Cinco obras dos pintores contemporâneos Júlio Resende, Francisco Relógio, Noronha da Costa, Manuel Amado e Roberto Chichorro percorreram quase 280 quilómetros desde a sede do Novo Banco, em Lisboa, até Barrancos para pousarem para sempre nas paredes do Museu Arqueológico e Etnográfico. Com esta embaixada artística do litoral para o interior concluiu-se a última cedência feita pelo Novo Banco Cultura, em dezembro de 2020, ao abrigo do protocolo celebrado com o Ministério da Cultura para garantir um destino nacional e público ao espólio de cerca de cem pinturas reunidas no antigo BES, aquando da sua resolução..Ao fim do terceiro ano do projeto Novo Banco Cultura, 31 museus de norte a sul do país, incluindo Açores e Madeira, receberam já um total de 75 pinturas, que passam a integrar as suas exposições permanentes..No último ano, apesar da pandemia, foi ainda possível organizar a mudança de residência de 23 obras para museus em Ourique, Lousã, Viana do Castelo, Mirandela e Olhão, explicou Paulo Tomé, responsável de relações institucionais do banco. Para que os sucessivos confinamentos não vedassem por completo a fruição da arte, entretanto disponibilizada, foi criado em tempo recorde um roteiro online de toda a coleção, que permite a visita virtual através do site nbcultura.pt com o acesso à memória descritiva de cada obra. O site tem mais de 35 mil visualizações e o roteiro em concreto cerca de duas mil..Em causa está um conjunto eclético de obras que remontam ao século XVI e vão até ao século XXI, de autores portugueses e estrangeiros, num valor total estimado em mais de dez milhões de euros, adiantou aquele responsável.."Desde o início do projeto houve a preocupação de definir como objetivo a partilha com o público deste património cultural, que até aqui estava disperso nas salas e nos corredores do banco, e por isso chamamos-lhe Novo Banco Cultura - Arte e Cultura Partilham-se", salienta o presidente do Novo Banco, em declarações ao DN. Mas, acrescenta António Ramalho, "abrir o banco ao exterior não chegava. Quisemos tornar esta abertura em descentralização, de norte a sul, das capitais às cidades e vilas do interior, às ilhas, dos grandes museus às salas municipais"..Nas palavras de António Ramalho, "este roteiro espalhado pelo país não é mais do que um compromisso de devolução à sociedade de algo que é de todos, o património cultural.".Se o objetivo a que se refere o presidente do banco foi fácil de traçar, já o trabalho de catalogação, autenticação, perícia e pesquisa da história de cada obra revelou-se uma empreitada algo complexa, que ficou a cargo da historiadora de arte Ana Paula Rebelo Correia. "Quando o BES faliu, muitas agências foram fechadas, quer em Portugal quer no estrangeiro, e tudo foi minuciosamente inventariado, tanto os quadros como os cestos de papéis, apenas marcados com números, indistintamente", explica a historiadora, para que se perceba que havia de separar a "tralha" do "núcleo bom, que vinha essencialmente da sede". Ou seja, havia que criar uma coleção que não existia e que ficou pronta em 2017. Na sua diversidade cronológica, estilística e temática, as obras desta coleção "permitem retraçar momentos relevantes da história da arte europeia ao longo de seis séculos", observa..Ana Paula Rebelo Correia recorda que não se sabia nada sobre a maioria destas obras, e algumas do século XVI ao XVIII tiveram de ser peritadas, até porque nem todas estavam assinadas. É, por exemplo, o caso do retrato da condessa de Verdun pintado por Louise Vigée Le Brun, "uma das mais importantes retratistas do século XVIII, que pintou o retrato de Maria Antonieta e que conseguiu sair da França, acabando por se tornar uma retratista da aristocracia russa", conta a historiadora. Esta pintura, que decorava uma sala de jantar da sede do banco, foi cedida ao Museu Nacional de Arte Antiga, "porque é lá que ela faz sentido"..Já a Festa de Casamento de Pieter Brueghel (o jovem), de 1620 - a única obra do pintor em Portugal -, foi incorporada no Museu Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, por já lá existirem outras obras da Escola Flamenga..Definir uma coerência para a distribuição regional das pinturas foi também um dos maiores desafios, ultrapassados em articulação com as direções regionais de cultura e com os próprios municípios, refere a consultora. Não é assim por acaso que Cuidados de Amor (1905), do naturalista José Malhoa, tenha sido cedido ao Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos. Foi aí que o pintor viveu grande parte da sua vida e aprendeu a dominar a luz, acreditando-se que aquela tela tenha sido pintada no muro da sua casa, a que chamou "Casulo"..Por isso, também não é de estranhar que a pintura seiscentista que representa a Entrada Solene em Lisboa de Monsenhor Giorgio Cornaro, raríssima representação de um cortejo de coches no Terreiro do Paço antes do Terramoto de 1755, com os coches e os seus ocupantes devidamente identificados, tenha ido parar ao Museu Nacional dos Coches, na sala onde se encontram coches do século XVII, idênticos aos representados na pintura..A viagem do Novo Banco Cultura por seis séculos de arte vai continuar neste ano com novas cedências a novos museus, que no seu conjunto permitem revisitar outros grandes nomes da pintura como Josefa d'Óbidos, Jean Baptiste Pillement, Vieira da Silva, Eduardo Viana, João Hogan, Nikias Skapinakis, D"Assumpção, Júlio Pomar, Júlio Resende, Graça Morais, Menez, Maluda ou Malangatana, entre muitos outros.."A iniciativa está a ser muito bem acolhida pelos municípios e pelos museus, ajudando a dinamizar polos culturais em regiões com pobre oferta", assegura Ana Paula Rebelo Correia. Não admira. Ao contrário dos bancos, "os pequenos museus do interior não têm dinheiro para comprar arte".