Quando voltamos ao normal? Um roteiro prático
O Presidente da República voltou a propor e a Assembleia aprova mais 15 dias de Estado de Emergência. Nesta fase, a grande maioria dos portugueses está em casa, e as perguntas vão surgindo: quando podemos voltar a sair? Como saber qual a altura certa para reativar a economia?
O American Enterprise Institute publicou um relatório que pretende responder exatamente a essas perguntas. Um dos autores do relatório, Scott Gottlieb, é o ex-comissário da FDA americana, que tem sido uma das vozes mais ouvidas nos Estados Unidos sobre a resposta a esta crise.
De acordo com o relatório, podemos pensar o problema que estamos a enfrentar em 4 fases, sendo que estamos ainda na primeira, na fase do famoso "achatar a curva". Depois disso vem a reabertura parcial, depois a reabertura total, e no final - com um aviso para não deixar o trabalho inacabado - a prevenção de novas ocorrências.
A saída da fase em que estamos, segundo estes autores, deve fazer-se quando o número de novos casos registados está em queda estável há 14 dias (o que corresponde a um período de incubação) e há capacidade para testar todos aqueles que procuram cuidados médicos com um quadro de sintomas compatível com a COVID-19.
É importante que estejam reunidos os dois critérios, já que se pode imaginar um cenário de quebra nos casos confirmados provocado, não pela diminuição real da doença, mas pela diminuição da capacidade de testes. Da mesma forma, o critério da capacidade de teste salvaguarda que há forma de monitorizar um potencial novo aumento de casos, situação previsível uma vez que se aliviem as medidas.
Também por isso, este relatório recomenda que esteja implementado um sistema de vigilância apertada de casos suspeitos antes de se aliviarem as medidas. Um sistema desse género implicaria capacidade e velocidade de testes (idealmente, os resultados devem ser disponibilizados em menos de 24h, para que as autoridades de saúde atuem rapidamente sobre eles), capacidade de executar testes serológicos (testes capazes de detetar a presença de anticorpos para a doença no sangue dos indivíduos, aferindo a imunidade individual e populacional), e um sistema de informação nacional que permita conhecer e responder rapidamente a novos surtos.
De forma mais controversa, estes autores sugerem que o isolamento domiciliário possa ser feito cumprir através de monitorização GPS ou de aplicações móveis, assim como a monitorização de viajantes internacionais. Em paralelo, recomendam ainda que sejam providenciadas condições para quarentenas em instalações devidamente equipadas fora da residência de cada um - por exemplo, para casos únicos em agregados familiares de maior dimensão.
Relativamente a outra polémica questão, o uso de máscaras, os autores recomendam que toda a população adote uma forma de proteção individual, mas reservando máscaras e equipamentos de proteção para profissionais de saúde até que a quantidade destes bens seja suficiente para não pôr em risco estes últimos.
Estando cumpridas as condições acima, o relatório recomenda que se entre na fase 2, a fase da reabertura parcial. Nesse caso, escolas, universidades e negócios podem reabrir, mas mantendo algumas restrições à proximidade entre indivíduos e cuidados redobrados de higiene.
O teletrabalho deve continuar a ser preferido sempre que possível, e os eventos limitados a 50 pessoas. Além destas medidas mais gerais, os autores defendem que adultos acima dos 60 anos e com doenças que representem risco aumentado em caso de COVID-19 devem limitar a sua exposição à comunidade, de preferência até à fase 3, em que já estará disponível uma vacina. Lugares especialmente vulneráveis, como lares de idosos ou unidades de cuidados continuados, devem manter as restrições e cuidados da fase 1.
Caso se verifique um aumento do número diário de casos sem ser possível ligá-los a outros casos conhecidos - um cenário indicativo de transmissão comunitária reativada - então as medidas mais restritivas devem voltar a ser aplicadas. O mesmo se aplica quando os hospitais se aproximam novamente do limite da sua capacidade.
Sobre outra questão igualmente discutida nos últimos dias, a obtenção de imunidade por parte dos recuperados, os autores são cautelosos, referindo a necessidade de se saber mais sobre este efeito. Ainda assim, apresentam sugestões para aqueles que estarão imunes: o regresso ao trabalho; o apoio ou desempenho de funções de alto risco, como a prestação de cuidados aos doentes; ou o apoio a grupos de risco, ajudando-os a limitar a sua exposição à comunidade de forma mais eficaz.
Os autores ressalvam a necessidade de um sistema de testes serológicos fiáveis antes de se começar a diferenciar as pessoas de acordo com esta variável.
A fase 3 pode ser acionada quando exista uma vacina testada para a sua segurança e eficácia ou outras opções terapêuticas para prevenção e terapêutica da COVID-19 - e só nesse momento será possível pensar em voltar ao "normal", isto é, à vida que existia antes de a crise eclodir nas nossas vidas.
* estudante de medicina da Universidade do Porto.