Professores contestam cortes no colégio "em que os donos têm barras de ouro na banheira"
Mário Nogueira, responsável máximo da Fenprof, foi pessoalmente ao Louriçal esta manhã manifestar apoio aos professores do Instituto D. João V (IDJV), junto ao colégio-sede do grupo GPS, "bem conhecido pelos milhões de euros com que se foi abotoando ao longo dos anos", tal como disse aos jornalistas, numa conferência de imprensa que decorreu à porta da escola.
O líder da Fenprof recordou que "ainda há pouco tempo se descobriu que nesta família se guardam barras de ouro debaixo das banheiras". Ou seja, "problemas de dinheiro parece que não existem, a não ser quando se trata de pagar a quem trabalha. O proprietário decidiu cortar tremendamente os salários aos professores, na ordem dos 800 euros por cada docente. Assim não tem que perder dinheiro nem pagar indemnizações, e continuar a fazer o que fez sempre: viver à custa dos outros", disse.
Vítor Juvenal, professor de Português, docente no Louriçal há 27 anos (e também dirigente do Sindicato dos Professores da Região Centro), contou que os professores foram confrontados com a situação de layoff no final do ano letivo passado. Das 22 horas letivas que habitualmente os professores lecionam, no IDJV os cortes foram consideráveis. "No meu caso, que só tenho meio horário, ou seja, 11 horas, isso correspondia a cerca de 700 euros. Este ano reduziram-me quatro horas, dou apenas sete. Agora vejam quanto é que isso vai corresponder".
Ao todo, são 18 os professores do IDJV que estão nessa situação laboral. A maioria leciona ali há cerca de 30 anos, ou seja, acompanhou toda a ascensão e queda do grupo GPS.
Os horários deste novo ano letivo vieram confirmar o corte. "Alguns professores têm 14 horas em vez de 22, 13 ou menos". E é esta uma consequência dos cortes do Governo nos contratos de associação? "É lógico que essa é uma das causas, mas o maior problema é o facto de não haver crianças", respondeu Vítor Juvenal. O professor lembra que houve "uma queda brutal, nos últimos dez anos, do número de alunos disponível para o sistema de ensino". Os números mostram-no bem: no Louriçal, a escola contava com 132 professores no início da década, e neste momento são apenas 27.
"É a segunda vez que estamos em layoff", contou aos jornalistas Vítor Juvenal, ladeado por cerca de uma dezena de colegas na mesma situação. A primeira aconteceu em 2016/17, e daí resultou que vários professores acabaram por chegar a acordo e abandonar a escola.
Mas a crise começara antes, antes até da chegada da Troika a Portugal. "Houve vários despedimentos. Isso fez-se recorrentemente", sublinha Vítor Juvenal, para quem "o layoff só acontece para que a administração não pague indemnizações".
"É óbvio que os professores, se pudessem, fugiam daqui para fora. Não é que não gostem de dar aulas e não vou ter com os alunos o maior dos cuidados. Isso não está em causa. Nunca esteve. Mas é óbvio que isto desgasta", disse o professor, considerando que estes professores "têm vida, têm casas para pagar, e estão a ser postos em causa pela ganância de pessoas que não sabem o que é que o dinheiro vale. E têm-nos sempre nas mãos".
Entre os 18 professores nesta situação "há vários que, se tivessem sido contactados para tal, estariam na disposição de rescindir, fazer um acordo e ir embora, desde que pelo valor justo.
Aos olhos da lei, o layoff só é possível por um determinado período de tempo, ou seja, quando a empresa atravessa um período financeiramente difícil, por algum motivo, mas sempre com um prazo. "Isso não é verdade porque nós não vamos ter mais turmas para o ano. A menos que o Estado financiasse mais turmas, mas tudo indica que o Ministério da Educação não vai recuar. A ideia é mesmo acabar com os contratos de associação". A justificação dada aos professores foi a de que empresa/ escola se encontra "numa situação de emergência económica. Mas nós não acreditamos minimamente nessa situação, por todos os sinais exteriores de riqueza que os administradores têm, e por todas as notícias que vêm a público", sublinha o professor.
O passo seguinte será "solicitar à ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) a fiscalização do que se está a passar na empresa, inclusivamente a própria contabilidade", aponta o porta-voz dos professores. "A ironia da tal debilidade financeira é esta: no mês passado a empresa depositou os salários no último dia do mês, e voltou a depositá-los na segunda-feira seguinte...depois pediu para que fossem devolvidos".
Até agora ninguém da administração falou com os professores. Os únicos contactos são feitos com a diretora Pedagógica, Patrícia Carvalho, que não se mostrou disponível para falar aos jornalistas.
No final da conferência de imprensa, Mário Nogueira deixou a informação de que "a redução do número de alunos, seja nas escolas públicas ou privadas, é comum no país inteiro, onde aconteceram os cortes nos contratos de associação. E a zona mais afetada não foi a região centro. Foi o norte do país. E isto não aconteceu em colégio nenhum. Ou chegaram a um acordo com os professores ou os que ficaram continuaram com os horários completos. Foram todos respeitados. Só aqui é que não".
O Instituto D. João V - que abriu portas no ano letivo de 1987/88 - chegou a ter mais de 1500 alunos. No presente ano letivo tem apenas cerca de 400. Foi o primeiro de um grupo de colégios (mais tarde designado por grupo GPS) fundado por António Calvete, que entretanto terá legado a administração ao filho mais velho. Natural da vila do Louriçal, Calvete chegou a ser deputado do PS pelo círculo de Leiria na Assembleia da República, mas acabaria por deixar o partido e estabelecer fortes ligações também com o PSD, integrando nos colégios vários ex-governantes e responsáveis da Educação. De resto, António Calvete deveria já estar a ser julgado num processo de fraude de 30 milhões de euros (alegadamente desviados dos colégios com contratos de associação, para outras empresas e fins pessoais), mas o início do julgamento - marcado para dia 12 deste mês - acabou por ser adiado.