O que é que leva uma jovem mulher do Reino Unido, França, Alemanha, Canadá, Portugal ou Estados Unidos a deixar tudo para trás e rumar à Síria para se juntar ao Estado Islâmico? A sua religião? O facto de terem sido aliciadas nas redes sociais? Nadine, uma alemã que agora quer regressar ao seu país, diz: "Se tivéssemos sido mais bem tratadas na Alemanha, 90% das mulheres teriam certamente renunciado" a partir para se juntarem ao Estado Islâmico. Será assim?.Partiram à procura de quê? São conhecidas como as "noivas" do Estado Islâmico. Todas elas se casaram na Síria, na maioria mais do que uma vez, depois de os seus maridos morrerem em combate. Todas elas têm filhos. Agora querem voltar. Porquê?.Decadente, o califado do grupo terrorista está agora reduzido a um último reduto no leste da Síria, cercado pelas Forças Democráticas Sírias em Baghuz. Não é nova a questão acerca do que fazer com aqueles que combateram nas suas fileiras, mas será talvez cada vez mais premente. No fim de semana, Donald Trump incitou a Europa a repatriar e julgar os seus cidadãos que combateram do lado do Estado Islâmico..Segundo um relatório do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, do King's College, em Londres, 41 490 cidadãos de 80 países do mundo juntaram-se ao Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Um quarto dos que partiram eram mulheres ou menores, havendo ainda o registo do nascimento de pelo menos 730 bebés filhos de mães estrangeiras. Eis algumas delas..Shamima Begum - Reino Unido."Acho que estão a ser injustos e não sei se podem fazer isso. Eu não tenho dupla nacionalidade. Esperava que a Grã-Bretanha compreendesse que eu cometi um erro. Não sabia muito bem o que era o islão. Vi estas coisas do Estado Islâmico, fui enganada." A britânica Shamima Begum, que aos 15 anos fugiu de sua casa, na zona de Bethnal Green, Londres, para se juntar ao Estado Islâmico na Síria, é atualmente o caso mais mediático entre as "noivas" do Estado Islâmico..Foi há quatro anos que deixou o Reino Unido, país onde nasceu, e agora quer voltar. Shamima acabou de ser mãe no campo de refugiados da Síria em que vive. É o seu terceiro filho, mas o único vivo, e será ele, e não o arrependimento, a principal razão para querer voltar..A sua colaboração com o grupo terrorista que várias vezes atacou diretamente a Europa valeu-lhe a decisão do governo britânico de lhe retirar a cidadania. O ministro do Interior britânico, Sajid Javid, garantiu desde o início, aliás, que o país bloquearia o regresso de Shamima, garantido por outro lado os direitos ao seu filho..Questionada sobre se sente culpa e remorsos pela morte de inocentes em nome do Estado Islâmico, responde: "Sim, OK, OK, lamento pelas famílias que perderam os seus maridos, irmãos, filhos. Não foi justo para eles. Não estavam a combater ninguém. Nem a fazer mal nenhum. Mas eu também não. E as mulheres que estão a ser mortas, neste momento, em Baghuz, também não.".Como os seus pais são ambos do Bangladesh, chegou a falar-se da possibilidade de ser este o país responsável pelo futuro de Shamima Begum, que assim não ficaria apátrida. Contudo, o ministro do Interior, Asaduzzaman Khan, foi contundente: "Este é um assunto do governo britânico. O Bangladesh nada tem que ver com ele. Ela é uma cidadã britânica de nascença e nunca pediu dupla nacionalidade junto do Bangladesh.".Hoda Muthana e Kimberly Gwen Polman - Estados Unidos da América.Tinha 20 anos e era estudante no Alabama. Enganou os pais, fazendo-os pensar que ia numa viagem de universidade, e em vez disso comprou um bilhete para a Turquia, de onde passou clandestinamente para a Síria e entrou no califado. Nessa altura publicou uma fotografia no Twitter em que se viam as suas mãos de luvas calçadas a agarrar o seu passaporte americano e, como legenda, "Bonfire [grande fogueira para queimar coisas ou para mero divertimento] em breve", acrescentando que já não iria precisar daquele passaporte. Entretanto passaram-se quatro anos e agora Hoda Muthana não diria o mesmo.."Como é que se passa de queimar um passaporte para chorar até adormecer por ter tamanho arrependimento? Como é que se mostra isso às pessoas?", pergunta numa entrevista ao The New York Times..Agora, a jovem que diz ter sido aliciada para o Estado Islâmico através de publicações que leu nas redes sociais está arrependida e quer