Quando Vaclav Klaus nasceu em Praga, a 19 de junho de 1941, a Checoslováquia estava sob ocupação nazi, com os alemães a imporem um protetorado à Boémia-Morávia, o país dos checos, e a criarem um Estado fantoche na parte eslovaca. Passado meio século, e depois de décadas de regime comunista, surgiram a 1 de janeiro de 1993 a República Checa (ou Chequia) e a Eslováquia, hoje dois Estados-membros da União Europeia. Nesta entrevista, o antigo primeiro-ministro e também antigo presidente checo, pediu para não lhe perguntar mais sobre a Ucrânia, "pois não sou nenhum perito e já estou cansado de dizer que é uma guerra entre o Ocidente e a Rússia". E a conversa centrou-se assim nas razões para a divisão da Checoslováquia depois do colapso do comunismo na Europa, apesar de tudo pacífica, ao contrário do que aconteceu na Jugoslávia e também na antiga União Soviética, onde ainda hoje russos e ucranianos se enfrentam, tal como arménios e azeris, só para dar dois exemplos..Casou em 1968, no mesmo ano da entrada das tropas soviéticas em Praga e da celebremente trágica Primavera de Praga. Quais são as suas memórias desse ano? Eu trabalhava na Academia Checoslovaca de Ciência no departamento de Economia e a famosa reforma económica checoslovaca, que introduzia de alguma forma os mercados no planeamento centralizado, estava feita. Essa reforma foi demasiado longe, o que significou que os russos acabaram por decidir intervir e bloqueá-la e suprimi-la a nível central. Eu fiz parte dessa história. Tinha 27 anos e já falava, escrevia, dava entrevistas e, depois disso, fui considerado uma pessoa antissocialista, anticomunista e anti-União Soviética, portanto fui despedido da Academia das Ciências e durante 20 anos estive fora do trabalho científico. Só regressei mesmo antes da queda do comunismo, por isso esses acontecimentos fizeram parte da minha vida..O seu casamento foi no mês da invasão? Não, não. O meu casamento foi no fim de julho e os russos vieram no dia 21 de agosto de 1968..Quais são as suas memórias de Alexander Dubcek, o reformista que foi derrubado pelos soviéticos? Dubcek é um herói no resto do mundo, mas muito menos herói no nosso país. A reforma começou durante os anos 1960, e 1968 foi apenas a continuação das reformas. A reforma económica foi oficialmente introduzida no dia 1 de janeiro de 1966, o que significa que foi uma continuação e entrou no processo político em janeiro de 1968 quando houve uma luta interna na liderança do Partido Comunista entre os muito conservadores e pessoas um pouco melhores. Eu nunca fui membro do Partido Comunista, no entanto fiz parte do debate alargado. Para nosso grande desgosto, o verdadeiro reformista radical não foi nomeado líder do partido por uma questão de compromisso. Dubcek estava no meio das fações em luta dentro do partido, por isso foi escolhido numa solução de compromisso. As pessoas como eu, e volto a dizer que não era membro do partido, ficaram todas muito desapontadas, pois éramos a favor de outra pessoa. Portanto, Dubcek não foi um verdadeiro líder do movimento político, aconteceu apenas ele estar no topo, e não era um participante importante nos primeiros oito meses de 1968. Ele tornou-se conhecido porque foi levado para Moscovo para assinar os protocolos. Ele era OK, provavelmente boa pessoa, mas na prática, a nível político, era absolutamente irrelevante, pelo menos para uma pessoa como eu..Vamos dar um salto para 1992, 1993. Sei que Václav Havel, antigo dissidente que era presidente, estava a tentar manter unida a Checoslováquia pós-comunista, mas tanto o senhor, que se tornou o primeiro primeiro-ministro checo, assim como os líderes da Eslováquia, tinham uma opinião diferente e impuseram-na. Quando olha para trás ainda acha que apoiar a separação foi a decisão certa? Uma coisa é apoiar, apoiar é uma terminologia ... Simplesmente, e em primeiro lugar, em todos os momentos problemáticos da nossa História nós não estávamos com a Eslováquia há mais de mil anos, estivemos juntos durante um período relativamente curto que começou em 1918. Como sabe, quando Hitler atacou a Checoslováquia em 1938/39, a Eslováquia num acordo decidiu sair, deixar a Checoslováquia e criar um Estado Eslovaco. Foi a primeira divisão do país, que não foi muito discutida durante a era comunista, depois da guerra e tudo isso, mas a ideia nunca morreu. Olhamos para isso agora e vemos que foi um momento histórico. Os eslovacos sempre quiseram mais autonomia, mais soberania, etc. O debate era sobre a forma da independência e da soberania. Assim, quando derrotámos o comunismo e nos vimos livres dele ficámos completamente felizes por podermos ter um mercado livre, partidos políticos livres e uma democracia parlamentar livre. Quando digo nós, estou-me a referir à maioria das pessoas na Checoslováquia, mas os eslovacos queriam uma coisa diferente. Eles queriam independência, soberania. Nós ficámos surpreendidos. Eu lembro-me que em fevereiro de 1990, ou seja, cinco semanas depois da Revolução de Veludo, eu era