A geringonça mudou a política portuguesa e acabou a mudar a direita também. Outras forças além de PSD e CDS tentam abrir espaço - Aliança; Iniciativa Liberal e até o movimento Chega de André Ventura, que abraçou o PPM. Há também muita massa crítica a movimentar-se. Como se chegou aqui? E onde se quer chegar? A história é complexa e intrincada..O golpe de asa de António Costa, que conseguiu aliar-se ao PCP e ao BE, foi xeque-mate à aliança PSD-CDS, que ficou em primeiro lugar nas legislativas de 2015. Passos ainda se aguentou, mas acabou por sair com a derrota nas autárquicas, deixando órfãos os liberais que o apoiavam. A vitória de Rui Rio contra Santana Lopes veio abrir ainda mais o fosso dentro do PSD. A ala liberal, encabeçada por Luís Montenegro, ainda tentou um regresso à liderança, mas saiu derrotada. Enquanto isso, Santana bateu com a porta e criou o Aliança, um projeto mais encostado à direita, capaz de marcar a diferença em relação ao partido onde militou 40 anos. O CDS, que assistia de bancada à fragmentação do antigo parceiro de coligação, tentava a afirmação política no espaço da direita. Assunção Cristas assumiu as rédeas da oposição, ou pelo menos tentou..Mas as atenções continuavam viradas para os estilhaços saídos das lutas internas no PSD. É daí que nasce o Movimento 5.7, liderado pelo deputado social-democrata Miguel Morgado, ex-assessor de Passos, que hoje apresenta o seu manifesto. Um movimento que congrega independentes e figuras de vários partidos, da "área não socialista", que querem uma "clarificação cultural e política da sociedade", como diz ao DN Miguel Morgado..Esta direita, que se diz heterogénea e que não visa a criação de nenhum partido, pretende, explica Morgado, rejeitar a "aliança conjuntural e de governo" entre os partidos à esquerda. "Chegou a um ponto que não queremos mais isso", assegura.."É óbvio que o que aconteceu em 2015, com as esquerdas a entenderem-se, fez que a direita sentisse a necessidade de se articular intelectualmente", assegura um dos fundadores do Movimento 5.7, o centrista Francisco Mendes da Silva. Movimento que o politólogo José Adelino Maltez considera simples de entender: "Houve um ciclo de vitórias eleitorais à direita, agora aproxima-se um ciclo ao contrário e, quando isso acontece, começa a reorganização. Sem a habitual bipolarização PS/PSD, é normal que apareçam esses movimentos.".Francisco Mendes da Silva garante que há um caminho de discussão cultural e ideológica que é mais vasto do que os partidos de centro-direita. "Passámos os últimos dez anos em que os partidos deixaram de lado a sua ideologia, fomos atropelados pela pré-bancarrota e pelo resgate. Até este governo está determinado pelo ambiente da troika, preso a 2015." Pelo que defende: "É preciso fazer agora esse regresso à ideologia, estabelecer a diferença entre a direita e a esquerda.".E o que une esta direita de várias sensibilidades? "Entre outras coisas, a defesa da liberdade individual, cívica e económica, a primazia do indivíduo e das organizações que cria, como a família, as congregações religiosas. Rejeitar o pendor estatista a que a união de esquerda levou Portugal.".Miguel Morgado não desvendou o conteúdo do manifesto, mas deu pistas, em entrevista à Rádio Renascença: a continuidade da presença na União Europeia; o apelo à descentralização e desestatização da sociedade; um comprometimento muito forte com o desmantelamento das redes de corrupção e oligarquia; e a ameaça da "predominância cultural da chamada ideologia de género"..Mas se há quem diga querer unir, há os que preferem a cisão. Foi do PSD que saiu Santana Lopes para fazer o Aliança; foi do PSD que saiu André Ventura - que chegou a ser candidato autárquico apoiado por Passos -, que tenta fundar um partido e enquanto não consegue apoia-se no PPM. Santana à direita do PSD, Ventura na extrema-direita. José Adelino Maltez põe água na fervura de possíveis radicalismos. Por um lado, "Portugal tem uma moeda de duas faces: um governo de esquerda, mas um Presidente da República de direita". Por outro, "as direitas que vencem as esquerdas, como foi o cavaquismo, no mesmo sistema, é sempre em modo suave". Por fim: "O fascista português é cobarde e prefere dispersar pelos outros partidos.".Miguel Morgado traçará hoje as primeiras linhas de um projeto que dizem ser de união, com a garantia de que o movimento nunca se transformará num Tea Party à portuguesa. "Não queremos que ninguém sacrifique as suas diferenças. Não estamos à procura do mínimo denominador comum. Não vamos interferir nas escolhas táticas dos partidos. Cabe aos partidos interpretar as necessidades nas suas áreas políticas. Vamos apontar um caminho que é um caminho intelectual para refundar a direita.".Mas este movimento que se inspira na Aliança Democrática quererá apenas ficar-se pela reflexão?.PEDRO SANTANA LOPES - ALIANÇA.É um social-liberal, ou seja, um liberal na economia que não esquece as funções sociais do Estado e se diz europeísta, embora crítico do rumo da UE. Santana Lopes assume as bandeiras personalistas e liberais do seu novo partido. O Aliança é liberal na economia, porque defende a liberdade económica, a iniciativa privada, as empresas. Garante que o modelo social do Estado só será possível com uma mudança da estrutura de financiamento do Serviço Nacional de Saúde e a generalização dos seguros de saúde..PEDRO PASSOS COELHO - PSD.Foi o líder mais à direita do PSD e assumiu com desassombro ser um liberal na economia. Apanhado no turbilhão das medidas da troika, ainda quis ir mais além. Mostrou-se adepto da redução do Estado, que deveria ficar reduzido às suas funções essenciais, incluindo o Serviço Nacional de Saúde, que deveria ficar mais vocacionado para os mais desfavorecidos. Já fora do governo, bateu-se contra a adoção de crianças por casais gays, mas não se poderá dizer que é um conservador, puro e duro, dos costumes..ASSUNÇÃO CRISTAS - CDS.É uma democrata-cristã, que defende os valores da família, mas é tolerante nos costumes. Assumiu que queria mudar o partido, que era visto como das "elites", para uma aproximação ao povo. Na moção ao congresso do CDS, assumia o partido como uma força de "centro-direita" e não usava uma única vez os termos "democracia-cristã", talvez por isso mesmo. Defende um "Estado social" de parceria, em que o setor público é complementar do privado..MARCELO REBELO DE SOUsA - PSD.O Presidente da República é um social-democrata clássico, tal como Rio, mas com forte pendor católico. Marcelo permanece personalista e humanista, defensor da economia social de mercado e socialmente conservador, ou talvez já não tanto como foi há uns anos. Acabou a dizer "sim" à adoção gay, promulgou a procriação medicamente assistida, vetou as "barrigas de aluguer" para melhorar a lei. Também ele, quando foi líder do PSD, representou uma direita moderada que até viabilizou os Orçamentos do PS. Tentou uma AD com o CDS de Portas, que falhou..RUI RIO - PSD.O atual líder do PSD quis recentrar o partido na sua matriz social-democrata e apostar todas as fichas no eleitorado do centro. Defende o casamento entre as funções essenciais do Estado com a iniciativa privada, em particular no SNS. Assume-se um reformista, em particular dos sistemas político e de justiça. Nas contas públicas entende que em tempo de crescimento económico devem existir superavits, capazes de dar margem para as alturas de magreza financeira. É criticado internamente por alguma proximidade com o PS.