Sábado, 08h30 da manhã, num comboio com ocupação que permite manter a distância social, a caminho de Sintra. É um regresso tão desejado quanto adiado, primeiro porque a proximidade de Lisboa, uma mera meia hora, a vai colocando na lista dos passeios que podem "ficar para o próximo fim de semana" e demoram a acontecer; depois porque a pandemia veio estragar o plano de associar a visita a uma das muitas iniciativas agendadas para comemorar os 25 anos como Património Mundial. Sintra deveria contar, neste ano, com mais de 200 eventos, que previsivelmente atrairiam uns três milhões de pessoas..Estão já três estrangeiros na paragem do autocarro, a poucos metros da estação, que sobe para o Castelo dos Mouros e o Palácio da Pena. O austríaco trabalha em Portugal e decidiu conhecer o sítio Património Mundial afamado, o casal inglês veio visitar amigos e aceita tranquilamente a ideia da quarentena obrigatória quando regressar a casa. Há de juntar-se ao grupo mais uma vintena, inclusive uma família alemã com um bebé no carrinho. Os turistas estão de volta - e os tuk-tuks também, convidando para subidas ao topo da serra por cinco euros por pessoa, mais 1,10 euros do que o preço do autocarro, que tarda em chegar..Avistado do comboio desde a Portela de Sintra, o Palácio da Pena está cada vez mais próximo mas ainda tem de ser conquistado, falta subir a rampa íngreme que o barão de Eschwege mandou construir aquando da ampliação, a pedido de D. Fernando II, para aceder àquela que é considerada uma das melhores expressões do romantismo do século XIX em todo o mundo. É nesse momento preciso que se percebe o real significado da necessidade de exercício físico durante o teletrabalho mas, pé ante pé, a tentar apreciar a paisagem e com admiração por quem faz aquilo com uma perna às costas, atinge-se o objetivo..Da sala de jantar ao cárcere, onde eram confinados monges sob castigo até à extinção do antigo mosteiro (que se distingue exteriormente pela cor, rosa-velho) ao Salão Nobre; à cozinha onde se preparavam os banquetes servidos na Sala dos Veados; ao Terraço da Rainha D. Amélia - a visita associa na perfeição a viagem no tempo às paisagens a perder de vista no melhor miradouro sobre a serra..Faz-lhe concorrência a observável a partir do vizinho Castelo dos Mouros, com a vantagem de que inclui o próprio palácio - vê-se, por exemplo, a partir da Torre Real, onde D. Fernando II gostaria de se refugiar para pintar. Foi ele o responsável pelo restauro ao estilo romântico deste imponente monumento fundado no século X, na sequência da conquista muçulmana da Península Ibérica, mais uma visita incontornável e que, como sempre, se traduz num agradabilíssimo passeio..Almoço com história.Neste sábado não era Dia de Piquenique, uma nova iniciativa da Parques de Sintra que tem lugar uma vez por mês até setembro e parece tentadora: mediante agendamento prévio, cestas com produtos regionais podem ser adquiridas (38 euros para duas pessoas, 52 para dois adultos e duas crianças) e consumidas numa área reservada do Parque da Pena, por exemplo, recriando um hábito comum no século XIX..A experiência terá de ficar para outro dia e, assim sendo, é embrenhado na natureza que se desce até ao centro, por um dos trilhos assinalados, numa caminhada de uns 45 minutos a que todos os santos ajudam e abre mais ainda o apetite após a manhã inteira passada lá no topo..O destino é o restaurante do hotel Tivoli Palácio de Seteais, a cerca de um quilómetro, conjugando a refeição com mais um regresso ao passado, no caso ao século XVIII, quando o edifício foi construído para o cônsul holandês Daniel Gildemeester, homem riquíssimo a quem o marquês de Pombal concedeu a exportação de diamantes. Posteriormente tornou-se residência de famílias ilustres, designadamente do quinto marquês de Marialva, que para assinalar a visita do rei João VI e da rainha Carlota Joaquina decidiu unir as duas alas existentes com um arco triunfal - hoje lugar de paragem obrigatória para a foto da praxe, até porque oferece um enquadramento perfeito do Palácio da Pena. Complicações sucessórias levariam a que o estado comprasse o palácio em 1946, convertido no hotel Tivoli nove anos depois..Cerca de duas mil peças de arte, entre quadros, tapeçarias e murais, ornamentam o boutique hotel de 30 quartos (desde 238,50 euros). Ao fundo da elegante escadaria fica o restaurante Seteais, com um terraço perfeito para um tranquilo almoço de verão: de um lado espreita-se os jardins, em frente a piscina, do outro lado a ampla vista estende-se até ao mar, vislumbrando-se em dias mais limpos..Acompanhadas por vinho de Colares, com o seu sabor único derivado do "chão de areia" onde está instalada 80% da vinha, a sopa de peixes da nossa costa e o peixe do dia com vegetais salteados, manteiga de ervas e lima, sugestões da