"Olá. Sou o teu amigo DOC. Estou a ligar-me. Estou preparado para jogar contigo." Apresentações feitas, é altura de programar os robôs. Érica Polónio, de 10 anos, desenha no caderno uma sequência de setas para pôr o pequeno robô a dançar. "Pensava que ia ser muito difícil, mas afinal é fácil." Para que dois robôs dancem frente a frente, o colega fez a mesma sequência, mas com direções contrárias: quando um vai para a direita, o outro tem de ir para a esquerda. Criados os algoritmos, carregam nas setas que se encontram na "cabeça" - passos para a frente, para trás, para os lados - e os DOC dançam sobre a mesa (ainda que sem música), perante o entusiasmo de todos..Érica está fascinada com o que o seu novo amigo de olhos azuis brilhantes e voz mecânica é capaz de fazer. "Achei muito fixe. Queria ter um em casa, mas não sei onde se compra e se o meu pai vai deixar", diz ao DN. Mais do que carregar nos botões, Sofia Pereira, 7 anos, quer abraçar o robô. "Vou receber um no aniversário, em outubro. Os meus pais vão oferecer-me." Na mesa do lado, o robô MIND dá as instruções aos rapazes: "Temos de alcançar o triângulo de cor amarela." E o professor complica: "Faz um quadrado com sete centímetros de lado." Primeiro têm de o desenhar no tablet, depois é o robô a fazê-lo..Ninguém diria que é a primeira vez que os alunos do 1.º ciclo do Estabelecimento de Ensino Santa Joana presentes na biblioteca nesta tarde de quinta-feira mexem em robôs, tal é a facilidade com que os manuseiam. Estão agora a ter os primeiros contactos com a robótica e a programação, no âmbito do programa Kids Media Lab II, que dá continuidade ao projeto individual de pós-doutoramento de Maribel Miranda Pinto, que em 2015 começou a levar a robótica a crianças do pré-escolar de escolas públicas e privadas dos distritos de Aveiro, Coimbra, Braga, Viseu e Porto..À medida que foi sendo divulgado, recorda a investigadora da Universidade do Minho, mais instituições quiseram participar, recebendo formação, apoio e recursos (como robôs), que iam rodando pelas escolas. Com o término do pós-doutoramento, Maribel Pinto ganhou um projeto da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que permite que o Kids Media Lab continue de pé, mas agora também no 1.º ciclo, com o apoio de várias instituições do ensino superior. Até agora, já foi dada formação a cerca de 300 professores.."O pensamento computacional trabalha-se sem tecnologias: o pensamento ordenado, o conceito de sequência, a orientação de objetos, as noções de orientação espacial, de lateralidade. Mas se há um conteúdo muito difícil de explicar a uma criança, trabalhamos isso de forma mais explícita com estes robôs, indo ao encontro do seu nível de desenvolvimento", explica ao DN a mentora do projeto. Existem, por isso, robôs mais orientados para o pré-escolar - como o DOC - e outros mais virados para o 1.º ciclo - como o MIND. Ambos podem ser um auxiliar na aprendizagem das diferentes disciplinas. No caso do DOC, por exemplo, há um mapa com os pontos de interesse das freguesias que pode ser útil para o Estudo do Meio, quando são abordados os itinerários. Maribel dá um exemplo: o robô vai buscar o animal para o levar ao veterinário; vai comprar um bilhete e segue para o cinema. Ou pode ser orientado num outro tapete para o resultado de uma conta..O governo português também reconhece as potencialidades destas ferramentas. Depois da implementação de um projeto-piloto que abrangeu mais de 72 mil crianças dos 3.º e 4.º anos entre 2015 e 2017, a Direção-Geral da Educação lança anualmente o convite às escolas para participarem no projeto "Programação e Robótica no Ensino Básico - Probótica", que no ano passado chegou a quase 65 mil alunos, de 802 escolas, do 1.º ao 9.