voltar aos Estados Unidos. Em janeiro rendeu-se às forças americanas que combatiam o califado e está agora detida num campo de refugiados no norte da Síria. "Estraguei a minha vida. Estraguei o meu futuro", afirmou..O presidente dos Estados Unidos apressou-se a declarar no Twitter que deu "instruções ao secretário de Estado Mike Pompeo, e ele concorda inteiramente, para não permitir que Hoda Muthana reentre no país!".."A administração Trump continua a sua tentativa de retirar a cidadania aos cidadãos ilegalmente", afirmou o advogado da jovem de 24 anos Hassan Shibly, à ABC News. Shibly apontou a Trump a incoerência de ainda no fim de semana ter criticado, também no Twitter, os países europeus por não receberem ou julgarem as cerca de oito centenas de cidadãos europeus que combateram pelo Estado Islâmico e foram capturados pelas Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês).."Hoda Muthana tem um passaporte americano válido e é cidadã. Nasceu em Hackensack, New Jersey, em outubro de 1994, meses depois de o seu pai ter deixado de ser diplomata", argumenta o advogado..A disputa em relação à nacionalidade da jovem pode assentar no facto de o seu pai ter sido diplomata, uma vez que os filhos de diplomatas que nasçam nos Estados Unidos não são imediatamente considerados cidadãos americanos, uma vez que não estão sob jurisdição americana, explica a BBC..Kimberly Gwen Polman, de 46 anos, que tem dupla nacionalidade, americana e canadiana, está na mesma posição de Muthana. "Não tenho palavras para [descrever] como me arrependo", afirmou..As duas mulheres deram conta ao TheNew York Times da existência de uma família de quatro irmãs de Seattle, com quatro filhos, que também estavam detidas, mas noutro campo..De acordo com o Programa sobre Extremismo da Universidade de George Washington, existem 59 americanos de quem há registo de que terão ido para a Síria para se juntarem ao Estado Islâmico. O TheNew York Times acrescenta que a maioria destes terá já sido repatriada, mas que não é clara a razão pela qual pelo menos 13 mulheres americanas e seus filhos continuam na Síria..Hoda Muthana é filha de iemenitas e foi educada de forma severa sem namorados, telefones ou festas. Foi quando terminou o liceu e os pais lhe deram um telemóvel que se iniciou o seu processo de radicalização que culminaria na sua fuga em 2014..Em 2015 regozijou-se no Twitter com o ataque à redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo, que foi reivindicado pelo Estado Islâmico e que fez 12 mortos. Usou a mesma rede social para instigar outros americanos a seguir o caminho que ela própria escolhera. Entre os desafios que fez em diferentes tweets - numa conta hoje suspensa - contava-se o de "alugar um grande camião e atropelá-los a todos", referindo-se a um "inimigo maior" e defendendo que se "espalhasse todo o seu sangue"..Ao tentar fugir, chegou a ser presa e raptada. Conheceu Polman já na fase decadente do califado. As duas uniram-se no momento de escassez em que, recordam, "ver uma batata era como ver um Lamborghini". Em comum, dizem, têm o arrependimento pelas escolhas que fizeram e que as levaram à Síria. As duas conseguiram sair das mãos dos combatentes do Estado Islâmico e entregaram-se às tropas americanas..Lenora Lemke, Linda e Nadine - Alemanha.Neste mês, Lenora Lemke deu à luz Maria, na Síria. Já tinha Habiba, de 16 meses. "Espero que elas agora tenham um bom futuro. Espero-o de tal maneira..." Referindo-se à mais nova, disse: "Ela nunca teve uma verdadeira casa, brinquedos, comida ou leite. Quero dar-lhe isto. Espero que ela tenha a vida de uma criança normal. Feliz, sem bombas", disse à CNN..É um entre milhares de membros do Estado Islâmico, entre eles centenas de europeus, estima-se, sob custódia das Forças Democráticas Sírias, apoiadas pelos Estados Unidos. Não se sabe se depois da retirada das tropas norte-americanas a SDF será capaz de os manter detidos ou se se verá obrigada a deixá-los fugir, como o próprio Trump já preveniu..Lemke tinha 15 anos quando fugiu da Alemanha para a Síria. Casou-se com Martin Lemke dias após a sua chegada a território então controlado pelo califado. Estava confiante que poderia contar com o Estado Islâmico, mesmo caso ocorresse perda de território, como ocorreu. "Pensamos: o Estado Islâmico é grande. Eles têm um sistema que nos vai ajudar. Mas, quando