O despacho de acusação do processo de roubo das pistolas Glock e respetivas munições, que foram furtadas por um polícia do armeiro da PSP, durante o ano de 2017, revela que este negócio tinha como intermediários João Paulino e António Laranginha - dois dos 12 acusados neste processo, e também os principais suspeitos do assalto aos paióis de Tancos. .O despacho de acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) indica que as armas iriam sair do país, em direção à Guiné Bissau, camufladas em caixas de ovos exportadas para Bissau por um empresário avícola de Ansião (a mesma localidade onde residia Paulino). Segundo o MP, este empresário, Manuel das Neves, "tem uma rede de contactos na Guiné-Bissau, também no mercado negro da venda de armas"..Esta pista de escoamento das armas para a Guiné-Bissau, tão bem identificada no caso das Glock, não foi, no entanto, considerada no inquérito de Tancos - apesar de os traficantes que intermediariam a venda do material serem os mesmos e numa investigação dirigida pelos mesmos procuradores responsáveis também por este caso das pistolas..Interrogações e dúvidas.No caso de Tancos, como é sabido, a maior parte do material foi devolvido por João Paulino, através de uma negociação como militares da Polícia Judiciária Militar, que viria a originar a Operação Húbris, mas ainda há material desaparecido: munições para as pistolas, granadas e explosivos. O MP não chegou a descobrir para onde pode ter sido escoado este material - os investigadores admitem a hipótese de continuar escondido por João Paulino, como troféu..Na investigação de Tancos, aliás, foi a possível venda do material a elementos do grupo terrorista ETA, a tese que mereceu maior atenção da investigação e justificou, até, a acusação a parte dos arguidos por terrorismo. Isto embora a ideia tenha mesmo surpreendido as autoridades espanholas e sido rebatida por responsáveis portugueses. Nesse caso, essa ideia surgiu por causa de uma conversa de um dos arguidos..O DN questionou um dos procuradores responsáveis por ambos os processos porque não foi feito este cruzamento de informações, mas não recebeu ainda resposta..Ao que foi possível, no entanto, saber junto a fonte judicial, "nunca se confirmou a existência desse canal de escoamento" para a Guiné-Bissau. "Houve uma 'promessa' de fornecimento de armas (que se desconhece que armas seriam) por parte do homem da Guiné, que vendia cartuchos de caçadeira (calibre 12) em situação de contra-ordenação, mas apenas pela quantidade excessiva. De resto, eram legais e podiam ser vendidos, mas com limitação quanto às quantidades", justifica esta fonte..Armas e galinhas.Segundo o despacho de acusação ao furto das 55 Glock, Laranginha e Paulino acordaram com o avicultor Manuel das Neves a venda de, pelo menos, sete pistolas, a 1100 euros cada uma. Aliás, Manuel Gonçalves das Neves foi apanhado nas buscas realizadas do dia 25 de janeiro deste ano na posse de várias caixas com centenas de munições e cartuchos cujo destino era o país africano e ainda 900 mil francos CFA, a moeda guineense. Afirma o MP que "entre julho de 2017 e setembro de 2018 (já a investigação estava a decorrer desde janeiro de 2017), Manuel das Neves carregou em contentores, misturados com os produtos avícolas, cartuchos e munições com destino à Guiné-Bissau". Não há referência às pistolas..O avicultor acabou por ser apanhado por ter tentado vender as armas a Paulo Sampaio - o oficial de ligação do Ministério da Administração Interna naquele país - e disse que um amigo tinha visto sete das armas que tinham sido furtadas da PSP e que estavam à venda..Paulo Sampaio terá informado a Divisão de Investigação Criminal da PSP em Lisboa. Fica por explicar se as pistolas estavam já ou não em Bissau. E, também, a coincidência de Sampaio ter sido o diretor do departamento responsável pelo armeiro à data do furto, tendo sido, aliás, alvo de um processo disciplinar, responsabilizado pelas falhas de controlo e obrigado a regressar a Lisboa..Falhas de controlo na PSP.Segundo a acusação do MP sobre o furto das Glock, o agente da PSP Luís Gaiba, responsável pelo armeiro à data do furto, é o principal acusado, sendo-lhe imputados os crimes de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, branqueamento de capitais, detenção de arma proibida e peculato..Luís Gaiba foi o responsável pelo armeiro da Direção Nacional da PSP entre 16 de dezembro de 2015 e 27 de janeiro de 2017, período durante o qual, segundo o MP, foi desviando armas..Agente principal da Polícia de Segurança Pública, Gaiba está em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Évora e terá, se for considerado culpado no julgamento que se seguirá, que pagar o valor das 55 pistolas furtadas, que estavam avaliadas em mais de 20 mil euros, à PSP, segundo pretende o MP..Mais uma vez, como aconteceu em Tancos, também neste caso o roubo das armas foi motivado pela percepção de que o controlo das armas se encontrava fragilizado: o seu registo não era atualizado e, devido à dispersão das chaves de acesso às instalações, não havia qualquer tipo de registo de acesso ao armeiro..As falhas de supervisão e controlo foram aproveitadas pelo acusado para furtar as armas e vendê-las em circuitos paralelos de tráfico de armas e droga - onde foram parar às mãos de Laranginha e Paulino. Contudo, o agente, na tentativa de que as suspeitas do desaparecimento das armas não recaíssem sobre ele próprio, chegou a denunciar as fragilidades do armeiro à Direção Nacional da PSP e acedeu à base de dados para saber quais as armas de fogo que não estavam distribuídas a outros polícias..Atualizado às 13h com a justificação de fonte judicial