As listas de espera para a consulta normal de obesidade no Serviço Nacional de Saúde, que dará depois acesso à cirurgia, chegam quase aos três anos em alguns hospitais, quando está estipulado que o tempo máximo de resposta não pode exceder os cinco meses. O caso mais grave atinge os 942 dias de espera, segundo os dados disponíveis no portal do SNS atualizados no primeiro trimestre deste ano..Antes da operação cirúrgica, os doentes têm de passar por consultas de endocrinologia, psicologia e nutrição para que seja feita uma avaliação multidisciplinar. "Estas consultas demoram meses a ser marcadas. No meu hospital [Curry Cabral, em Lisboa], se marcasse agora, a primeira consulta de avaliação seria no final de 2020 e depois terá de fazer um percurso de exames - o doente espera, por exemplo, nove meses por uma endoscopia. Às vezes para a segunda consulta terá de esperar outra vez entre sete e nove meses. Ou seja, um doente que entre hoje só terá a sua cirurgia em 2022", diz António Albuquerque, membro da direção da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade..Segundo o médico, a demora no acesso ao tratamento está relacionada com a falta de profissionais. Quer de especialistas a trabalhar na área da obesidade quer de anestesistas, psicólogos, nutricionistas no Serviço Nacional de Saúde. "Nós organizados até estamos. Há uma equipa multidisciplinar pronta a tratar os doentes com obesidade. O que não existe é recursos humanos suficientes", afirma António Albuquerque.."E no limite se houver falta de um anestesistas e se for preciso decidir qual é o doente que entra, não entra o doente com obesidade, porque não lhe é dada prioridade. Isto é muito injusto e penalizante, porque a obesidade é uma doença como as outras", indica o especialista..É no Hospital do Espírito Santo de Évora que se espera mais tempo por uma consulta de obesidade: 942 dias, em vez dos 180 dias máximos permitidos. Aos quais se somam os 807 dias de espera pela cirurgia. Já o presidente da Associação de Doentes Obesos e ex-Obesos (Adexo), Carlos Oliveira, garante que esta espera está a ser combatida com a colocação de novos profissionais, nomeadamente de dois anestesistas espanhóis..O hospital, em resposta ao DN, menciona que implementou no ano passado um plano de recuperação de espera para a consulta e a cirurgia de obesidade e que "este plano permitiu um aumento assinalável do número de cirurgias e de consultas". A unidade hospitalar indica ainda que o tempo médio de espera para uma consulta neste ano será de 445 dias, menos 11% que no ano anterior..Tempo de espera para uma consulta de obesidade Infogram.Também no Hospital de São João, Porto, a lista de espera atinge os 640 dias para uma consulta normal e os 408 dias nas consultas prioritárias, que têm um limite máximo de espera de 60 dias. Contactada pelo DN, a unidade hospitalar, que desde 2008 está classificada como o único centro de elevada diferenciação no tratamento da obesidade, indicou que os tempos de espera estão relacionados com a "forte procura por parte dos pacientes". ."Com o objetivo de melhorar este acesso e atendendo à diferenciação nesta área, o Centro Hospitalar Universitário de São João propôs, em 2018, ao Ministério da Saúde, a criação de um centro de responsabilidade integrado (CRI) em obesidade e, após as necessárias diligências, este CRI iniciou as suas funções em janeiro de 2019", diz o hospital, que garante ter aumentado assim o nível de consultas e de cirurgias nos últimos nove meses.."A maioria dos hospitais tinham as consultas fechadas desde que o ministro Paulo Macedo orçamentou zero para o tratamento da obesidade e ao abrirem as consultas a lista disparou", justifica Carlos Oliveira..O tempo de espera começa nas consultas e estende-se pelas cirurgias. Segundo os dados enviados pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) ao DN, entre janeiro e agosto de 2019, estavam em lista de espera para a cirurgia de obesidade 1456 doentes. Esta é a especialidade que regista maior percentagem no incumprimento nos tempos máximos de resposta garantidos no SNS. Sendo os casos mais graves o do Hospital do Espírito Santo de Évora (807 dias), o do Hospital de Braga (439 dias) e o do Hospital Geral de Santo António, do Centro Hospitalar do Porto (378 dias)..Copy: Tempo de espera para uma consulta de obesidade Infogram."Há gente que morre nas listas de espera".Considerada pela Organização Mundial da Saúde como a epidemia global do século XXI, a obesidade é uma doença crónica e o atraso da cirurgia pode ter um grande impacto na saúde dos doentes. "O problema da obesidade não é uma questão de aparência. É uma questão das doenças associadas. Enquanto esperam para ser tratados, os doentes vão ter doenças que entretanto se instalam no corpo, como diabetes, tensão alta ou apneia do sono. E nestes três anos, em que o doente é diabético, os rins, a visão e o coração podem ficar afetados. Os doentes vão ter consequências de uma doença crónica que poderia ter sido curada", diz António Albuquerque.."Há gente que morre nas listas de espera para a cirurgia. Deveria haver uma triagem ao estado do doente para que casos muito graves pudessem ultrapassar a lista de espera. Ainda no ano passado, em Faro, morreram duas pessoas na lista de espera", relembra o presidente da Adexo..A espera pela cirurgia é difícil de contornar. Há fármacos que podem ajudar no tratamento ou contribuir para evitar a progressão da doença, mas ainda não são comparticipados. "Estamos a falar de medicamentos que custam à volta de cem euros por mês e muitas pessoas não têm cem euros por mês", indica o médico do Curry Cabral. Depois, há quem recorra aos hospitais privados, mas, uma vez que os seguros não comparticipam os tratamentos de obesidade, é preciso ter poder económico. O valor da operação varia entre os oito e os 16 mil euros..No ano passado, foram operadas no SNS 2215 pessoas e em 2017 tinham sido 2086, segundo dados da ACSS, através dos procedimentos de bypass gástrico, banda gástrica, gastrectomia linear vertical (sleeve) e transposição duodenal e derivação bílio-pancreática..Mais de metade dos portugueses têm excesso de peso.5,9 milhões portugueses têm excesso de peso, segundo o Retrato da Saúde 2018. O norte é a região do país onde há mais pessoas com excesso de peso (58,6%) e o Alentejo onde o número é menor (53,4%)..Excesso de peso (por região) Infogram.Nas próximas três décadas, o excesso de peso deverá provocar 93 milhões de mortes, estima a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), num estudo divulgado na semana passada. O relatório The Heavy Burden of Obesity: The Economics of Prevention indica ainda que uma em cada quatro pessoas sofre de obesidade e que a doença custa por ano 385 mil milhões de euros. Por isso, cada vez mais os países apostam na prevenção..Faltam 650 nutricionistas no SNS, alerta Ordem.O Serviço Nacional de Saúde tem 180 nutricionistas (86 nos cuidados de saúde primários e 94 nos hospitais) "no âmbito da estratégia de reforço de promoção da saúde e prevenção da doença", indica a ACSS. No entanto, a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento, fala em 659 profissionais a menos (401 nos centros de saúde e 258 nos hospitais) para cumprir o rácio estipulado de um nutricionista para cada 20 mil cidadãos.."Se hoje as doenças que mais temos são as crónicas como é o caso da obesidade, da diabetes - e todas elas estão relacionadas com os maus hábitos alimentares -, vamos ter ganhos em ter mais equipas de nutricionistas", defende Alexandra Bento, ao DN..Atualmente, está a decorrer um concurso para a contratação de mais 40 nutricionistas para o SNS. No entanto, segundo a ordem, candidataram-se mais de mil nutricionistas para ocupar estas quatro dezenas de lugares.