essa altura chega, eles põe-nos só numa mesquita para ficarmos lá.".A mulher alemã contou ainda como assistiu a disputas internas no califado e como, na atual fase final e decadente do califado, as famílias já apenas imploravam por água e comida. "Comemos um pão para dois dias, a nossa filha de 1 ano não anda por ter tanta fome e nem tem dentes porque não há vitaminas, nenhuma mãe pode aceitar isto", disse. "Primeiro podemos dizer: é por Alá. Faço isto por Alá, o meu Deus. Mas quando a nossa filha está a chorar e a rebolar dizemos para nós mesmo: estás louca? O que é que isto tem que ver com o islão?".Diz não ter feito "nada" e insiste que o marido, preso pelas SDF, tinha apenas funções técnicas, que "operava computadores e não matou ninguém". A certa altura, garante, caiu em si e percebeu que estavam a tomar parte naquele "terror e assassínio de pessoas"..Não existem por ora informações relativas a um possível regresso de Lenora Lemke à Alemanha, onde no mínimo seria à partida julgada por ter pertencido a uma organização terrorista, o que poderia valer-lhe uma pena entre seis meses e dez anos. Há alguns casos em que os filhos de membros do Estado Islâmico alemães julgados no Iraque foram para a Alemanha viver com familiares. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, fez saber que não existe "nenhum programa de retorno para filhos de membros do Estado Islâmico". Muitos aguardam poder ser repatriados..O Ministério do Interior estima que cerca de mil pessoas tenham deixado a Alemanha para se juntar ao Estado Islâmico e outros grupos no Iraque e na Síria desde 2013. Perto de um terço já terão regressado à Alemanha, tendo sido acusados ou colocados em programas de reabilitação. Haverá ainda 270 mulheres e crianças no Iraque..Há muito mais mulheres alemãs na situação de Lenora Lemke. Entre elas Ayse, Linda e Nadine, todas elas na casa dos 30 anos. Também elas fugiram da Alemanha para se juntarem ao califado na Síria e imploram agora por permissão para regressar ao seu país, segundo contaram em abril ao Bild .."Fui maltratada na Alemanha por usar niqab [véu tradicional muçulmano que cobre o rosto das mulheres]", afirmou Linda, natural de Munique. "Queria viver a minha fé em paz com a minha família", que incluía o seu marido, turco, e três filhos, aos quais viria a juntar-se um quarto já nascido em Raqqa, na Síria, que chegou a ser a capital do califado. "[Na Alemanha] tínhamos medo de que nos tirassem as crianças." Influenciados por "bonitos vídeos" sobre a vida no Estado Islâmico, partiram então para a Síria.."Despejaram-me café na cabeça por usar o lenço. Bateram-me, destruíram-me coisas. Eu só queria ir embora. Se tivéssemos sido mais bem tratadas na Alemanha, 90% das mulheres teriam certamente renunciado" a partir para se juntarem ao Estado Islâmico, afirmou Nadine, que se radicalizou na adolescência e cuja família também foi capturada pelas forças sírias em Raqqa. "Eu só quero regressar à Alemanha, embora compreenda que os alemães tenham medo dos retornados", disse..Amy e Kimberley - Canadá.Seguiu o marido, apoiante do Estado Islâmico, e mudou-se para a Síria com os seus dois filhos. Grávida, a mulher natural de Alberta, Canadá, diz agora querer regressar ao Canadá. Identificou-se à estação televisiva canadiana CTV como Amy, de 34 anos, vive atualmente num campo de refugiados no leste da Síria onde os jornalistas falaram com outras três mulheres, também elas "noivas" canadianas do Estado Islâmico..Amy casou-se no Canadá com um muçulmano e converteu-se ao islão. "Ele começou a aprender mais sobre a religião e achou que já não era apropriado para nós ficar no Canadá", contou..A vida da família com o califado foi uma fuga constante em busca de segurança, conta a canadiana. O marido de Amy acabou por ser morto e ela casou-se com um homem bósnio, que morreria três meses depois e de quem ela espera agora um filho. "Quero poder criá-lo ou criá-la num ambiente seguro. Acho que deviam deixar-me ir para casa. Não acho que tenha feito algo de errado. Não matei ninguém. Não fiz mal a ninguém. Quero estar com a minha família. Quero que os meus filhos vão à escola e tenham uma educação decente."