Quim Torra: "Não há diálogo com o governo central, estamos a golpe de decreto"
O presidente da Generalitat de Catalunha, Quim Torra, lamenta a forma de atuar em solitário do governo de Pedro Sánchez perante a crise do covid-19. "Nas reuniões nunca há um debate para construirmos algo todos juntos. Diálogo é isso, mas estamos a golpe de decreto", afirmou esta quinta-feira durante um encontro à distância com correspondentes estrangeiros.
Torra queixa-se também da descoordenação entre o governo de Madrid e as autonomias tendo em conta que "nunca percebemos porque os anúncios de Pedro Sánchez são aos sábados e nós só somos informados um dia depois, sem poder participar em nada, sem sermos ouvidos". O presidente do governo catalão reconhece estar magoado porque gostava de "trazer soluções" e não entende o modelo adotado desde a Moncloa, ficando com as competências autonómicas mas ao mesmo tempo "temos que tratar da gestão de algo que foi centralizado". Mesmo contrariado em muitas áreas, Torra mostra-se disponível para estar ao lado do governo espanhol "quando tomar as medidas que consideramos que são corretas".
Quim Torra diz ainda não perceber porque foi levantado há uns dias o confinamento total e permitido o regresso ao trabalho a alguns setores. "Não há testes suficientes, toda a comunidade científica catalã está contra esta medida e não nos ouviram", lembra o presidente catalão, que estima que na Catalunha terão voltado ao trabalho esta semana um milhão de pessoas. Entre elas, os políticos independentistas presos condenados pelo Supremo por desobediência ao Estado a quem é permitido sair para trabalhar e voltar à prisão. Interrogado sobre a defesa destes políticos que poderiam levar o vírus para dentro da prisão, limitou-se a dizer que "não deveriam estar na prisão, mas sim livres" mas que, tendo em conta o que foi decidido pelo Estado, "devem aproveitar essas horas de liberdade com medidas de segurança". O presidente catalão lembrou que quando se fala em cumprir as medidas de segurança, "estamos a falar de solidariedade: se um se protege está a proteger o vizinho". E pensa que é importante "confiar nos nossos cidadãos, há um alto grau de cumprimento das medidas que se estão a pedir"
Desde a passada quarta-feira, a Catalunha mudou a contagem dos mortos pelo novo coronavírus depois de receber os dados dos serviços funerários. São mais 3000 mortes ainda não contabilizadas nos números oficiais de pessoas falecidas em lares e nas casas com os sintomas do vírus. "Queremos ser o mais transparentes possível porque os cidadãos têm o direito de saber a verdade. E todas as comunidades deveriam fazer o mesmo para podermos saber a situação real na que estamos", indicou Torra. E concorda igualmente que todos os países deveriam dar uma informação muito mais detalhada, para "que possam ser comparáveis". Seria uma "medida oportuna que a OMS estabelecesse uma forma para comunicar os dados porque seria melhor para todos".
As próximas eleições catalãs, ainda sem data marcada, não são agora uma preocupação para Torra. "Somos um governo independentista e agora a nossa prioridade é proteger a vida e a saúde de todos os nosso cidadãos. Não vou usar esta crise com fins partidários", sublinhou o presidente. À espera de saber o que sai da proposta de Pedro Sánchez para um Acordo de Estado com todos os partidos políticos, Torra mostra-se defensor de trabalhar em conjunto para estruturar a economia espanhola mas avisa de que "nestes acordos a Catalunha vai reclamar o seu direito à autodeterminação". Depois da ajuda aos bancos, que pagaram "todos os cidadãos, é a vez das autonomias se endividarem".
A crise económica na Catalunha preocupa igualmente o dirigente, tendo em conta que o tecido industrial da região tem 95% de pequenas empresas e autónomos e mais de 700 mil trabalhadores foram afetados pelo lay-off simplificado. "A taxa de desemprego, que conseguimos baixar até aos 11%, vai duplicar, e a queda do PIB de Catalunha vai ser de dois dígitos. E estes números podem ser piores". O turismo na Catalunha representa 12% do PIB e é um dos grandes setores mais prejudicados. "A nossa preocupação é enorme, aprovamos medidas de apoio mas é um dos setores que vai ficar mais debilitado pela crise. Já perdeu a época da Páscoa e vai perder também o verão. Vai ser um dos sectores onde mais recursos e ajudas vamos ter de pôr todos", explicou o presidente da Generalitat.
O dirigente catalão fez referência ao estudo da fundação Konrad Adenauer onde aparece que foram os estados grandes mais descentralizados como a Alemanha e os estados pequenos os que foram mais ágeis para resolver a situação. "O governo de Catalunha confrontou-se de um dia para outro com o estado de alarme sem sermos consultados, perdemos as competências e não houve diálogo. As nossas propostas foram subvalorizadas", sublinhou. Mas apesar das dificuldades, o sistema de saúde catalão conseguiu duplicar e depois triplicar o número de camas nos cuidados intensivos graças à sua força". Torra reconhece a falta de preparação perante esta crise que ninguém esperava e uma das maiores lições que tira dela é que "os lares vão ser geridos pelas autoridades de Saúde porque efetivamente os idosos que estão nestes lares têm necessidades de saúde", sublinhou.