ementa criada pelo chef Hélder Damião, são boas escolhas - tal como prometem ser o brunch de domingo (39 euros por pessoa) e os piqueniques nos jardins (95 euros para dois), duas propostas acabadinhas de lançar, a par da possibilidade de passar um dia na piscina (50 euros, 25 para crianças)..No regresso ao centro, a visão do Palácio da Regaleira não deixa de surpreender e, por isso mesmo, de atrair muitos turistas, aparentemente até mais do que o próprio Palácio da Pena. Merece visita demorada, de preferência guiada para melhor se compreender este projeto especialíssimo do Monteiro dos Milhões, como ficaria conhecido o proprietário, o rico António Carvalho Monteiro, feito à medida da sua visão do mundo e que o criativo arquiteto italiano Luigi Manini soube tornar real..Fica em agenda, por agora o passeio prossegue pela cascata e a fonte de Pisões e passa pelo hotel mais antigo da Península Ibérica, o cinco estrelas Lawrence"s. Inaugurado em 1764, é uma alternativa de alojamento (diárias rondam 150 euros) especialmente indicada para quem queira pernoitar num espaço que em tempos recebeu grandes nomes da literatura como Eça de Queiroz e Lord Byron..No centro da Maravilha.É das esplanadas do Café Paris, inaugurado em 1945, ou do Hotel Central, já com esta designação em 1900, que melhor se observa a animação da centralíssima Praça da República, se sente o pulsar de Sintra. Agora não é muito difícil conseguir mesa, como habitualmente acontecia, mas estão ambas bem compostas e vai havendo cada vez mais clientes a requisitar os pratos da cozinha portuguesa e internacional ou, simplesmente, a fazer uma pausa antes da visita ao Palácio Nacional, aproveitando para apreciar a respetiva silhueta..O que se vê remonta ao século XVI, resultado de acrescentos realizados em vários reinados ao palácio mouro inicial, já mencionado no século XI, que passou para a coroa após a conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques. Com a maior coleção de azulejos hispano-mouriscos da Europa (no seu local original), tem agora uma nova área, aberta ao público no início deste mês: os aposentos de D. Maria Pia de Saboia, última rainha a habitar o palácio, até à véspera da Implantação da República, constituídos por oito espaços com cerca de cem peças. Juntam-se assim ao quarto de dormir de D. Sebastião, à Sala das Pegas, onde eram recebidos os notáveis, ao quarto-prisão de D. Afonso VI, durante nove anos e onde viria a falecer, à Sala do Pagode Chinês, peça de marfim e osso que terá sido oferecida pelo Senado de Macau, e à cozinha, com as duas enormes chaminés. Há ainda outra novidade, visitas encenadas em que a própria D. Maria Pia serve de guia aos visitantes (a partir dos 4 anos, em datas específicas)..Num passeio para revisitar os clássicos de Sintra há mais uma morada obrigatória, nas imediações do Palácio, a Rua das Padarias 1, endereço da Casa Piriquita (na verdade há duas, na mesma rua). Começou por ser uma padaria, em 1862, passou a produzir queijadas por incentivo de D. Carlos I e, em plena II Guerra Mundial, nasciam os famosos travesseiros, pastéis recheados com doce de ovos cuja receita se mantém na posse da família mais direta - descendentes de Constância Gomes, a quem o rei chamava Piriquita devido à sua estatura. Aqui nada mudou, e ainda bem, a não ser que, de momento, não há as habituais filas à porta para comer um docinho e mandar embrulhar mais uns quantos..Artesãos dão a conhecer os seus trabalhos na Volta do Duche, o bonito caminho que conduz à estação e mantém o nome associado aos banhos públicos que encerraram há mais de um século. Como é costume, funciona igualmente como uma galeria de arte a céu aberto, exibindo esculturas de diversos autores no âmbito da iniciativa camarária Arte Pública..Músicos de rua também a usam como palco, criando a banda sonora deste fim de dia muito bem passado. É inevitável pensar que a visita deveria ser mais longa, incluir estada para, no dia seguinte, apanhar o elétrico até à praia das Maçãs, a 40 minutos, almoçar por lá e depois passear até às Azenhas do Mar e rever aquela vista de cortar a respiração. Fica para a próxima - e, desta vez, "próxima" significa "ainda neste verão"..Já bem perto da estação, justifica-se uma derradeira paragem no Café Saudade, seja para uma refeição ligeira numa das salinhas aconchegantes, especialmente adequadas nestes tempos que obrigam ao afastamento físico, seja para comprar artesanato português, reinterpretações de clássicos como o galo de Barcelos, por exemplo..Vai deixar saudades, o passeio. Sintra é um lugar realmente incrível e não surpreende que surja como uma das 101 Maravilhas do Mundo, lado a lado com a Grande Muralha da China, as pirâmides do Egito e a Capela Sistina, no livro homónimo publicado pela reputada editora Lonely Planet em dezembro último.