Começou com Mulheres da Beira e Os Lobos, de Rino Lupo, seguiu-se Lisboa, Crónica Anedótica, de José Leitão de Barros, e O Táxi nº 9297, de Reinaldo Ferreira (mais conhecido por Repórter X). Falamos do património do cinema português que a Cinemateca tem vindo a divulgar em notáveis edições DVD, munidas de preciosos materiais informativos que procuram contextualizar o melhor possível as obras em causa. Desta vez, chega-nos A Revolução de Maio (1937), o mais importante filme de propaganda do Estado Novo, realizado por António Lopes Ribeiro (1908-1995), e o que não falta é informação à volta deste curiosíssimo objeto do seu tempo..O protagonista da história, César Valente (António Martínez), é um agitador "bolchevique" exilado que regressa a Portugal integrando uma conspiração cujo objetivo é derrubar o regime no dia 28 de Maio - quando teriam lugar as comemorações dos 10 anos da Revolução de 1926. Acontece que, nos dias que antecedem o plano, a sua convivência com a realidade portuguesa, a observação dos sinais de prosperidade, e o romance que nasce com uma casta enfermeira lisboeta, acabam não só por enfraquecer o espírito revolucionário deste homem mas também produzem uma mudança interior, convencendo-o de que está diante do melhor cenário político nacional....Como é que Lopes Ribeiro fabrica essa transformação que se assemelha a uma conversão religiosa? Digamos que não será tanto pela via sentimental, mas mais pela via racional, espelhada numa cena do filme em que são mostradas as estatísticas do país desde o golpe militar de 1926. Esses dados, que vemos serem consultados pelo protagonista no Instituto Nacional de Estatística, cobrem o ecrã numa manobra tosca de atirar à cara do espectador os números como prova das largas melhorias económicas e sociais operadas pelo Estado Novo..Escrito por António Ferro, do Secretariado da Propaganda Nacional, e pelo próprio António Lopes Ribeiro - sob os pseudónimos Jorge Afonso e Baltazar Fernandes -, o argumento de A Revolução de Maio é do mais cristalino que há no modo de transmitir a ideologia do Estado Novo. E, apesar disso, como conta João Bénard Costa no primeiro texto da brochura que vem com o DVD, não chegou para convencer Salazar de que era algo em que o regime devia apostar. Ficou a anedota: António Ferro perguntou no dia seguinte à estreia, "Então, Senhor Presidente, gostou?", e Salazar terá respondido, "Gostei, gostei muito. Mas aquilo acabou muito tarde e, esta noite, dormi muito mal. Olhe, não me leve mais a ver essas fitas". Assim foi..Na origem de A Revolução de Maio está a inquietação provocada pela Guerra Civil Espanhola, que fez que o regime identificasse, pela primeira vez, no cinema uma forma de abordar explicitamente as possíveis ameaças à paz nacional. Mas, como se percebe pela desvalorização desta arte por parte de Salazar, o Estado Novo nunca privilegiou o cinema enquanto meio de propaganda - ficava demasiado caro e podia comprometer as contas públicas... Por essa razão, só se produziu mais um título oficial de propaganda - O Feitiço do Império (1940) -, igualmente assinado por Lopes Ribeiro, e a função de honrar a atuação de Salazar, sobretudo no âmbito das obras públicas, e de promover os atos políticos e culturais, ficou destinada aos documentários..Como cineasta do regime que era, António Lopes Ribeiro realizou vários desses documentários, mas foi em A Revolução de Maio que pôde aplicar uma certa linguagem estética inspirada nos cineastas soviéticos (Eisenstein, Vertov) - embora o próprio recusasse tal associação, na medida em que o salazarismo procurava demarcar-se da imagem dos outros regimes autoritários. Contudo, depois de se ver o filme, pela noção clara da sua montagem que cruza o drama com imagens documentais, não restam dúvidas. E é também por tal ambivalência que esta obra alimenta, sob o ângulo histórico, os olhares analíticos..Para além do filme restaurado, o DVD inclui comentário áudio do historiador Fernando Rosas, uma versão condensada da obra, datada de 1941, e vem acompanhado do já referido pequeno livro com ilustrações e textos (em português e inglês) de Bénard da Costa, Luís Reis Torgal e Eduardo Morettin.