"Quanto maior é o número de amigos, mais anos se vive": os segredos do envelhecimento com qualidade

Estar com amigos, fazer desporto e apostar na dieta mediterrânica são estratégias para prevenir o envelhecimento cerebral, diz Tiago Reis Marques, psiquiatra e investigador, um dos oradores da Conferência Astellas 2019, que acontece esta quinta-feira, em Lisboa, e tem moderação de Júlio Machado Vaz.
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Uma criança que nasça hoje em Portugal pode esperar viver 81 anos, ou seja, mais 10 anos do que há três décadas. Este valor coloca o nosso país perto dos nórdicos no que toca à longevidade, mas ainda longe no que diz respeito à qualidade dos últimos anos de vida. Mas, então, o que falta fazer? É esta uma das perguntas em destaque na conferência Astellas 2019 - "Medicina Humanizada - Envelhecimento ou Longevidade?" - que decorre esta quinta-feira à tarde, nos Montes Claros, em Lisboa.

Diz a velha máxima que "creativity is intelligence having fun", ou seja, que a criatividade é a inteligência a divertir-se. E é precisamente sobre isso que irá falar Tiago Reis Marques, psiquiatra no Instituto de Psiquiatria de Maudsley e investigador e docente no King's College, ao abordar o tema "Cérebro Humano: Capacidade Criativa vs Processo de Envelhecimento". "Vou mostrar porque é que a criatividade é mais comum em pessoas jovens e porque tem tendência a diminuir ao longo do envelhecimento", adianta.

Ao DN, aquele que foi considerado o Melhor Jovem Investigador em 2015 explica que "a criatividade vem do conhecimento adquirido sobre determinado tema", mas também "da capacidade de fazer conexões entre temas". Vem, por isso, "da conectividade cerebral, da capacidade de articular assuntos dispersos, juntá-los numa só ideia e vir com uma nova solução, ideia, conceito". E está "muito mediada por um neurotransmissor, uma substância que o cérebro produz, que se chama dopamina". Segundo o psiquiatra, "à medida que o ser humano envelhece, tanto a conectividade cerebral como a quantidade do neurotransmissor têm tendência a diminuir". E, consequentemente, a criatividade também diminui.

Como prevenir o envelhecimento

Existem, no entanto, algumas estratégias que ajudam a prevenir o envelhecimento cerebral e que, por isso, podem ter influência na manutenção da capacidade de o cérebro brincar. Uma delas é, de acordo com Reis Marques, a prática desportiva: "Para o envelhecimento cerebral, é recomendado o exercício aeróbio (correr, andar de bicicleta, nadar), mais do que ginásio ou alongamentos. Um mínimo de 30 minutos uma ou duas vezes por semana já traz benefícios. Quanto mais e com maior frequência se fizer, mais ganhos se tem", sugere o investigador do King's College.

As interações sociais são também "um dos maiores fatores" de proteção no envelhecimento cerebral. "Quando maior o número de amigos e a proximidade social, mais anos se vive", refere o psiquiatra, ressalvando que "as interações sociais face a face são muito mais interessantes do que as virtuais". Além de protegerem o cérebro, têm impacto em todo o organismo, o que "tem uma ação sobre a longevidade". É por isso que é tão importante "a vida comunitária, as pessoas não passarem demasiado tempo fechadas em frente à televisão, ou deslocadas com os filhos em cidades onde não conhecem ninguém".

Outro fator importante é a alimentação. "A dieta mediterrânica está associada ao não envelhecimento cerebral, pois é rica em vegetais, óleos não saturados, ómega 3 e 6, não muito rica em carne. A portuguesa não é completamente mediterrânica, mas até é bastante equilibrada para o envelhecimento cerebral". Segundo Reis Marques, "tudo o que for oposto disto promove o envelhecimento geral e o neuroenvelhecimento".

Porquê falar de "medicina humanizada"?

Júlio Machado Vaz, que modera a conferência "Medicina Humanizada - Envelhecimento ou Longevidade?", explica o porquê da expressão Medicina Humanizada. "Durante muito tempo - e mal, na minha opinião - a medicina centrou-se muito no curar, na doença aguda, no identificar as razões, encontrar tratamentos e executá-los. Com o envelhecimento das populações, temos cada vez mais pessoas mais velhas à nossa frente que estão preocupadas com a qualidade do seu envelhecimento", diz ao DN o psiquiatra.

A preocupação deixou de ser quanto tempo a pessoa vai viver, "mas como é que vai viver". E é aí que Portugal ainda tem trabalhar para atingir o patamar dos países nórdicos. Com as doenças crónicas associadas ao envelhecimento, "há um outro verbo que passa a ter muita importância: cuidar". "Temos de estar preparados para acompanhar estas populações, não só em termos medicamentosos, mas na relação médico-utente", refere Machado Vaz.

Segundo o psiquiatra, nos últimos anos ouviu-se falar com mais frequência em medicina humanizada e (re)humanização da medicina, o que, por definição, não deveria fazer sentido. "Mas temos de ver as condições que são oferecidas aos profissionais de saúde. Quando há 10 minutos por consulta ou milhares de doentes em listas, é mais complicado fazer o que consideramos ser boa medicina", sublinha. Além disso, prossegue, há outra variável em jogo: a tecnologia. Se por um lado "é uma bênção" porque dá uma enorme ajuda aos profissionais de saúde, por outro, alerta, "há textos de médicos de renome a defender que a inteligência artificial ocupará o lugar dos médicos". Daí que, lembra, Portugal e Espanha queiram ver a relação médico-doente elevada a Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura).

Para garantir o bem-estar do doente na sua longevidade, o psiquiatra considera que é necessário aliviar o peso que é colocado sobre os cuidadores informais. "O seu estatuto e o apoio a uma população que tem uma vida duríssima são extremamente necessários. Até porque grande parte dos cuidadores tem idade avançada", frisa Júlio Machado Vaz, questionando "como se pode encarar um envelhecimento de qualidade sem uma rede de cuidados continuados que abranja todo o país?".

O grande segredo para a longevidade é, na opinião do professor aposentado, "concentrarmo-nos no presente e no futuro próximo na qualidade do envelhecimento. Se ela for boa, é natural que a longevidade aumente. Mas mais importante do que isso é ter uma longevidade satisfeita. É a velha chaveta: qualidade versus quantidade". E é preciso não dar por garantido que a esperança média de vida vai continuar a aumentar: "Ou somos capazes de rever aquilo que são os nossos estilos de vida ou podemos estagnar ou até regredir na longevidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que, com a epidemia de obesidade, podemos regredir na esperança média de vida pela primeira vez em muitos anos".

A conferência conta, ainda, com a intervenção de Joana Santos Silva, licenciada em ciências farmacêuticas e pós-graduada pela Kellogg School of Management, que vai debruçar-se sobre como é que a tecnologia vai transformar o estado de arte da longevidade, destacando os pilares tecnológicos que vão contribuir para a extensão da longevidade e para uma longevidade com melhor qualidade de vida e menos doenças incapacitantes: Genética, Big Data, Robótica, Imunoterapia, Monitorização Remota, Impressão 3D e Nova geração de imagiologia.

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