O lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de Monsaraz, tinha 84 utentes, 50 assistentes de ação geral, nenhum médico e dois enfermeiros, que prestavam serviço apenas por algumas horas, antes de o vírus da covid-19 lá ter entrado..A Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) Inácio Coelho Perdigão, da mesma instituição, a funcionar paredes meias com o lar, tem capacidade para 30 utentes de longa duração, oito de convalescença, dois médicos, 13 enfermeiros e 20 auxiliares de ação geral, além de fisioterapeutas, assistentes sociais, terapeutas da fala, psicólogos, nutricionistas, animadores sociais e terapeutas ocupacionais. O conselho de administração da fundação é o mesmo, mas as direções técnicas funcionam separadamente. Isto mesmo foi confirmado ao DN em resposta pela FMIVPS..Os números dizem muito, o conceito de cuidados pode dizer tudo, já que lares e UCCI têm conceitos diferentes, são realidades diferentes. Mas a verdade é que recebem população com muita dependência..O modelo de lar em Portugal procura responder apenas à necessidade de cuidado social. Como a própria lei diz, este tipo de estrutura tem como objetivo o alojamento coletivo, temporário ou permanente, para pessoas idosas onde sejam desenvolvidas atividades de apoio social e prestados cuidados de enfermagem..Nestas estruturas, não há a obrigatoriedade da presença de médicos em permanência e de um quadro de pessoal diferenciado para a prestação de cuidados, até porque são estruturas que só estão dependentes da Segurança Social..As UCCI, que funcionam integradas numa rede nacional, têm como objetivo a prestação de cuidados de saúde e de apoio social de forma continuada e integrada a pessoas que, independentemente da idade, se encontrem em situação de dependência. Pessoas que por terem sido sujeitas a uma intervenção cirúrgica necessitam destes cuidados, mas também pessoas, e a lei prevê isso, com demência, que até poderão ser acolhidas por um tempo para descanso do cuidador, desde que sejam referenciadas por uma equipa de saúde..São, portanto, duas respostas com missões diferentes. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) é uma resposta de saúde, as Estruturas Residenciais para Idosos (ERPI) são respostas sociais. Em relação à RNCCI, o Ministério da Saúde diz ao DN que o balanço do seu funcionamento é positivo, sendo esta rede "segura, coesa, solidária e com elevada qualidade na prestação de cuidados"..Para Manuel Lopes, ex-coordenador da (RNCCI) e professor na Universidade de Évora, com dedicação de trabalho a esta área há mais de 20 anos, uma das diferenças entre os dois tipos de resposta é que em relação às UCCI "sabemos qual é o nível da sua efetividade, quantos doentes recebem, quanto tempo lá estão, quando saem, que cuidados receberam, etc. Ou seja, conseguimos avaliar a sua resposta e a sua eficácia. Em relação aos lares, não. É um buraco negro, porque não sabemos o que lá se passa"..As UCCI existem há 14 anos, foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 101/2006, mas talvez nunca antes tenham sido tão mencionadas. A lista de unidades que integram este conceito está publicado, revelando que, neste momento, há 394, que, ao todo, disponibilizam 9500 camas para utentes e que contam com mais de 15 mil profissionais, segundo dados fornecidos ao DN pelo Ministério da Saúde..Quanto aos lares, o conceito é mais antigo. E, hoje, Portugal já conta com mais de 2500 unidades que servem uma população de mais de 11 mil pessoas. Outro aspeto que as diferencia é o acesso a cada uma delas, o que também quer dizer alguma coisa..Numa UCCI só entra quem vai referenciado por uma equipa de três profissionais de saúde (médico, enfermeiro e assistente social), quer sejam dos cuidados hospitalares ou de cuidados de medicina familiar. Nos lares, o acesso é livre a quem procura este tipo de resposta, dependendo apenas do número de vagas e do que a própria pessoa e as famílias podem pagar..A verdade é que são estas estruturas que, mal ou bem - porque "há sempre exceções, há lares que funcionam bem", salienta Manuel Lopes -, têm assegurado a resposta à maioria da população idosa em Portugal..A questão que alguns põem agora é: o que fazer? Como mudar o modelo de lar para o adaptar às necessidades da