ministro das Finanças na época, o presidente Havel queria ver-se livre do adjetivo "socialista" no nome da Checoslováquia. Ele pediu ao parlamento para o fazer e para nós era uma coisa bastante lógica pois tínhamos sido durante muito tempo "República Socialista". Os políticos checos concordaram sem problema, mas os eslovacos discordaram pois queriam introduzir um hífen entre Checo e Eslováquia. Foi a primeira tentativa. Nós chamamos-lhe a "guerra do hífen". De qualquer maneira, esse foi o início de um processo permanente nos três anos que se seguiram à queda do comunismo..A sua decisão foi a de que era melhor haver uma separação? Dada a situação compreendi que nós não tínhamos nenhum direito de nos opormos à vontade eslovaca de continuar o caminho sozinha e de ser, pela primeira vez, um país, um Estado soberano. Compreendi que era necessário dizer sim..Percebo que foi uma decisão política, mas o facto de ser casado com uma eslovaca teve alguma influência nessa tomada de decisão? Sim e não. Pelo facto de ser casado com uma eslovaca eu estava mais sintonizado com a Eslováquia do que um checo típico. Eu conhecia relativamente bem a Eslováquia, tinha jogado basquetebol pela equipa checoslovaca a nível internacional e, às vezes, chegava a casa e queixava-me de que os eslovacos nos atacavam por sermos checos. A minha mulher ficava zangada e dizia que eu não gostava dos eslovacos, portanto discutíamos o assunto algumas vezes. No entanto, penso que num determinado momento, em 1991, quando cheguei a casa, a minha mulher estava zangadíssima e disse-me que estava a ouvir os eslovacos na televisão, no parlamento federal, a pedirem por favor para dividirem o país porque era impossível continuar com as coisas como estavam. Isso não influenciou dramaticamente a minha decisão, mas ajuda a explicar as opiniões em mudança, mesmo da parte checa da federação..Na Europa havia três federações comunistas: União Soviética, Jugoslávia e Checoslováquia. Na sua opinião, como político muito ativo naquele momento, porque é que foi impossível, tanto na Jugoslávia como na União Soviética, uma separação pacífica como a dos checos e dos eslovacos. Houve várias guerras nas repúblicas ex-soviéticas e também na Jugoslávia. Eram situações muito diferentes? Em alguns aspetos foi mais fácil para nós pois não havia qualquer discussão entre checos e eslovacos sobre as fronteiras, que eram claras e isso é uma coisa muito importante..Portanto, entre os checos e os eslovacos não havia um traçado de fronteira sujeito a discussão? Não. Só para compreender a situação, nós costumávamos ir todos os anos fazer uma caminhada de quatro dias com um grupo de amigos para as montanhas eslovacas e, uma vez, decidimos fazer um passeio nas montanhas da fronteira entre a Eslováquia e a Morávia. Foi com grande surpresa minha, tinha na altura 40 anos, que descobri que havia marcos de fronteira esquecidos que dividiam a região da Eslováquia do resto. Devo dizer que para mim foi uma revelação, nunca pensei que existissem, mas isso significa que na Eslováquia sempre existiu o sentimento de terem, pela primeira vez na História, o seu próprio Estado..Pensa que o principal problema que justifica os conflitos na antiga União Soviética e na Jugoslávia era o facto de haver questões em relação às fronteiras e rivalidades entre as várias comunidades étnicas, o que tornava tudo mais complexo? Esse é um aspeto. Eu diria que o facto de não existir qualquer fronteira nem questões fronteiriças ou de nacionalidade e de os eslovacos estarem na Eslováquia e os checos na Chéquia contribuiu para que não houvesse problemas..Não havia animosidade histórica? Basicamente, diria que não. Nunca houve conflitos ou lutas entre os dois países. Claro que devido à federação, depois de 1968, havia muitos eslovacos a trabalharem em Praga em cargos de grande importância, mas não houve realmente grandes mudanças de pessoas de uma região para a outra..Na minha experiência como jornalista já estive em vários eventos em que os sucessivos embaixadores checos e eslovacos estão ambos presentes e sempre em termos muito amistosos uns com os outros. Isso reflete a realidade da relação atual entre os dois povos? Quando tomámos a decisão de dividir formalmente o país eu sabia que as relações entre os checos e os eslovacos seriam melhores no futuro. Ninguém se iria queixar mais de que estava a ser enviado demasiado dinheiro para uma Eslováquia menos desenvolvida, não haveria mais disputas..Isso porque os checos, ou seja a Boémia e a Morávia, foram sempre mais ricos do que os eslovacos? Já quando eram parte do Império Austro-Húngaro a Eslováquia era mais pobre? Sim, a Chéquia era a parte mais industrializada do país e mesmo na Europa de Leste, ao contrário da Eslováquia..Como é que olha hoje em dia para o seu país, que é visto como um Estado muito bem-sucedido no âmbito da União Europeia, e também é membro da NATO? Devia ser muito mais bem-sucedido. Penso que deveria ter uma posição diferente na Europa..leonidio.ferreira@dn.p