"Quis explorar mais a ambivalência da minha língua"

Quatro anos depois do último registo, o <em>alter ego </em>musical de David Santos está de regresso com<em> Uma Palavra Começada por N</em>, um arrojado disco no qual a palavra em português assume um inesperado protagonismo.
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Foi uma forma no mínimo original de apresentar um álbum, à cadência de uma música por mês, cada uma delas acompanhada do respetivo vídeo. O objetivo, como explica Noiserv em entrevista ao DN, era o de dar espaço a cada tema, num tempo em que a disponibilidade para ouvir um disco completo é cada vez mais rara. Uma Palavra Começada por N, assim se chama o novo trabalho é já o quarto álbum do músico que se estreou em 2005, mas o primeiro totalmente cantado em português - coincidência ou não, entrou diretamente para o segundo lugar do top de vendas nacional.

À semelhança dos discos anteriores, a edição física apresenta-se num formato especial, resultante de um trabalho gráfico feito em parceria com Nuno Sarmento e que remete para o conceito das canções, sugerindo diferentes maneiras de olhar para uma mesma realidade. Tal como os concertos de apresentação do disco, que já decorrem por aí, quase sempre esgotados em salas meio cheias. O próximo é já no dia 24, no Theatro Circo, em Braga, seguindo-se, já em novembro, o Teatro Sá da Bandeira, no Porto, a 11, o Teatro Tivoli, em Lisboa, a 13, e o Teatro Municipal de Vila Real, a 21.

Porquê esta opção em ir lançando uma música por mês e não todas de uma vez, como é mais habitual?
Por vários motivos, mas o principal foi para dar espaço e tempo a cada uma das músicas, para que umas não fiquem reféns das outras, como sempre acontece quando se lança um álbum, em que há sempre alguns temas que ficam esquecidos. E por vezes também porque parece que as pessoas têm cada vez menos disponibilidade para ouvir um álbum inteiro todo de seguida e desta forma cada um dos temas teve direito ao mesmo tempo de antena.

Não foi uma ideia, portanto, surgida devido à pandemia, este formato quase de videoálbum?
Não, não teve nada que ver, aliás o lançamento sempre esteve previsto para setembro. E esse conceito de videoálbum nunca foi pensado enquanto tal, mas como trabalho sempre de uma forma muito antecipada, tive tempo de fazer um vídeo próprio para cada um dos temas e deu para organizar tudo muito bem, a tempo de fazer sair o disco na data prevista.

Porquê essa aposta no formato álbum, então? E especialmente na edição física do mesmo?
Porque o objeto continua a ser importante. Quem o compra, se calhar, nem o ouve fisicamente, fazendo-o antes nas plataformas de streaming, mas as pessoas continuam a gostar de ter o objeto, seja em CD ou vinil. E enquanto conceito continuo a achar piada fazer álbuns, porque de certa forma representam um período da minha vida. Não se trata de uma mera compilação de temas avulsos, há sempre uma unidade na música que tem que ver com algo. Aliás, não é por acaso que todos nós temos "um álbum favorito" de alguém.

E o que é que representa este álbum, que surge já quatro anos depois do anterior registo, 00:00:00:00?
Os primeiros rascunhos destas músicas são de 2017, início de 2018, e surgiram na sequência de alguns receios e dúvidas existenciais minhas, como quase sempre acontece, porque não sou propriamente um artista que escreva sobre histórias de amor [risos].

E que receios eram esses?
Tinham que ver com este desafio de fazer um quarto disco, de tentar perceber se ainda tenho o que é preciso para manter as pessoas interessadas no meu trabalho. E a partir daí as coisas foram acontecendo, de forma até bastante picuinhas, nalgumas fases [risos].

É por isso que este disco parece tão despojado, quando comparado com os anteriores?
Não sei se será mais despojado, mas foi claramente uma opção minha deixar que cada tema respirasse por si. Embora não pareça, até é um álbum com várias camadas e não precisava de mais nada por cima disso, pelo menos é a sensação que tenho quando o oiço.

É também um disco com uma maior predominância da palavra em português, concorda?
Foi uma escolha consciente, porque a palavra conta para definir cada momento e quis poder explorar mais essa ambivalência da minha língua, de conseguir várias leituras por parte de quem ouve, a partir do que é dito. E foi já na fase de mistura que decidi que a palavra se devia chegar à frente. Fazia muito mais sentido assim, num disco como este.

Como é que viveu o tempo de confinamento?
Criativamente não foi muito profícuo, confesso, até porque este disco já estava terminado há muito. Foi um período que me afetou como a toda a gente e que continua a afetar, pelas razões que se sabem.

Apesar disso tudo, os concertos de apresentação do disco têm tido lotação esgotada...
Sim, mas até essa questão da lotação esgotada é estranha, porque depois subimos ao palco e a sala só está meio cheia, mas é um mal necessário para que as coisas continuem a acontecer e isso, neste momento, é o mais importante. O alinhamento inclui alguns temas antigos, mas com novas roupagens, que de certa forma tornam mais percetíveis os tais diferentes períodos de que falei, correspondentes a cada disco. Optei por ter uma luz mais fechada e mais centrada em mim, para não dar ao público essa imagem de uma sala meio vazia. E de facto não posso queixar-me, porque as pessoas têm aderido bastante ao espetáculo. Enfim, não se trata de um novo normal, mas sim de um período de exceção que todos esperamos que passe depressa.

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