Nas últimas eleições legislativas portuguesas, foi notícia a morte parlamentar do CDS-PP, um dos partidos fundadores da democracia. No Brasil, a notícia é ainda mais ruidosa: entalado entre o centro-esquerda, representado por Lula da Silva, e a extrema-direita, de Jair Bolsonaro, o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), comparável, grosso modo, ao PSD português, corre o risco de se tornar irrelevante. E até de acabar.."O PSDB está perto da extinção porque não encontra espaço no espetro partidário brasileiro", afirma Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado, ao DN. "A situação atual do PSDB é fruto de um processo de crise de identidade", completa Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro..O partido foi fundado em 1988, três anos depois do fim da ditadura militar, com a cisão do MDB, o único partido de oposição permitido no Brasil durante aquele regime. Entre os principais líderes de uma formação que juntava conceitos da social-democracia, da democracia-cristã, do trabalhismo e do liberalismo económico estava o intelectual Fernando Henrique Cardoso (conhecido no Brasil pela sigla FHC), atual presidente de honra do partido, aos 90 anos..FHC, considerado, enquanto ministro das Finanças do governo de Itamar Franco, o pai político do Plano Real, que reformou e estabilizou a economia brasileira, foi eleito presidente em 1994 e reeleito em 1998 - sempre à primeira volta..No contexto de uma crise económica iniciada a meio do seu segundo mandato, porém, em 2002 é a vez de Lula da Silva, depois de três tentativas fracassadas, ganhar finalmente as eleições, após duas voltas, para o Partido dos Trabalhadores (PT), batendo José Serra, outros dos fundadores dos tucanos, como são chamados os membros do PSDB..Nas três eleições seguintes o vencedor foi o PT. Primeiro, novamente via Lula, frente a Geraldo Alckmin. E depois através de Dilma Rousseff, que bateu Serra e Aécio Neves. Mas o PSDB, então convertido em referência do centro-direita e nemésis do PT, obrigou os eleitos sempre a disputadas segundas voltas.."Durante anos, o que fomentou o PSDB foi a ausência de uma ultradireita no Brasil, muitos conservadores votaram em Fernando Henrique Cardoso apenas por vê-lo como um mal menor - eles hoje chamam-no de "esquerdista", aliás, por ser sociólogo e por, nos anos 90, ter segurado uma bandeira do movimento gay, por exemplo", lembra Vinícius Vieira.."O partido, entretanto, ao não defender o legado de FHC - pontapé de saída em programas sociais, modernização da indústria, financiamento da agricultura e lançamento das bases de um Brasil globalizado -, deixou que Lula se tornasse a cara da social-democracia tropical". "Com isso", diz Vieira, "o partido perdeu o centro para o lulismo e procurou rumar cada vez mais à direita"..A direita uniu-se em torno de Aécio, em 2014, para acabar, sem sucesso, com a hegemonia do PT. Dilma venceu a eleição, mas por uma vantagem menor do que o esperado, deixando a impressão de que, em 2018, a presidência só não cairia no colo de Aécio, que entretanto costurou o impeachment dela com o vice-presidente Michel Temer, se o líder do partido não quisesse.."Mas Aécio foi apanhado em 2017 num escândalo de corrupção, do qual foi absolvido este ano, a pedir dinheiro a um empresário corrupto, e, dessa forma, o PSDB tornou-se aos olhos do eleitor conservador apenas outra face do PT", sublinha Vieira. "E Bolsonaro conquistaria esse eleitorado.".Nas eleições de 2018, ganhas por Bolsonaro, com Fernando Haddad, do PT, no segundo lugar, o candidato tucano, Alckmin, não chegou a 5%. Das presidenciais de 2014 para as de 2018 o PSDB perdeu mais de 45 milhões de votos.."A eleição de Bolsonaro já é um reflexo da crise da direita tradicional diante da emergência dessa nova direita", afirma Mayra Goulart ao DN..Para Vieira, as razões do encolhimento do PSDB passam, em primeiro lugar, "por ser liberal também nos costumes, não conseguindo competir com o bolsonarismo à direita num país com cada vez menos classe média urbana e mais dependente do agronegócio", e, por outro lado, "por ser basicamente elitista, sem base social, e ter perdido o centro para o lulismo ao não defender o legado de FHC"..No poder legislativo, o PSDB passou de 54 deputados e 11 senadores em 2014 para 29 e 8 em 2018, isto é, de terceira para décima força parlamentar. Entretanto, na janela partidária do último mês, período em que os deputados podem mudar de partido livremente, os tucanos perderam mais três representantes no Congresso: já são só uns meros 25 deputados num universo de 513..No poder estadual, o Estado de São Paulo, segundo maior orçamento do Brasil, vem sendo a menina dos olhos do PSDB - o partido governa-o ininterruptamente há 30 anos. No entanto, em outubro prevê-se disputa entre o lulista Haddad, com 24 pontos nas sondagens, e o bolsonarista Tarcísio Freitas, com nove. Rodrigo Garcia, candidato tucano, não passa, para já, dos 3%. Nos outros dois Estados brasileiros que o partido ainda governa (em 2014 eram cinco), a situação também não é boa, de acordo com as pesquisas eleitorais..Dois dos governadores do PSDB, João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, deixaram de o ser na última semana, porque ambos têm pretensões ao Palácio do Planalto. Em novembro, o paulista venceu o gaúcho em primárias do partido, mas nem por isso o segundo abandonou a corrida, gerando o caos.."Respeito as primárias", disse o derrotado Leite, "mas o que interessa é o país, não as formalidades", prosseguiu, baseando-se na convicção de que pode ter melhor desempenho nacional do que o vencedor, Doria, por enquanto com meros 2% a 3% nas sondagens.."O BolsoDoria foi o princípio do fim do PSDB e agora Doria e Leite disputam restos", diz Vieira, referindo-se ao pedido pelo voto combinado, nas eleições de 2018, em Bolsonaro, para a presidência do Brasil, e em Doria, para o governo de São Paulo.."A situação atual do PSDB, de não conseguir encontrar um candidato presidencial e de, mesmo no âmbito estadual, também estar mal colocado em todas as praças, é fruto de um processo de falta de identidade", completa Mayra Goulart. "As lideranças mais famosas do partido ou estão fora da política por razões de idade, como FHC e Serra, ou não conseguem diferenciar-se do bolsonarismo, casos de Doria ou Leite: como fazem eles para se distinguirem de Bolsonaro e, ao mesmo tempo, serem abrigo desse eleitorado? Leite, por exemplo, ao assumir-se gay, terá dificuldade em colher o voto conservador." Alckmin, por outro lado, deixou o PSDB para ser vice-presidente de Lula caso este ganhe as eleições..E os tucanos podem mesmo nem ter candidato ao Planalto em outubro: após reuniões para criar uma federação entre partidos da chamada "terceira via" a Lula e Bolsonaro, as partes falam numa "candidatura única", a anunciar dia 18 de maio, talvez em torno de Simone Tebet, do MDB, aquele mesmo partido do qual FHC e outros se separaram para formar o PSDB, em 1988..Convidado pelo DN a comentar a situação do partido, o deputado Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB, recusou, por estar "100% mergulhado nas negociações internas" dessa federação.