Reconstrução em Pedrógão. 28 arguidos respondem por crimes de burla, falsificação e desvio de fundos
O auditório da Biblioteca Municipal de Pombal - agora transformado em sala de audiências - acolhe nesta segunda-feira a primeira sessão do julgamento sobre a reconstrução das casas de Pedrógão Grande, que arderam no incêndio de 2017. O julgamento deveria ter-se iniciado há um mês, mas acabou por ser adiado para 26 de outubro, na sequência de um pedido de prorrogação de prazo por parte da defesa.
O Ministério Público (MP) deduziu acusação contra 28 arguidos, no âmbito do inquérito que investiga alegadas irregularidades no processo de reconstrução das casas que arderam no incêndio de junho de 2017. Nesse sábado de má memória arderam cerca de 500 casas, das quais 260 eram habitação permanente. A reconstrução iniciou-se com alguma rapidez, mas não tardaram a surgir notícias de irregularidades: casas de segunda habitação ou mesmo devolutas que foram reconstruídas como se fossem residência atual dos proprietários, enquanto algumas de primeira necessidade foram sendo proteladas. Assim, o MP adiantou que "foi requerida a perda de vantagens provenientes dos crimes no montante global de 715.987,62 euros".
Entre as 28 pessoas acusadas de desvios e irregularidades no processo de reconstrução das casas, há três que pediram a abertura de instrução. É o caso do presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, que inicialmente ficou de fora deste processo. Em março, a juíza de Instrução do Tribunal de Leiria deliberou levá-lo a julgamento, acusando-o de vários crimes no processo de reconstrução das casas.
Além de Valdemar Alves, também pediram a abertura da instrução o ex-vereador Bruno Gomes (que continua a trabalhar na Câmara, uma vez que é funcionário dos quadrados da autarquia) e o construtor civil João Paiva.
De acordo com o despacho citado pela agência Lusa, Valdemar Alves e Bruno Gomes vão responder ao tribunal por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 de falsificação de documento e 20 de burla qualificada, os mesmos por que estavam indiciados na acusação do Ministério Público. Já o construtor é acusado de um crime de burla qualificada e outro de falsificação de documentos. Segundo o documento, "a qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público na acusação [a Bruno Gomes] poderá ser discutível e podem existir entendimentos divergentes".
"Contudo, considera-se que esta não é a sede própria para tomar posição sobre uma eventual alteração da qualificação jurídica dos factos, uma vez que a correta qualificação jurídica dos mesmos depende da produção de prova que se venha a realizar em julgamento e na análise conjunta de toda a prova, tanto mais que se encontram acusados 28 arguidos e apenas três requereram a instrução", lê-se na decisão.
Em março de 2019, quando já era conhecida a polémica em torno da reconstrução das casas, Valdemar Alves dizia-se ao DN "de consciência tranquila". Numa entrevista exclusiva mostrava-se confiante de que não seria sequer pronunciado, mas em março deste ano a juíza do tribunal de Leiria acabou por decidir levar o autarca a julgamento.
Entretanto, devido aos parcos 177 metros quadrados da sala de audiências do tribunal e à pandemia de covid-19, os auditórios municipais de Pombal e Batalha acabaram transformados em salas de audiência. Mas num julgamento recente, em Pombal, um grupo de advogados abandonou a sala por considerar que não reunia as condições mínimas para poderem trabalhar.
Na semana passada, o bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, e a diretora-geral da Administração Judicial, Isabel Namora, visitaram o espaço, no sentido de acautelar que o julgamento do caso de Pedrógão se poderia iniciar nesta segunda-feira, conforme programado. E sem prejuízo de as restantes sessões decorrerem num espaço maior, integrado na Exposalão, Batalha, tudo indica que estão reunidas as condições para a primeira sessão do julgamento destes 28 arguidos. No final da visita, Carlos Oliveira, o juiz-presidente, disse aos jornalistas que "o espaço é demasiado pequeno para albergar todas as pessoas. E por isso estamos a aventar essa possibilidade [da Exposalão] e tentar equipá-la o mais depressa possível".
"Em julgamentos com um número elevado de advogados e arguidos, em Leiria não é possível cumprir os dois metros de distância. Tivemos a cooperação total das autarquias da Batalha, cujo auditório permite ter até 48 pessoas, e de Pombal, que tem uma capacidade até 78 pessoas em simultâneo", explicou o juiz, certo de que nem o auditório de Pombal responde a essas situações.