarou Pedro Sánchez numa intervenção no Parlamento espanhol, avisando também, desde logo, que a UE não vai alterar a sua posição sobre o controverso backstop. Espanha é o país da UE com mais cidadãos britânicos no seu território, cerca de 300 mil.
Esta quarta-feira, no Twitter, o negociador do Parlamento Europeu para o Brexit, o liberal Guy Verhofstadt, avisou: "Se o Parlamento do Reino Unido rejeitar o seu acordo, Theresa May irá provavelmente estender o prazo de negociação. Na minha firme opinião, se isso acontecer, isso não poderá ser durante mais do que alguns meses, de forma a permitir um consenso partidário, por forma a chegar a uma maioria. Mas não serão 21 meses de certeza!". Verhofstadt, líder do grupo do ALDE na eurocâmara e ex-primeiro-ministro da Bélgica, tem multiplicado as críticas à forma como Theresa May e os deputados britânicos têm lidado com o processo do Brexit e recebeu, na semana passada, em Bruxelas, Jeremy Corbyn.
À medida que foi elaborando planos de contingência, para um cenário de No Deal Brexit, a Comissão Europeia estabeleceu áreas que eram do domínio comunitário e outras do domínio nacional, pedido aos vários Estados membros que fizessem os seus próprios planos de contingência. Foi o que cada país fez. Pondo o enfoque nas áreas mais importantes para si nas relações com o Reino Unido. Portugal, por exemplo, além da parte económica, considerou que o mais importante era garantir os direitos dos cidadãos. Tanto dos portugueses que vivem no Reino Unido, como dos britânicos que vivem em Portugal.
"A primeira-ministra [britânica Theresa] May assumiu o compromisso de garantir, mesmo no cenário de uma saída sem Acordo, uma proteção dos direitos dos cidadãos da UE no RU similar à que está prevista no Acordo. Na sequência da publicação, em 6 de dezembro de 2018, do Policy paper do Governo britânico sobre os direitos dos cidadãos no cenário eventual de uma saída sem Acordo, aguarda-se a formalização desse compromisso de forma a garantir segurança jurídica aos cidadãos", lê-se no plano de contingência português, apresentado a 11 de janeiro pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna, Augusto Santos Silva e Eduardo Cabrita, respetivamente.
Segundo dados divulgados pela secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas havia, em junho, 309 mil portugueses detentores do National Insurance Number (necessário para poder trabalhar em território britânico). Nos anos da crise, emigraram para o Reino Unido, entre 2011 e 2015, 129 mil portugueses. Em 2017 houve 32 mil emigrantes, uma quebra de 26% em relação ao ano anterior, de 2016, quando 52% dos britânicos votaram em referendo a favor do Brexit.
Os portugueses que estejam já ou entrem no Reino Unido até 29 de março (data prevista para o Brexit) poderão regularizar a sua situação até 31 de dezembro de 2020. "Em caso de saída sem Acordo, os portugueses que tenham entrado no Reino Unido até 29.03.2019 poderão regularizar a sua situação até 31.12.2020", refere o plano de contingência português, relativo à área dos direitos dos cidadãos.
"É preciso acautelar direitos até 29 de março", frisou Santos Silva, em conferência de imprensa, sublinhando que "os direitos dos portugueses que entrem no Reino Unido ou aí residam até 29 março de 2019 serão respeitados" e o respetivo "registo pode fazer-se até 31 dezembro de 2020".
Ou seja, insistiu o governante, mesmo sem acordo, os portugueses dispõem "de mais de um ano e meio para completar todos os passos para que cidadãos residentes no Reino Unido a 29 de março, se quiserem continuar a residir, o possam fazer com cartão de residência ou o pré-registo, nos termos definidos autoridades britânicas".
Além do direito de residência, as disposições concretizadas contemplam outros direitos como o reconhecimento de habilitações e qualificações profissionais ou direitos sociais, circulação, cuidados de saúde, entre outros.
Se o Reino Unido saísse da UE com acordo, o prazo para os portugueses em território britânico regularizarem a sua situação seria até 30 de junho de 2021. Mas isso era se o acordo do Brexit fosse aprovado e houvesse, de facto, um período de transição, conforme acordado.
Segundo disse então na mesma conferência de imprensa o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, estão registados atualmente em Portugal 22 431 cidadãos britânicos. Num cenário de saída do Reino Unido sem acordo, em que não haverá o tal período de transição, o direito a adquirir estatuto de residência permanente aplicar-se-á a todos os cidadãos britânicos que cheguem a Portugal - ou possam provar que já estavam em Portugal - a 29 de março. Estes terão até ao dia 31 de dezembro de 2020 para solicitar a emissão de registo (ou pedido de estatuto de residente, no caso de serem familiares nacionais de um país que não seja da UE).
No passado dia 21 de fevereiro, o Conselho de Ministros em Portugal aprovou a proposta de lei que entregou agora na Assembleia da República prevendo medidas de proteção aos cidadãos britânicos caso o Reino Unido formalize a saída da União Europeia sem acordo.
As medidas já tinham sido anunciadas em Conselho de Ministros no passado dia 17 de janeiro e foram aprovadas nessa quinta-feira em proposta de lei já submetida ao Parlamento, prevendo uma "lógica de reciprocidade" em relação aos portugueses a residir no Reino Unido. O diploma contém uma "cláusula de suspensão" caso o tratamento equivalente não se verifique, disse então o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em conferência de imprensa no final da reunião.