Reestruturação na aviação corta frota, pessoal e salários
Cortes de pessoal que já chegaram a mais de 300 mil pessoas na Europa, salários reduzidos até 45%, diminuição considerável de frotas, emissão e renegociação de dívida, encerramento de operações. A transformação das companhias aéreas para fazer face aos efeitos da pandemia é drástica e vai resultar num emagrecimento brutal das companhias de aviação, TAP incluída.
As injeções de capital estatais aprovadas em Bruxelas, que à TAP garantem até 1,2 mil milhões de euros para fazer face a necessidades de liquidez imediata - com gigantes como a Lufthansa ou a Air France a assegurar quase dez vezes mais -, estão longe de responder à altura à destruição de negócio das transportadoras, obrigando a planos de reestruturação dramáticos, despedimentos e reduções de frota acima de 12% nos maiores grupos de aviação europeus.
Já com aproximadamente 500 milhões de euros injetados na companhia - para pagar salários e cumprir outras obrigações de tesouraria - e a pouco mais de um mês de entregar o plano de reestruturação em Bruxelas, ainda não são conhecidos os objetivos da TAP para enfrentar os efeitos da crise pandémica. Ainda assim, mesmo antes de arrancarem os despedimentos já admitidos como inevitáveis pelo ministro dos Transportes, a companhia já perdeu cerca de 1500 pessoas (contratos não renovados), de um total de mais de 10,6 mil trabalhadores no final do ano passado - número que se vai multiplicar na proporção do minguar da frota, cujas primeiras previsões, em maio, apontavam para 25%.
Se o Estado, que desde julho detém 72,5% da transportadora portuguesa, tem repetido que não quer uma "tapzinha" a vontade pública pode não chegar para o impedir. O ministro Pedro Nuno Santos já admitiu que "não via com maus olhos uma parceria com a Lufthansa", de forma a conter o sangramento, mas não se prevê para breve um movimento semelhante, pelo menos enquanto todas as companhias estão em profunda crise e total transformação e ainda sem conhecer a real dimensão da pandemia e seus efeitos.
Prevendo uma recuperação lenta, que só daqui a quatro anos voltará aos valores pré-pandemia, a associação das companhias aéreas, IATA, tem vindo a ajustar para baixo as previsões para o que falta deste ano, antecipando agora menos 476 milhões de passageiros do que os que voaram entre setembro e dezembro de 2019. E as companhias têm vindo a rever em baixa as suas expectativas de receita, anunciando, em consequência, reduções brutais de capacidade e operação para se manterem vivas.
As reduções de frota já anunciadas pelos maiores grupos europeus chegam a um quinto das aeronaves em companhias como a Iberia e representam perto de 300 aviões a menos nos ares em seis grupos, incluindo gigantes como Lufthansa (-150 aviões) ou British Airways (-32), mas também low-cost como a easyJet (-51), com efeitos óbvios nas equipas, com as previsões de emagrecimento de postos de trabalho a chegar a quase metade dos trabalhadores. A Lufthansa, por exemplo, já anunciou que vai dispensar 138 mil, a Air France 49 mil e a British 45 mil funcionários.
As reduções de trabalhadores já conhecidas ultrapassam 300 mil pessoas só nos maiores grupos e a agressividade da estratégia para cumprir o objetivo de emagrecimento das estruturas tem variado apenas em grau. A British, por exemplo, está a seguir um caminho de despedimento e recontratação, obrigando os trabalhadores a aceitar novos termos e condições, ou perdem o emprego. Para acabar com redundâncias, a Lufthansa cortou horários e remuneraçoes. A Ryanair ameaça fechar as bases na Alemanha se os pilotos não aceitarem cortes de salário. A Icelandair ameaçou demitir todos os funcionários de tripulação de cabina, transferindo as suas responsabilidades para os pilotos, para forçar acordo sobre um novo CLA, e a Southwest apostou numa redução significativa da força de trabalho com a saída voluntária de 17 mil funcionários (28%) para reduzir a fatia de despedimentos.
Uma coisa é certa, porém, a destruição de postos de trabalho na aviação terá efeitos dramáticos em toda a Europa.
Em toda esta conjuntura, é mais ou menos controlável o que mais preocupa o setor: a capacidade de saber o que aí vem em relação a medidas de combate à pandemia. A falta de coordenação europeia e a consequente impossibilidade de prever o que vai acontecer têm tido um efeito destruidor, lamenta a EUROCONTROL, cujas previsões de recuperação gradual, de 50% em agosto, deixaram de ter correspondência à realidade devido às "medidas imprevisíveis, quase espontâneas" dos Estados.
"Em resposta aos surtos de covid em toda a Europa desde meados de agosto, os Estadostêm imposto restrições nacionais individuais e não coordenadas, requisitos de quarentena e medidas de teste", sublinha a representante da aviação na Europa, lamentando que "frequentemente essas medidas sejam anunciadas com muito pouca antecedência", produzindo-se assim consequências muito negativas.
"Esta 'abordagem descoordenada' por parte dos Estados gerou muita confusão e corroeu a confiança dos passageiros. As reservas futuras das companhias aéreas nos próximos meses são extremamente baixas."
Joana Petiz é jornalista do Dinheiro Vivo