Confiantes de que a reabertura de creches e do pré-escolar não será possível com as medidas de segurança previstas pelo Governo, vários educadores estão a recorrer ao apoio legal para apresentar declarações de exclusão de responsabilidade na eventualidade de ser registado um caso de contágio de uma criança no seu local de trabalho. Um documento até agora só previsto para profissionais de saúde, mas que não garante, ao contrário do esperado, a recusa de responsabilidade civil do profissional..No passado dia 4 de maio, uma educadora numa instituição pública de pré-escolar de Odemira desabafava na sua página de Facebook o desagrado quanto ao regresso ao trabalho. Numa declaração pública, a professora Agripina Maltinha temia não estarem garantidas as condições de segurança para as crianças e para si durante a reabertura. "Considero de total irresponsabilidade e um risco desnecessário a abertura dos jardins-de-infância a 20 dias do encerramento do ano letivo. Atirar para cima dos educadores a responsabilidade de controlar todas as variáveis de segurança das crianças, numa situação nova, de dimensões que ainda ninguém conhece, é perverso. É fazer cobaias com os filhos dos outros, com as suas famílias e com as pessoas que trabalham com eles", escrevia..Dado o exposto, admitiu que iria apresentar uma declaração à sua instituição, através da qual rejeitaria qualquer responsabilidade por falhas no cumprimento das regras de segurança, que já pôs em marcha através do seu advogado. "Se os pais virem que os educadores estão a lavar as mãos, terão de ser eles a defender os filhos (como deveria ter sido desde o início)", sublinhou. Contactada pelo DN, disse que ainda não tem consigo disponível o documento por se tratar de uma via "completamente nova" na sua profissão, aguardando novidades por parte do seu representante..A nota de exclusão de responsabilidade não é novidade entre profissionais de saúde. Por várias vezes, sindicatos representantes desta classe anunciaram a publicação de minutas que poderiam ser utilizadas por médicos de forma defenderem-se de qualquer responsabilidade em acidentes que resultem da falta de meios - um problema com o qual se debate o Serviço Nacional de Saúde (SNS)..No entanto, o documento não é um garante desta intenção. Em declarações ao DN, em 2018, o Sindicato dos Médicos da Zona Sul lembrava que "a minuta, por si só e sem mais, não garante, direta e automaticamente, a exclusão da responsabilidade civil do médico". O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, acrescentava que os médicos são sempre responsáveis pelos doentes e as minutas só lhes conferem alguma proteção porque provam que denunciaram a falta de condições dos serviços. O mesmo se aplicará a educadores..Certo é que para Agripina Maltinha não se trata de caso único. A Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI) disse ao DN ter conhecimento "de algumas situações" de profissionais que demonstram a mesma intenção..Público e privado divergentes.Embora algumas creches comecem a reabrir a partir do dia 18 de maio (na segunda fase de desconfinamento prevista pelo Governo), as reaberturas definitivas de todas as instituições decorrem a partir de 1 de junho, juntamente com jardins-de-infância e ATL. Para as creches, tuteladas pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, já são conhecidas algumas medidas de segurança. Quanto ao pré-escolar, sob a responsabilidade do Ministério da Educação, os educadores continuam às escuras..De acordo com o presidente da APEI, "estamos longe de nos encontrarmos numa situação em que possamos considerar seguro que educadores e crianças possam voltar a estar juntos". Apesar de sensível à necessidade de libertar os pais para regressarem ao trabalho, Luís Ribeiro acredita que "a possibilidade de uns e outros poderem infetar-se e provocar uma cadeia de infeção é ainda bastante significativo" e considera irrealistas as medidas de segurança apresentadas..A decisão de fazer regressar as crianças às creches e aos jardins-de-infância é, na sua opinião, fruto "de uma pressão de natureza económica". "As IPSS e as instituições particulares com a valência creche querem promover a reabertura das mesmas com a maior brevidade possível, de modo a atenuar os significativos prejuízos que o confinamento provocou. O problema desta decisão é que ela faz-se sem garantir o direito das crianças, que deveria ser o primeiro a estar salvaguardado", continuou, numa nota enviada ao DN. Algumas creches privadas disseram que os pais que não pagassem mensalidade não poderiam regressar enquanto não regularizassem o pagamento, sob prejuízo de perderem a vaga para os filhos..Em contracorrente, a Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP) considera ser "prematuro" que os educadores decidam entregar uma declaração de exclusão de responsabilidade, "sem primeiro conhecer" as restantes normas para a reabertura..A Direção-Geral da Saúde (DGS) disse no domingo que estavam a ser ultimadas as recomendações para o regresso às creches, para encontrar um equilíbrio de entre as boas práticas para prevenção e controlo da infeção e a capacidade de no terreno serem exequíveis e aplicáveis..Em resposta ao DN, a ACPEEP conta que esteve reunida com a DGS, a Segurança Social e outros representantes de creches, no passado dia 8 de maio, para conhecerem em primeira mão as medidas previstas para crianças e educadores. Não conseguindo "obter esclarecimentos para todas as dúvidas que nos suscitaram na apresentação", "os próprios órgãos da tutela ficaram de reavaliar, confirmar e informar".."É preciso ver que se trata de um assunto inédito, com o qual estamos todos a lidar pela primeira vez e que requer muita reflexão, discussão e ponderação. Nada está decidido. E mesmo depois de decidido, pode sempre haver uma reavaliação da evolução da pandemia e da eficácia das medidas implementadas", acrescentaram..Entre elas está o uso de máscara cirúrgica por profissionais e por crianças com idade superior a 6 anos, o distanciamento entre crianças nas pausas e nos espaços de refeição, espaçamento mínimo de dois metros entre berços, camas ou catres (que devem ser sempre utilizados pela mesma criança) e a não partilha de brinquedos pessoais. Até ao dia de reabertura, todos os trabalhadores das creches serão testados..Há pais que não vão deixar os filhos regressar.O receio dos educadores é transversal a encarregados de educação. São várias as famílias que têm sido perentórias em dizer que os seus filhos não marcarão presença na sala de aula ou nas creches e jardins-de-infância. Alguns assumem mesmo a ausência dos filhos até que seja conhecida uma vacina para a covid-19..A preocupação parece ser tanto maior quanto menor for a idade do filho. Quando a conversa passa pelas creches, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, garante que o debate é mais aguçado. Se, no secundário, "sabemos que os nossos filhos têm já autonomia para aplicar as medidas que é preciso respeitar, usar máscara, manter a distância", "na creche as crianças vão tocar umas nas outras, abraçar-se, e isso inquieta os pais". Mas "é importante lembrar que já há quem precise deste serviço", por isso equacionar a abertura não deve ficar de fora, diz..No entanto, a diretora-geral da Saúde descansa os pais. "O risco de voltar para a escola é o risco de viver em comunidade", apontou Graça Freitas, durante uma conferência de imprensa, na semana passada.."Quero dizer a todos os pais, alunos, professores, auxiliares e a toda a comunidade escolar e educativa que o regresso às aulas está a ser ponderado para garantir a segurança de todos", prometeu a diretora-geral da Saúde.