Putin diz que alcançará objetivos "pela negociação ou pela guerra"
A retirada dos civis na cidade ucraniana de Mariupol voltou ontem a falhar, com Kiev e Moscovo a culparem-se mutuamente pelas violações do cessar-fogo temporário na região. Ao 11.º dia da invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, disse ao homólogo francês, Emmanuel Macron, que irá alcançar os seus objetivos "pela negociação ou pela guerra" e que a ofensiva irá continuar a não ser que os ucranianos se entreguem. Os negociadores de ambos os lados do conflito devem voltar a encontrar-se hoje, na Bielorrússia, para mais uma ronda de diálogo.
Depois de uma primeira tentativa frustrada no sábado, foi feita ontem uma nova tentativa para retirar os civis da cidade portuária de Mariupol, na costa do mar de Azov. Putin disse a Macron que foram os "nacionalistas ucranianos" que não cumpriram o acordado "neste assunto humanitário grave", impedindo a operação. Mas, segundo o governador da região de Donetsk, Pavlo Kirilenko, "a coluna de veículos para retirar a população não conseguiu sair porque os russos reagruparam as suas forças e começaram a bombardear a cidade". Segundo o Comité Internacional da Cruz Vermelha, cerca de 200 mil dos 450 mil habitantes que a cidade tinha antes da guerra estão à espera para poder sair.
Ainda no terreno, os combates aproximam-se da capital Kiev, com os bairros operários dos arredores, como Bucha e Irpin, na linha de fogo. "Eles estão a bombardear áreas residenciais, escolas, igrejas, prédios, tudo", disse à AFP uma das moradoras, que conseguiu sair a tempo. Os ucranianos já colocaram explosivos na última ponte que permanece de pé, em Bilohorodka, prometendo defende-la até ao fim, mas destruí-la caso isso seja o necessário para travar a ofensiva.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, anunciou que os russos destruíram um aeroporto civil no centro do país, em Vinnytsia, num ataque com mísseis. E alegou ainda que estarão a preparar um ataque aéreo contra outra cidade portuária: Odessa, na costa do Mar Negro, onde vive um milhão de pessoas. "Os russos sempre vieram a Odessa. Sempre sentiram apenas cordialidade em Odessa. E agora? Bombas?", disse numa mensagem vídeo. "Será um crime de guerra. Será um crime histórico", acrescentou.
Na Rússia, multiplicam-se as demonstrações contra a guerra na Ucrânia. Quase 4500 pessoas terão sido detidas ontem, a maioria em Moscovo e em São Petersburgo, em protestos antiguerra, segundo a contagem da OVD-Info, que faz a monitorização deste tipo de situações e divulga os nomes dos detidos e os tribunais para onde serão levados para ajudar os familiares. As autoridades russas tinham alertado que qualquer tentativa de realizar protestos ilegais seria "travada de imediato" e os organizadores e participantes seriam acusados.
Kiev tem pedido à comunidade internacional que estabelece uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, mas a NATO rejeita tal possibilidade, não querendo envolver-se no conflito e piorar ainda mais a situação. Zelensky tem pedido também sistemas de defesa aérea e caças russos (que os seus pilotos estão treinados para pilotar), tendo os media norte-americanos revelado (e o secretário de Estado Antony Blinken confirmado) que Washington estará a trabalhar num acordo com a Polónia nesse sentido. A ideia seria os polacos fornecerem os seus velhos MIG-29 aos ucranianos, recebendo em troca caças F-16 norte-americanos.
Por seu lado, Moscovo alertou os países vizinhos da Ucrânia para o risco que representa receberem aviões de combate ucranianos. "Praticamente, toda a aviação do regime de Kiev apta para o combate foi destruída. Mas sabemos por uma fonte segura que algumas aeronaves ucranianas voaram para a Roménia e outros países vizinhos", disse o porta-voz do Ministério da Defesa russo, Igor Konashenkov. "O uso da rede de aeródromos destes países como base para aviões militares ucranianos e o seu uso posterior contra as Forças Armadas russas poderia ser considerado como um envolvimento destes países no conflito armado", avisou.
Os esforços diplomáticos junto de Putin e de Zelensky são contínuos, na expectativa de encontrar uma saída para a crise. Ontem, Putin esteve ao telefone com Macron, tendo-lhe dito que alcançará "os seus objetivos pela negociação ou pela guerra", segundo o relato do telefonema (o quarto desde a invasão) feito pelo Palácio do Eliseu. Na conversa de uma hora e 45 minutos, Macron viu Putin "muito decidido a conseguir os seus objetivos", incluindo a "desnazificação e neutralização da Ucrânia", o reconhecimento da soberania russa sobre a Crimeia e a independência dos territórios de Donetsk e Lugansk. Exigências que "são inaceitáveis para os ucranianos", disse Macron, que pediu para que o exército russo não ponha civis em perigo.
Por seu lado, o presidente turco, Recep Tayyp Erdogan, pediu a Putin um "cessar-fogo imediato" e oferecendo-se para ser mediador. "Vamos abrir juntos o caminho para a paz", disse Erdogan ao homólogo russo. "Um cessar-fogo urgente e geral permitirá encontrar uma solução política e responder às inquietações humanitárias", acrescentou, segundo o comunicado turco, que revela que Ancara está disponível para dar a sua contribuição "sob todas as formas para a resolução pacífica" da situação. Putin terá dito a Erdogan esperar que a Ucrânia mostre "uma abordagem mais construtiva às negociações" previstas para segunda-feira.
Já Zelensky recebeu telefonemas do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e do italiano, Mario Draghi. "O Putin tem que falhar", escreveu o primeiro no Twitter, apresentando também um plano de ação de seis pontos nesse sentido, que passa por "mobilizar uma coligação humanitária internacional" a favor da Ucrânia, "apoiar os seus esforços de autodefesa" ou "maximizar a pressão económica sobre o regime de Putin".
No Twitter, o presidente ucraniano disse ter falado com o primeiro-ministro italiano sobre formas de responder à agressão russa, dos crimes que as tropas de Moscovo têm cometido contra os civis no seu país e sobre o "terrorismo nuclear" - expressão que começou a usar depois de os russos terem atacado e assumido o controlo da maior central nuclear da Ucrânia, Zaporizhzhia. Além disso falaram do pedido de adesão à União Europeia.
Os EUA e os parceiros europeus estarão a discutir a possibilidade de proibir a importação de petróleo da Rússia, algo que poderá ter um impacto em todo o mundo. "Estamos em discussões muito ativas com os nossos parceiros europeus sobre proibir a importação de petróleo russo para os nossos países, ao mesmo tempo que mantemos o fornecimento global estável", disse o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, numa entrevista ao programa Meet the Press da NBC. Essa proibição tem sido defendida pelos ucranianos, com o chefe da diplomacia, Dmytro Kuleba, a dizer que o petróleo russo "cheira a sangre ucraniano".
A Rússia está cada vez mais isolada do ponto de vista económico, com mais e mais empresas a deixarem o país ou suspenderem a sua atividade. Depois da Visa e da Mastercard no sábado, ontem foi a vez da American Express anunciar a suspensão de "todas as operações" na Rússia - e na Bielorrússia, um dos poucos parceiros que resta a Putin e a partir de onde têm sido lançados ataques aéreos contra a Ucrânia. Os cartões das três companhias vão deixar de trabalhar nos multibancos e nos estabelecimentos comerciais destes países.
susana.f.salvador@dn.pt