Quando Salazar, o "sabichão de Coimbra", foi entrevistado por António Ferro
Quando o general Gomes da Costa falou com o jornalista António Ferro sobre o seu governo no dia 6 de junho de 1926, referiu-se a Salazar nestes termos: "O governo foi o que se pôde arranjar num momento destes. O ministro das Finanças é um tal Salazar de Coimbra. Dizem que é muito bom. O senhor conhece-o!"
António Ferro não o conhecia, e responde: "Não...". Ferro explica: "Não o conhecia, como ninguém, afinal, o conhecia, a não ser os seus discípulos e os seus colegas, a não ser as ruas íntimas e discretas de Coimbra, corredores da Universidade onde os passos se perdem..."
Salazar foi ministro por poucos dias nesse governo de Gomes da Costa e a ninguém deu explicações sobre o regresso apressado a Coimbra, diz António Ferro, ficando alguns irritados com esse "sabichão de Coimbra que só tinha vindo a Lisboa para desmancha prazeres, com o ar inocente de quem não quebra um prato..."
Para António Ferro, Salazar não era uma pessoa comum quando o pretendeu conhecer melhor: "Difícil conceber maior isolamento"; "era um exemplo de ascetismo raro"; "vivia numa casa modesta, despretensiosa" e "nem uma brecha, nem uma fraqueza" se encontrava no homem que fora ministro de poucos dias, mas quando volta a Lisboa quatro anos depois para gerir a pasta das Finanças e a direção política do Estado na chefia do governo, ressurge a curiosidade e a expectativa, e a pergunta faz-se: "Como vai proceder esse homem?"
A vontade de António Ferro em desvendar Salazar é grande: "Será o Dr.. Salazar um ditador à Mussolini ou à Sidónio Pais, mas recalcado? Será um dominador, ou um franciscano, um Maquiavel, ou um simples mas grande contabilista de almas e orçamentos?"
Após vários pedidos de entrevistas, confessa: "Não fui feliz durante muito tempo." Até que consegue o sim do chefe de governo: "E são cinco dias seguidos, duas a três horas cada tarde." Garante: "Permiti-me as maiores audácias. A elas sempre respondeu o Dr.. Salazar com uma paciência infinita".