º ano de escolaridade..Numa resposta por escrito enviada ao DN, o Ministério da Educação diz que "a área da Programação e da Robótica pretende ser um contributo para o desenvolvimento de capacidades associadas ao pensamento computacional, à literacia digital e fomentar competências transversais ao currículo". Além de reforçar o domínio da computação, é um complemento na aprendizagem de outros como leitura, escrita, matemática, ciências, expressões, música, arte. "O foco na programação é relevante assim como é fundamental centrar o processo nas ideias, na criatividade, na colaboração e na resolução de problemas, assumindo uma perspetiva pedagógica motivadora", diz o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues..Não querem formar programadores.Além dos robôs, o projeto Kids Media Lab utiliza o Scratch Jr, uma app instalada nos tablets, que permite que as crianças aprendam a programar pequenas histórias, a criar jogos, logo no pré-escolar, quando ainda não sabem ler nem escrever. "Desenham cenários, animam objetos e personagens. Não são meros consumidores. Colocam-se no lugar do autor, de explorador das tecnologias", indica Maribel Pinto..A investigadora ressalva que "a ideia não é que as crianças aprendam a ser programadoras ou informáticas, ou que sigam todas a área das ciências". É, por outro lado, fornecer-lhes outra forma de pensar, utilizar os recursos para "causar momentos diferentes de aula". E o resultado costuma ser positivo. "Há um grande envolvimento das crianças, que tendem a interiorizar melhor os conteúdos. E há benefícios ao nível de motivação, concentração, autonomia, colaboração.".Na opinião de Maribel Pinto, outra das vantagens da introdução da programação e robótica desde muito cedo é permitir dar oportunidades iguais a todos os alunos. "Já existem tablets e robôs em muitas casas. Assim, garantimos que todos têm acesso." Na biblioteca do colégio, há pelo menos três crianças que dizem ter robôs. É o caso de Francisco Ressurreição, de 9 anos: "Tenho há pouco tempo. Normalmente, brinco com ele três vezes por semana, mas há um modo que ainda não sei usar. Quero aprender.".Ainda a realizar a formação, Ana Cristina Ferreira, professora de 1.º ciclo no Estabelecimento de Ensino de Santa Joana, considera que esta "é uma mais-valia, porque pode ser adaptada às diferentes disciplinas, como Português, Matemática ou Estudo do Meio". "Este recurso é o mundo deles hoje em dia. De certeza que vai motivá-los mais", sublinha..Na perspetiva do colégio, explica a diretora pedagógica Cláudia Lopes, a robótica em contexto educativo é "um caminho que permite criar cenários de aprendizagem diversificados, que reúnem tecnologia e linguagens de programação, promovendo a articulação com as áreas curriculares e/ou transversais, realizando projetos contextualizados que, no seu conjunto, proporcionam ao aluno a oportunidade de desenvolver a sua criatividade e construir os seus próprios conhecimentos"..Destinado a todos os alunos do colégio, o objetivo é que o projeto comece no primeiro ciclo - com a introdução à computação e uso de robôs - e seja alargado até ao terceiro ciclo, "introduzindo a linguagem scratch em contexto de aula". Desta forma, "os alunos, desde cedo, criam hábitos de utilização das tecnologias de modo adequado e construtivo"..Os robôs vão fazer parte da vida.Muitos investigadores e educadores contestam, no entanto, a introdução à robótica e à programação em idades tão precoces. Contactado pelo DN, o psicopedagogo Renato Paiva considera que é "interessante por ser apelativa, por poder com facilidade estimular competências e funções executivas que são de grande importância para a aprendizagem, de forma articulada com as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar"..Uma das grandes vantagens é conjugar a diversão e a aprendizagem. Depois, prossegue, é "trabalhar de forma intuitiva questões de lateralidade e posicionamento, organização e sequenciação, capacidade visuopercetiva, memória, raciocínio lógico". Por outro lado, afirma, não se pode esquecer que "os robôs estarão certamente presentes no futuro destas crianças, pelo que conviver de forma natural ajudará a encarar a automação como um benefício e não como algo temeroso"..Os riscos, diz Renato Paiva, prendem-se sobretudo com as dificuldades de algumas crianças em executar as tarefas propostas. "Mas esse é o desafio dos profissionais de educação, ajudar os alunos a aprender para superar os desafios e dificuldades".