PSD: "O silêncio do Governo sobre os lares é ensurdecedor." Executivo diz que está a agir
As tréguas foram longas, mas as primeiras brechas no consenso sobre o combate à pandemia de covid-19 começam a abrir-se. PSD e CDS pressionam o Governo a dar explicações sobre a disseminação da doença nos lares, sobretudo no de Reguengos de Monsaraz, onde morreram 18 idosos. "O silêncio do Governo começa a ser ensurdecedor!", afirma ao DN Ricardo Batista Leite, deputado e vice-presidente social-democrata. Insiste que é preciso conhecer as respostas para a "gravidade do problema". Ao DN, o gabinete da ministra do Trabalho e da Segurança Social garante que está a trabalhar em articulação com a da Saúde na "prevenção".
Os dois partidos desafiaram o líder do Governo e as ministras da Saúde e da Segurança Social, que tutela os lares, a pronunciarem-se sobre a auditoria da Ordem dos Médicos ao lar de Reguengos de Monsaraz, onde o surto de covid-19 provocou 18 mortos, e que aponta para que a instituição não cumpria as normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) e que alguns idosos não receberam mesmo cuidados adequados.
Segundo este relatório, não era possível cumprir "o isolamento diferenciado para os infetados ou sequer o distanciamento social para os casos suspeitos". "Não existia, por exemplo, definição de circuitos de limpos e de sujos, o que foi feito apenas a 26 de junho, nove dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso", sublinha o relatório da auditoria. A comissão concluiu que "os recursos humanos foram insuficientes para a prestação de cuidados adequados no lar, mesmo antes da crise de covid-19, uma situação que se agravou com os testes positivos entre os funcionários, que os impediram de trabalhar".
Sociais-democratas e centristas querem explicações sobre esta situação, bem como sobre os surtos ativos em 73 lares, que atingem 545 idosos. "O silêncio mantém-se", frisa Ricardo Batista Leite, sublinhando que o primeiro papel do Estado é "proteger as pessoas com maior vulnerabilidade, que neste caso são as mais idosas e as mais doentes".
O deputado do PSD, que é médico, considera a auditoria da Ordem dos Médicos ao lar de Reguengos de Monsaraz "profundamente grave e muito preocupante pela situação concreta", mas também porque "é sinal de que podem existir situações semelhantes noutros lares".
Perante o que aconteceu e a possibilidade de uma segunda vaga de infeções no inverno, Ricardo Batista Leite defende que é imprescindível que a tutela diga o que foi feito no caso de Reguengos e as medidas para que não volte a acontecer. Lembra que o Ministério Público já abriu um inquérito sobre o surto naquele lar, mas diz que cabe ao poder político tomar e dar a conhecer as medidas para garantir que novas situações não se repitam. Critica ainda o facto de os poderes públicos "andaram a passar as culpas uns para os outros".
Se não existirem as respostas pedidas, Ricardo Batista Leite admite que o seu partido leve o assunto ao Parlamento, mesmo durante as férias, embora a comissão permanente não tenha nenhuma reunião planeada para este mês de agosto. Manifesta-se, no entanto, esperançado que a ministra Ana Mendes Godinho acabe por dar as explicações aos deputados e ao país. "Seria incompreensível que a ministra da tutela não se pronunciasse perante resultados tão graves como os da auditoria", afirma. "O PSD apela ao sentido de responsabilidade."
É preciso, diz, olhar para os lares e ver quais têm condições e quais não têm e procurar com as autarquias, instituições de solidariedade social e até instituições de saúde que estão fechadas respostas para as situações problemáticas.
O deputado considera que o Governo deu um "sinal errado" aos lares no que diz respeito aos apoios para a sua adaptação à pandemia, porque os obriga a concorrer aos fundos disponíveis para o efeito. "Esta adaptação não devia ser facultativa e nada garante que todos os lares se queiram adaptar ou que concorram." E apesar de todas as críticas, o deputado social-democrata garante que o seu partido continua disponível para apoiar todas as medidas que o Governo entender necessárias tomar.
O líder do CDS também manifestou a sua indignação perante o que se passou em Reguengos e pediu respostas com "urgência" ao Governo.
"Dezasseis idosos morreram abandonados no lar de Reguengos de Monsaraz, por falta de alguém que lhes matasse a sede ou que lhes desse um medicamento. Não se ouviu falar em 'brigadas de resgate dos idosos abandonados', não há revolta nas redes sociais, não existe escândalo mediático, nem sequer uma palavra da ministra da Saúde ou da ministra da Solidariedade Social", escreveu Francisco Rodrigues dos Santos.