população? Poderão os lares ser uma extensão da resposta das UCCI? Há um mundo de questões para debater. Mas, e como disse ao DN há uma semana Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias, "algo tem de mudar"..A covid-19 está a mostrar, de facto, essa necessidade desde o primeiro momento, não só porque tornou os idosos mais vulneráveis, mas também porque o seu combate exige regras às quais a maioria das ERPI não têm condições físicas e funcionais para as cumprir..Basta referir que, e como o anunciou a ministra da Saúde, "40% das mortes por covid no país são de utentes em lares". Nesta sexta-feira, continuavam ativos 60 focos de infeção em lares, com 523 utentes e 224 funcionários infetados, mas, em maio e junho, os focos em lares chegaram a atingir os mais de 300..Nas UCCI, 110 casos de infeção até abril..A tutela revelou ao DN que até à segunda quinzena de abril foram registados 110 casos de infeção, que foram controlados e que desde essa altura não há óbitos. Refere ainda que de abril até agora só voltou a existir um caso de infeção, registado no início desta semana..Mais uma vez, os números falam por si. A realidade que se viveu em Reguengos de Monsaraz pode ser a realidade de muitos outros lares e de UCCI, até porque, tal como a FMIVPS, muitas outras instituições têm os dois tipos de resposta, mas a exigência para uma e outra é que são diferentes.. Voltemos a Reguengos. A UCCI Inácio Coelho Perdigão tinha um plano de contingência, circuitos diferenciados de entradas e saídas, quartos de isolamento e doentes separados. Até agora, e de acordo com o conselho de administração, não houve infeção nem óbitos nesta unidade..No lar, segundo o relatório da Ordem dos Médicos, até à chegada dos colegas que denunciaram as condições existentes, ninguém tinha conhecimento de qualquer plano de contingência, não havia circuitos diferenciados, quartos de isolamento, nem sequer espaço para manter a distância regulamentar no combate à covid-19..O primeiro caso de infeção foi identificado a 18 de junho, mas o resultado foi de 162 casos de infeção (80 utentes, 26 profissionais e 56 pessoas da comunidade) e 18 mortes, 16 utentes, uma funcionária e um homem da comunidade. Números que têm sido repetidos exaustivamente e que assustaram o país, mas a verdade é que não tem havido investimento nos cuidados continuados e hoje a sua resposta também não é suficiente..Em 2010, deviam existir 15 mil camas. Em 2020, há 9500.De acordo com o que explicou ao DN Manuel Lopes, em 2006 o decreto-lei da RNCCI previa que a capacidade de resposta em 2010 fosse de 15 mil camas. Em 2020, existem 9500. "Não foram as necessidades da população que diminuíram. Temos mais idosos e maior número de pessoas com dependência", argumenta o especialista..Ao DN, o Ministério da Saúde refere que este número será aumentado em 800, já que o Orçamento do Estado para 2020 assim o previa. Em março, dois despachos da tutela aprovaram a criação de 571 camas, mas as restantes ainda não foram lançadas. De qualquer forma, ainda se está longe do que estava previsto para há dez anos..Talvez por isso, dados da Autoridade Central dos Sistemas de Saúde revelem que, até 7 de agosto, havia 1511 pessoas no Serviço Nacional de Saúde à espera de vaga numa UCCI. O tempo médio de espera oscila entre os 39 dias e os 140. A resposta é desigual e tudo depende das regiões. Algarve e Alentejo são as que têm mais capacidade de resposta, seguindo-se depois o Norte, o Centro e, por fim, Lisboa..Aliás, esta é a região com maior número de pessoas em espera e o tempo mais dilatado nas respostas. Manuel Lopes assume que, quando esteve à frente da RNCCI, "a espera para uma vaga nesta região era absolutamente escandalosa", sublinhando também que esta é a região do país com maior índice populacional e que é aqui que estão também os maiores e mais diferenciados cuidados hospitalares, o que faz aumentar a procura deste tipo de cuidado..Sobres os lares, Manuel Lopes afirma que estes não irão desaparecer, mas que terão de ter outra função. "Talvez se enquadrem numa resposta contínua à das UCCI. Não digo que tenham exatamente o mesmo tipo de cuidados, mas poderão desenvolver uma resposta não dirigida ou tipificada, mas múltipla, tendo em conta a evolução e a complexidade da população."