."Não fazia ideia de quanto poderia sentir falta do meu país", afirmou Kimberley, de 46 anos, à CTV. "Acho que muita gente acredita em segundas oportunidades", acrescentou outra das mulheres que procuraram agora regressar ao Canadá e que há três anos seguiu o seu marido até à Síria, onde este foi combatente do Estado Islâmico..Kimberley diz depressa ter ficado desiludida com o que encontrou. "As pessoas desapareciam à noite. Funciona de forma bastante parecida com a Gestapo [polícia nazi]." Fugir? "Havia armas em todo o lado. Não podemos apenas ir embora. Eles levam-nos de volta", recordou..De acordo com a associação Famílias contra o Extremismo Violento, haverá 27 cidadãos canadianos que querem regressar ao seu país de origem. Mais de metade terão menos de cinco anos..Duas francesas sem nome.Duas francesas que se juntaram ao Estado Islâmico na Síria, hoje detidas e vigiadas pelas forças curdas, dizem estar prontas para regressar a casa, esperando ser aí julgadas "com justiça, caso a caso, e não por tudo o que o grupo fez", afirmou a mais nova, de 29 anos e natural de Lyon. "Nós não somos animais. Somos seres humanos... Temos um coração, temos uma alma.".Ambas avisaram a agência France-Presse de que não queriam avançar detalhes acerca da sua identidade, para protegerem as suas famílias em França.."Os combatentes do Estado Islâmico assustavam-nos. Diziam-nos: 'Cortamos as vossas gargantas, violamos-vos.'" Depois das semanas de consecutivos bombardeamentos e falta de comida, a jovem mulher conseguiu dar 50 dólares a um traficante que a levou a si e aos seus dois filhos para longe do que resta do califado. Antes havia já perdido outros dois filhos, de 6 e 2 anos, num bombardeamento. Também o marido foi morto..O Estado Islâmico "executou muitas pessoas por nada, sem provas, até muçulmanos", contou, dizendo-se desapontada com o califado. O desapontamento é partilhado pela outra francesa ao seu lado, na casa dos 30 anos, casada e mãe de três crianças, que conta ter fugido dos combatentes no início deste mês com a sua família. "Não concordávamos [com o que os combatentes faziam], mas não podíamos dizer nada." O seu marido está preso..Apesar disso, as duas afirmam que não condenam os ataques quer ao jornal Charlie Hebdo, onde morreram 12 pessoas, quer à sala de concertos do Bataclan, onde morreram 90 pessoas (a que acrescem as cerca de 40 mortes ocorridas no mesmo dia e na mesma circunstância), todos em Paris. "As pessoas que o fizeram" queriam vingar os ataques aéreos franceses na Síria, defendeu a mulher mais nova..A mais nova das duas diz pôr condições para o regresso a França: a possibilidade de ser praticante do islão da forma como entender e permanecer próxima dos filhos. "Tive filhos que morreram. Não vou [para França] para matar alguém", afirmou, acrescentando que teme que lhe tirem os filhos e os ponham "em famílias de acolhimento". "Vão ser separados e vão crescer [com valores] contra a educação que lhes queremos dar.".A jovem mulher especifica depois o que quer dizer, concretizando: "Há muitas coisas em França que vão contra a nossa religião: a homossexualidade, por exemplo.".Como argumento para legitimar o seu potencial retorno a França, as duas alegam que as vidas que levaram no califado não implicaram ações violentas da sua parte e que os seus maridos tinham trabalhos civis e não de combatentes..As noivas portuguesas.Pelo menos cinco mulheres de jihadistas de origem portuguesa, mortos em combate, estão a aguardar autorização e apoio para vir para Portugal. Têm cerca de uma dezena de filhos e estão num campo de refugiados na Síria, como escreveu ontem o DN..Reema, Sabina, Fatuma e Seri foram casadas com os irmãos Edgar e Celso Costa, naturais de Sintra, que em 2013 se juntaram ao Estado Islâmico e acabaram por morrer. O pai dos dois irmãos está desde o ano passado em contacto com várias entidades nacionais e internacionais para que ajudem a trazer para Portugal as quatro noras e os sete netos, Maria, João, Musa, Aisha, Ibraheem, Zakarya e Suleiman..Estas mulheres estariam, na altura, num campo de refugiados da Cruz Vermelha no norte da Síria. Com estas quatro mulheres estariam também num campo de refugiados da Cruz Vermelha no norte da Síria Zara, mulher de Sadjo Turé (também morto), do grupo de Sintra, e os seus três filhos..O número não é definitivo, mas, para já, as autoridades de segurança têm identificado um total de oito mulheres, entre os 24 e os 35 anos, de nacionalidade portuguesa (além da de origem, no caso das provenientes de outros países).