Recordou ainda que 40% das mortes por covid-19 em Portugal ocorreram em lares. "O que aconteceu em Reguengos de Monsaraz é o retrato da decadência moral do Estado Português, da renúncia ao dever de cuidar por parte dos responsáveis locais, do desinteresse do Governo pelos mais fracos, da imperdoável falta de fiscalização da tutela", disse ainda o líder centrista, num apelo às ministras da Saúde e da Segurança Social para que interrompam as férias e deem explicações ao país.
Entretanto, o grupo parlamentar centrista enviou perguntas à ministra do Trabalho e da Segurança Social e à da Saúde, em que questionam sobre a situação particular do lar de Reguengos de Monsaraz e que medidas estão a ser adotadas para impedir situações semelhantes.
Apesar de os partidos se queixarem de falta de informação, ao DN o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) garante que tem estado a trabalhar em articulação com o Ministério da Saúde e com o setor social no apoio à prevenção da covid nos lares desde março.
"O programa que tem sido desenvolvido inclui várias ações, nomeadamente realização de testes a utentes e trabalhadores nos lares, ações de formação, distribuição de EPI, programa de reforço de recursos humanos. Em junho foram criadas equipas conjuntas para a realização de visitas aos lares em todo o país para acompanhamento e identificação da implementação de medidas de prevenção, o que está em curso", refere o ministério de Ana Mendes Godinho. Aponta ainda que estão em curso medidas que visam a requalificação de modo a capacitar as infraestruturas.
Sobre o número de surtos atuais nos lares, o MTSSS contrapõe os 73 surtos ativos aos 365 que existiam em abril e aos 2500 utentes positivos de covid-19. Mas admite que "a situação nos lares é preocupante dada a vulnerabilidade a este tipo de doença das população que neles habitam". Considera, no entanto, que a situação de Portugal por comparação com outros países europeus "é menos grave", já que o número de mortes em lares representam 38,5% das mortes totais de covid-19, enquanto em Espanha sobe, por exemplo, para os 66%.
"O acompanhamento a lares não parou desde março. Os centros distritais da Segurança Social estão, em articulação com as autoridades de saúde local, a proceder a visitas conjuntas a todos os equipamentos para verificar a implementação das medidas de prevenção face a um eventual surto de covid, nomeadamente na aplicação dos respetivos planos de contingência", frisa o gabinete de Ana Mendes Godinho.
Este ministério recorda que aprovou uma série de medidas, como o reforço em 33 milhões de euros da comparticipação financeira aos lares, uma linha de financiamento de 165 milhões de euros, o apoio na compra de EPI, o programa de testagem preventiva a todos os funcionários, o programa de reforço de recursos humanos que já colocou mais de cinco mil trabalhadores em respostas sociais, sendo a maioria em lares. "É neste sentido que estamos a reforçar as várias ações para antecipar eventuais situações que possam acontecer no outono", garante.
Quanto à situação particular do lar de Reguengos de Monsaraz, o MTSSS diz que quer aguardar pela investigação do Ministério Público. Sobre as explicações exigidas pela oposição da ministra, o gabinete recorda que Ana Mendes Godinho esteve no Parlamento a 15 de abril a apresentar o programa de prevenção integrado dos lares, bem como as medidas levadas a cabo. "Naturalmente, está sempre disponível para os esclarecimentos adicionais que sejam necessários", assegura o MTSSS.
Outro tema que tem estado a dividir o Governo e a oposição é o fim das reuniões dos responsáveis políticos com os especialistas do Infarmed, que terminaram há um mês. Desde lá só tiveram acesso a um relatório e querem mais.
O PSD viu o PS e o PCP chumbarem a sua proposta, feita em julho, para reuniões quinzenais na comissão parlamentar de Saúde com os especialistas da DGS. "Se houver no inverno um crescimento exponencial lá iremos correr atrás do prejuízo e quando os hospitais já estiverem cheios", afirma Ricardo Batista Leite.
O PSD continua a defender que o acesso a toda a informação é vital para antecipar medidas e propostas. Daí que tenha avançado com um projeto de resolução em que recomenda ao Governo a divulgação de dados mais detalhados sobre a pandemia, incluindo a discriminação de novos casos e óbitos por freguesia, bairro ou rua "quando a elevada incidência justifique".
A publicação da percentagem de novos casos "atribuíveis a surtos" versus casos "fora das cadeias de transmissão", informação sobre curvas epidemiológicas por região de saúde, incluindo indicadores como o grau de transmissibilidade e o número médio de contágios ou as principais vias e locais de transmissão da doença (meio residencial, laboral, social, entre outros), são algumas das sugestões avançadas pelo grupo parlamentar do PSD.